Alagamentos que podem ser evitados com o combate à crise climática (MARLON COSTA/FUTURA PRESS/Estadão Conteúdo)
Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 3 de setembro de 2025 às 17h00.
sÀ vésperas da COP30, em Belém, uma notícia incômoda ganhou destaque: quase metade dos países pode não entregar, dentro do prazo, suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) — os compromissos climáticos que deveriam ser revisados e atualizados em ciclos periódicos, conforme estabelece o Acordo de Paris. O Brasil fez sua parte e entregou sua nova NDC antecipadamente, em novembro de 2024, durante a COP29, no Azerbaijão. Contudo, até o momento, apenas 29 dos 197 países que fazem parte da convenção do clima da ONU entregaram suas novas metas.
O dado é alarmante não apenas pelo descumprimento formal de prazos, mas pelo efeito paralisante que tal atraso provoca na arquitetura global de combate à emergência climática. As NDCs cumprem uma função estruturante no regime internacional de clima. Em termos práticos, são os planos que cada país apresenta sobre como pretende reduzir suas emissões, adaptar-se aos impactos já em curso e contribuir para a meta coletiva de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Sem elas, não há clareza sobre para onde vamos nem parâmetros para avaliar quem está fazendo a sua parte. A ausência de compromissos claros não é apenas um problema burocrático, mas uma falha de planejamento que compromete a capacidade de agir. Afinal, não há implementação sem plano de ação — e as NDCs são justamente isso: a tradução de ambição em estratégia.
O atraso na apresentação desses compromissos fragiliza ainda mais um processo que já enfrenta um déficit de ambição. Mesmo somando todas as NDCs vigentes, os cenários projetados indicam emissões incompatíveis com as metas do Acordo de Paris. Ou seja, já não estamos fazendo o suficiente. Quando países sinalizam que podem nem sequer entregar seus compromissos a tempo, a mensagem que se transmite é de hesitação e descompromisso diante da urgência. A cada ciclo perdido, a janela de oportunidade para evitar os piores efeitos da crise climática se estreita, tornando mais custosa e difícil a transição que inevitavelmente teremos de enfrentar.
É nesse ponto que a discussão sobre implementação, tão recorrente nos fóruns climáticos, perde consistência. É legítimo cobrar mais investimentos, transferências de tecnologia e mecanismos de financiamento climático. Mas sem NDCs robustas, não há uma base sobre a qual articular cooperação ou medir resultados. A falta de clareza nos compromissos nacionais mina a previsibilidade necessária para que empresas, investidores e governos locais planejem ações consistentes de mitigação e adaptação.
A emergência climática não espera. Incêndios, secas, enchentes e ondas de calor recordes já se acumulam em diferentes partes do mundo como sinais de um planeta sob estresse. Nesse cenário, as NDCs não são apenas documentos técnicos, mas instrumentos de responsabilidade coletiva e de credibilidade política. São elas que organizam a ambição global em trajetórias nacionais, permitindo que a soma das partes faça sentido no todo.
Adiar a entrega das NDCs equivale a caminhar sem rumo. Sem esses compromissos, o discurso de ação climática perde substância, e o mundo se arrisca a transformar a COP30 em mais uma conferência de promessas vazias, quando o que precisamos é de planos concretos, ambiciosos e urgentes. O desafio é claro: transformar metas em realidade, e isso só é possível quando há metas de fato colocadas sobre a mesa.