o letramento em Inteligência Artificial da liderança e dos colaboradores é fundamental (shironosov/Getty Images)
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Publicado em 19 de junho de 2025 às 15h00.
Por Felipe Ost Scherer, sócio-fundador da Innoscience*
Segundo estudo do Fórum Econômico Mundial (FEM), 86% dos entrevistados identificam a IA como a principal tecnologia que irá conduzir os negócios a uma transformação até 2030. A mesma publicação aponta que 39% das habilidades “core” de um colaborador devem ser alteradas em 5 anos. As habilidades relacionadas à IA serão as que mais precisarão ser desenvolvidas pelas pessoas.
A cada semana, novos modelos de tecnologia e ferramentas são lançados, gerando um misto de entusiasmo, ansiedade e confusão. Há muitas dúvidas sobre o que fazer. As pessoas e as organizações sabem que precisam agir, mas muitas vezes não sabem exatamente o quê nem como.
Esse fenômeno vem causando o chamado FOBO (Fear Of Being Obsolete – Medo de se Tornar Obsoleto). Segundo pesquisa com mais de 1000 pessoas ouvidas, realizada pela plataforma Kahoot, 46% acreditam que se tornarão obsoletos em 5 anos devido às rápidas mudanças tecnológicas. Esse fenômeno também já foi mapeado pelo instituto de pesquisas Gallup. O receio de se tornar um profissional irrelevante em pouco tempo é real.
Apesar desse receio da obsolescência, a perspectiva mais provável no momento é a de uma colaboração intrínseca entre humanos e IA na maioria dos processos. Conforme o BCG AI Radar 2025, 64% dos executivos acreditam que os colaboradores e a Inteligência Artificial irão trabalhar lado a lado. Enquanto 22% acreditam que a mesma irá precisar apenas de supervisão humana, 14% visualizam o processo conduzido pelos colaboradores com consultas eventuais à tecnologia, apenas quando necessário.
Independente do modelo que será adotado, as evidências suportam a importância de treinar as pessoas, realizar o chamado upskilling (aprimorar as habilidades para desenvolver a mesma função) ou até mesmo o reskilling (adquirir novas habilidades para exercer uma nova função). Ainda há muito o que fazer nesse sentido. Conforme o BCG AI Radar de 2025, 70% das empresas treinaram apenas uma em cada quatro pessoas. Um número irrisório, dada a intensidade e a velocidade com que a tecnologia está evoluindo.
Processos de transformação organizacional bem-sucedidos usualmente passam por uma liderança conectada e que suporta ativamente a mudança. Com a incorporação da Inteligência Artificial nas empresas, não é diferente. A capacitação e o letramento da liderança em IA são atividades fundamentais em qualquer framework de implementação da tecnologia em escala. Há dois fatores cruciais que corroboram a importância da fluência em IA pela liderança: direcionamento estratégico e capacidade de implementação.
O fator relacionado a este direcionamento está na capacidade de tomar melhores decisões sobre a tecnologia de forma holística, considerando questões tecnológicas, legais, éticas, entre outras, e também definindo expectativas realistas sobre o impacto e os resultados dentro da empresa.
A fluência em IA da liderança também impactará sua capacidade de implementação, mobilizando recursos humanos e financeiros para os projetos necessários. Essa energia elevada, proveniente do time de gestão, resulta no dinamismo de que a organização precisa para priorizar as atividades de transformação.
Um estudo realizado com quase 7 mil executivos de empresas do S&P 500 (as maiores empresas americanas negociadas em bolsa) e startups unicórnios identificou uma forte correlação entre letramento em IA e capacidade de adoção da ferramenta nos negócios. A pesquisa mostra que há correlação positiva entre fluência em IA pela alta gestão e os dois fatores previamente citados: direcionamento estratégico e capacidade de implementação. Em empresas em que os executivos têm essas habilidades desenvolvidas, há maior probabilidade de sucesso nas iniciativas no segmento.
Como visto acima, o letramento em Inteligência Artificial da liderança e dos colaboradores é fundamental! O termo refere-se à aquisição de conhecimentos e habilidades que permitem aos indivíduos compreender, interagir e utilizar a mesma de forma crítica, ética e eficiente, possibilitando a adoção intencional dessas tecnologias.
Para ilustrar a importância dessa abordagem top-down e abrangente, podemos citar o caso da Unimed Vale do Taquari e Rio Pardo (VTRP). A cooperativa médica, ao delinear sua estratégia de adoção da IA, teve o cuidado de preparar todos os seus colaboradores. Desde a presidência e diretoria até os demais níveis hierárquicos, todos os profissionais receberam treinamento. Esse programa de capacitação abordou desde os conceitos básicos relacionados ao funcionamento da Inteligência Artificial até a aplicação prática dos principais casos de uso do "Tumtum", a ferramenta de IA corporativa desenvolvida e treinada especificamente para o contexto e as necessidades da cooperativa. Outro exemplo prático dessa abordagem é o da empresa Boston Scientific, referência mundial em medical devices, que realizou o ciclo de conteúdo "Pipoca com IA", trazendo o tema para a pauta das pessoas através de um ciclo de convidados especialistas no tema, fomentando a discussão e a conscientização interna.
Assim, pela minha experiência, podemos afirmar que o sucesso do processo de letramento passa por um ponto-chave:
Estabelecer e comunicar papéis - Nem todos os colaboradores precisarão construir sistemas de agentes autônomos dentro das empresas, porém é esperado que a maioria esteja habilitada para usar os sistemas e ferramentas disponíveis.
Definem a visão estratégica e o alinhamento da IA com os objetivos de negócio. Tomam decisões chave sobre investimentos e prioridades, estabelecendo a governança (políticas, ética, riscos) e promovendo uma cultura de IA em toda a organização.
Especialistas técnicos que projetam, constroem e implantam sistemas complexos e customizados. Orientam e validam as soluções criadas pelos AI Builders, garantindo qualidade e segurança, além de homologar ferramentas de terceiros.
O Gartner cunhou o termo "citizen developers" para designar um colaborador que desenvolve aplicações para o consumo próprio ou de outros na sua área. Em outras palavras, são pessoas, geralmente de áreas de negócios, que utilizam ferramentas acessíveis, como plataformas no-code, para desenvolver soluções digitais sem a necessidade de conhecimentos profundos em programação. Vale ressaltar que a ideia não é fomentar a chamada “shadow IT”, mas sim um processo de descentralização coordenada, seguindo padrões de segurança, transparência e rastreabilidade adotados pela empresa.
São a maioria dos colaboradores que interagem e utilizam ferramentas e sistemas habilitados por IA em suas tarefas diárias. Precisam de letramento para usar essas soluções de forma eficaz, ética e segura, fornecendo feedback valioso para o aprimoramento dos sistemas e a identificação de novos usos.
Visto isso, em meio à aceleração tecnológica e à crescente integração da Inteligência Artificial nos processos corporativos, a sensação de urgência é legítima, mas o medo da obsolescência não precisa ser o protagonista dessa jornada. A resposta para esse novo cenário não está na resistência, mas sim na capacitação intencional, no letramento em IA e na clareza dos papéis dentro da organização. O futuro do trabalho é colaborativo, com humanos e máquinas atuando lado a lado, e essa colaboração começa com conhecimento, propósito e preparo.
*Além de sócio-fundador da Innoscience, consultoria especializada em inovação corporativa, Felipe tem ampla experiência no setor, é autor de quatro livros sobre inovação, incluindo Gestão da Inovação na Prática e Simbiose Corporativa. Além disso, é reconhecido por sua atuação em open innovation.
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