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O que é Fashion Law e por que ele é importante para a moda sustentável?

Consumidores mais conscientes e marcos legais impulsionam uma revolução verde na moda

O Fashion Law valoriza o desenvolvimento sustentável (fizkes/Getty Images)

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Publicado em 19 de junho de 2025 às 07h00.

Por Talita Orsini de Castro Garcia, Beatriz de Araújo Fonseca e Luiza Fernandes de Andrade

A indústria da moda, tradicionalmente associada à criatividade e à inovação, tornou-se também um dos setores mais desafiadores do ponto de vista ambiental pelo fato de que está historicamente associada a consumo excessivo e descarte rápido. Dados da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente apontam que o segmento responde por aproximadamente 10% das emissões globais de gases de efeito estufa e por cerca de 20% da poluição industrial da água, liberando, ainda, centenas de milhares de toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos anualmente, formando verdadeiras ilhas de lixo, tais como aquela presente no deserto do Atacama, no Chile.

Este setor vive hoje uma revolução verde, movimento que vem sendo impulsionado por consumidores mais conscientes, avanços tecnológicos e, claro, por marcos legais que começam a organizar e impulsionar esse novo contexto.

O papel do Fashion Law no setor da moda sustentável

O Fashion Law valoriza o desenvolvimento sustentável, transformando a adoção de boas práticas em ativo competitivo para marcas e indústrias. Para promover práticas mais responsáveis, contudo, é fundamental compreender como o direito pode proteger e incentivar a inovação ambiental no setor. Empresas que investem em inovação ecológica têm, por meio do Fashion Law, o respaldo jurídico necessário para manter sua vantagem competitiva, assegurar exclusividade no mercado e evitar a apropriação indevida por terceiros.

Nesse contexto, destacam-se as chamadas patentes verdes, as quais são concedidas para criações de propriedade industrial cuja matéria-prima ou processo implica benefício ambiental como, por exemplo, técnicas de tingimento sem uso de água, fibras biodegradáveis ou métodos de reciclagem têxtil.

No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) instituiu, em 2012, o Programa de Patentes Verdes, e desde 2016 passou a conferir exame prioritário a pedidos relacionados a tecnologias de geração de energia alternativa, transporte sustentável, conservação de recursos, gerenciamento de resíduos e práticas agrícolas de baixo impacto.

Essa celeridade não apenas reconhece formalmente o caráter ambiental e sustentável da inovação, mas também assegura ao titular exclusividade de exploração em prazo reduzido, fortalecendo sua competitividade tanto no mercado interno quanto no exterior.

Impacto ambiental da substituição de fibras convencionais

A substituição de fibras convencionais por alternativas ecológicas, como algodão orgânico e poliéster reciclado, é fundamental para reduzir o impacto ambiental da moda, visto que esses materiais, produzidos a partir de recursos renováveis ou de resíduos pré‑consumo, oferecem redução significativa no consumo de água, no uso de agrotóxicos, no nível de emissão de carbono e também garantem um tempo de decomposição mais rápido, causando menos impacto ambiental ao ser descartado.

Para as marcas, isso significa mais do que responsabilidade ambiental: é uma oportunidade de posicionamento no mercado, atraindo consumidores que valorizam propósito e inovação, aliados à sustentabilidade. O desafio está em equilibrar a viabilidade econômica com a proteção jurídica, o que exige planejamento legal desde a concepção da ideia até sua chegada ao consumidor final.

O problema do greenwashing no setor da moda

Além disso, diante de tal vantagem competitiva, um dos atuais desafios do setor é assegurar a veracidade das alegadas práticas sustentáveis. A ausência de regulamentação específica facilita o chamado greenwashing no setor, prática em que empresas comunicam atributos ecológicos inexistentes ou exagerados, prejudicando a concorrência leal ao colocar marcas em vantagem competitiva em decorrência de afirmações inverídicas, induzindo o consumidor ao erro e caracterizando propaganda enganosa nos termos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990).

Exemplos práticos evidenciam como o greenwashing pode prejudicar a credibilidade de uma marca e a confiança do consumidor. Em 2021, um relatório da Changing Markets Foundation revelou um dos casos mais emblemáticos de greenwashing na indústria da moda. A fundação analisou roupas de grandes marcas de fast fashion para verificar a veracidade de suas alegações de sustentabilidade e constatou que 60% dessas declarações eram enganosas. A H&M destacou-se negativamente, sendo considerada a pior infratora, com impressionantes 96% de suas alegações não se sustentando.

O episódio reforça a importância de práticas transparentes e fundamentadas no mercado, ressaltando a necessidade de regulamentações claras e mecanismos de controle para coibir afirmações ambientais enganosas no setor da moda e além dele.

A importância de regulamentações e certificações na sustentabilidade

O desafio está na ausência de padrões uniformes e na dificuldade de comprovação da sustentabilidade ao longo da cadeia produtiva. Certificações internacionais como GOTS (Global Organic Textile Standard) e RCS (RecycledClaim Standard) são importantes, mas não suficientes sem uma regulação nacional robusta.

Medidas regulatórias, como a exigência de relatórios ESG auditáveis, rotulagem ambiental clara e normas sobre publicidade verde são essenciais para garantir a transparência e evitar fraudes contra o consumidor e o meio ambiente.

Portanto, as marcas que pretendem alcançar essa fatia do mercado que busca por produtos sustentáveis devem ter medidas mínimas de rastreamento de insumos, incluindo cláusulas específicas nos contratos com fornecedores, prevendo penalidades por violações à legislação ambiental e trabalhista, bem como imposição de padrões mínimos de uso de recursos e criação de mecanismos de responsabilização por danos socioambientais.

O futuro da moda sustentável e a união com o Fashion Law

Considerando todo esse contexto, a indústria da moda está em um momento decisivo em que criatividade, inovação e responsabilidade ambiental precisam caminhar juntas para garantir um futuro sustentável às próximas gerações. Diante disso, o Fashion Law surge como um instrumento fundamental para impulsionar práticas ambientais positivas, incentivando patentes verdes e o uso de tecidos sustentáveis, permitindo que empresas transformem ações sustentáveis em vantagens competitivas claras no mercado, especialmente num cenário onde consumidores exigem cada vez mais transparência e compromisso real com a sustentabilidade.

A união entre Fashion Law e sustentabilidade não é tendência passageira — é a base para o futuro da moda. As marcas que investem em inovação verde e proteção jurídica não apenas se destacam no mercado, mas também assumem um papel ativo na construção de uma economia circular. Em um setor criativo como o da moda, o direito se torna uma ferramenta estratégica para garantir que as boas ideias ganhem forma, proteção e, sobretudo, impacto positivo no mercado e no meio ambiente.

Talita Orsini de Castro Garcia é especialista da área Contratual e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

Beatriz de Araújo Fonseca é trainee da área de Contratos Comerciais e Propriedade Intelectual do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

Luiza Fernandes de Andrade é advogada da área de Contratos Comerciais e Propriedade Intelectual do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

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