As ambivalências identificadas não significam que a agenda ESG seja irrelevante para mitigação de risco (andreswd/Getty Images)
Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 18 de julho de 2025 às 10h00.
Eventos extremos — de pandemias a viradas regulatórias — expõem fragilidades que não aparecem nos modelos de risco convencionais. O jargão financeiro chama esse perigo invisível de risco de cauda: a chance, pequena mas devastadora, de perdas que ficam bem além dos limites previstos pela volatilidade média. Na prática, ele surge quando a distribuição de retornos apresenta assimetria voltada para perdas (skewness negativa) e “caudas gordas” (kurtosis elevada), atributos que tornam inadequados os pressupostos de normalidade com que muitos gestores trabalham.
Desde que fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) passaram a influenciar decisões de alocação, pesquisadores tentam descobrir se bons indicadores de sustentabilidade funcionam também como amortecedores dessa cauda. O debate ganhou lastro empírico depois que Zhang, De Spiegeleer e Schoutens identificaram que empresas com ratings ESG elevados, em especial as de porte médio e inseridas em setores sensíveis a reputação, exibiram menor kurtosis implícita — sinal de menor probabilidade de choques profundos — além da já conhecida redução de volatilidade.
Estudos posteriores reforçaram, mas também questionaram a tese. Em alguns casos, vemos que o custo de proteção via opções (option-implied cost of protection) cai de forma consistente para companhias de alto desempenho ESG; porém, esse benefício se dilui quando há descompasso entre os pilares ambiental, social e de governança. Outro estudo argumenta que a redução de risco sistêmico é real em tempos normais, mas praticamente desaparece nos grandes estresses de mercado. A crise da Covid-19 forneceu um teste de fogo: no período, diversos estudos verificaram que as ações “verdes” tiveram retornos mais altos e menor volatilidade em relação às suas contrapartes tradicionais.
As ambivalências identificadas não significam que a agenda ESG seja irrelevante para mitigação de risco. Um trabalho da Universidade de Oxford registrou que estratégias bem-sucedidas em temas ambientais derrubam métricas de Valor em Risco (VaR) e momento parcial inferior nas empresas, por conta da redução em incidentes operacionais. O recado que emerge do conjunto desses artigos é claro: a relação entre ESG e proteção de cauda existe, mas não é linear nem automática. Ela depende do setor, do porte, das condições macro e, sobretudo, da coerência interna dos programas de sustentabilidade. A agenda não pode ser reduzida a campanhas de marketing ou a uma pontuação genérica sob risco de que se elimine rapidamente o potencial de retorno.
Para investidores, reconhecer essa complexidade ajuda a calibrar expectativas: políticas ESG robustas barateiam o hedge e suavizam incidentes extremos na média, mas não substituem análises de liquidez, balanço ou cenário. Para as empresas, a mensagem é mais profunda e estratégica. Uma agenda de sustentabilidade gera valor quando se entrelaça ao modelo de negócio e impregna cultura, ética e processos, permitindo execução com excelência e capacidade de adaptação às mudanças repentinas que justamente alimentam o risco de cauda. Equilibrar performance de curto prazo com visão de longo prazo é questão de sobrevivência em mercados cada vez mais expostos a choques climáticos, sociais e tecnológicos. Quem trata ESG como componente estrutural — e não ornamental — constrói um air-bag financeiro: ele não evita o acidente, mas diminui de forma mensurável a gravidade de seus impactos quando o inesperado, inevitavelmente, acontece.
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