Manaus - Amazônia (A.Paes/Deposit/Divulgação)
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Publicado em 8 de julho de 2025 às 15h00.
Por Luiz Augusto Barreto Rocha*
Enquanto o debate sobre o futuro da Amazônia tende a oscilar entre extremos — a paralisia contemplativa e a exploração predatória —, o Polo Industrial de Manaus (PIM) oferece, há mais de cinco décadas, uma solução concreta, equilibrada e com resultados comprovados. Trata-se de uma experiência singular de desenvolvimento nacional que conjuga produção industrial, inclusão social e proteção ambiental.
Hoje, com a participação estruturada na Pesquisa Firmus do Banco Central do Brasil, o PIM dá um passo a mais: presta contas diretamente à sociedade brasileira, mostrando com dados e fatos que, no coração da floresta, pulsa uma indústria moderna, resiliente e capaz de formar gente.
Em maio de 2025, o Polo Industrial de Manaus registrou 132.886 empregos formais diretos, com saldo positivo de 607 novas vagas no mês, mesmo diante de retrações conjunturais em faturamento e importações. Mas o dado bruto não revela toda a riqueza do processo. O que merece destaque é a qualidade das oportunidades geradas.
A indústria instalada no PIM não se limita a empregar. Ela forma, capacita e integra. Em linhas de produção, laboratórios, centros de pesquisa e núcleos de engenharia, jovens de origem humilde têm acesso à qualificação técnica de ponta. São programas internos de formação continuada, parcerias com institutos de ensino e mecanismos de ascensão funcional que transformam o chão de fábrica em ambiente de aprendizagem profissional.
Para além da formação técnica, a convivência em ambientes produtivos organizados, com respeito à diversidade, segurança e bem-estar, cria um ecossistema de trabalho que favorece o amadurecimento humano e a inserção social plena.
Em um cenário nacional marcado por disparidades salariais e desvalorização do trabalho, o Polo Industrial de Manaus apresenta um desempenho surpreendente — e frequentemente ignorado. De acordo com os dados mais recentes do CAGED, Manaus figura entre as capitais com os maiores salários médios do Brasil, ocupando o 4º lugar no ranking nacional. Esse dado, por si só, já contraria o senso comum que reduz a Zona Franca a uma política assistencialista. Aqui, paga-se bem porque se exige muito e se investe melhor ainda.
As fábricas do PIM desenvolveram, ao longo das décadas, um robusto ecossistema de gestão de pessoas, que vai muito além do mero treinamento operacional. São cursos técnicos, ciclos de palestras, programas de formação continuada, incentivos educacionais, parcerias com instituições de ensino e programas internos de liderança que revelam talentos da base ao topo. Muitas indústrias mantêm convênios com o SENAI, o IFAM, a UEA, a UFAM e com universidades privadas, garantindo trilhas de crescimento e especialização.
Além da qualificação, há um forte empenho das empresas em reter talentos. Isso se reflete em benefícios como planos de saúde de excelência, transporte fretado, alimentação no local, políticas de bonificação por desempenho e programas de qualidade de vida. Em diversos segmentos — como o eletroeletrônico, o químico, o termoplástico e o de Duas Rodas — a retenção de mão de obra qualificada é tratada como fator estratégico de sustentabilidade do negócio.
Essa cultura organizacional, construída com esforço contínuo, faz do ambiente fabril em Manaus um espaço de estabilidade, reconhecimento e pertencimento. A fábrica não é apenas um lugar de produção. É, para milhares de trabalhadores, um espaço de dignidade e transformação de vida, onde o conhecimento é continuamente cultivado, e onde o esforço é recompensado com perspectivas reais de ascensão profissional.
A entrada em cena do Relatório Firmus representa uma guinada metodológica importante. Até então, o Banco Central do Brasil guiava-se predominantemente pelas percepções dos agentes do mercado financeiro, por meio do Relatório Focus. Agora, com o Firmus, a instituição decide ouvir diretamente os protagonistas da economia real — os que produzem, empregam, geram valor e enfrentam os desafios concretos do território nacional.
Essa mudança tem implicações profundas. Ao ampliar geograficamente suas fontes de informação, o Banco Central rompe a exclusividade de uma visão centrada na Faria Lima e passa a incorporar dados e percepções que refletem a diversidade produtiva do país. O Norte do Brasil, com sua matriz industrial peculiar, passa a ter voz — e conteúdo — na construção das análises macroeconômicas nacionais.
Nesse novo ambiente de escuta qualificada, as boas expectativas e os desempenhos positivos do Polo Industrial de Manaus emergem com nitidez. Empresas antes invisíveis aos modelos tradicionais de análise agora são reconhecidas como parte relevante da engrenagem econômica nacional.
O primeiro destaque dessa nova fase é que o Banco Central do Brasil, por meio do Relatório Firmus, resolveu ouvir diretamente quem produz, deixando de se orientar exclusivamente pelas percepções do mercado financeiro reunidas no Relatório Focus. Esse gesto tem peso simbólico e prático. Abre-se, enfim, uma escuta institucional a realidades produtivas antes invisíveis à macroeconomia oficial.
Assim, o BCB amplia suas fontes de pesquisa para todas as regiões do país, desconectando-se da exclusividade da visão rentista da Faria Lima — visão limitada à lógica dos ativos financeiros, muitas vezes alheia à complexidade do território produtivo brasileiro.
É nesse novo cenário que o Polo Industrial de Manaus ganha visibilidade. As boas expectativas e desempenhos das nossas indústrias — historicamente ignorados nas análises centrais — emergem com nitidez e solidez. Produzimos, geramos empregos, formamos técnicos, movimentamos a economia e preservamos a floresta. Agora, isso é quantificado, registrado e, sobretudo, respeitado.
Afinal, e não menos importante, a iniciativa do Firmus empodera institucionalmente o CIEAM. O Banco Central reconheceu nosso papel e nos adotou como canal estratégico para coleta de dados, articulação de discussões e disseminação de informações. Isso é um ganho diferenciado e altamente relevante — não apenas para a nossa instituição, mas para toda a economia do Amazonas.
A Zona Franca de Manaus não é um favor fiscal nem um enclave improdutivo. É um projeto de país, desenhado para proteger a Amazônia pelo trabalho formal, pela industrialização racional e pela formação de gerações inteiras de profissionais — que aprendem a produzir sem destruir.
Diferentemente do que se costuma sugerir nos centros financeiros do país, a indústria da Amazônia contribui de forma desproporcionalmente alta com a arrecadação nacional. Segundo estudo de Costa, Rocha e Machado (2024), o Amazonas é o estado brasileiro com maior participação de impostos sobre a produção em relação ao próprio PIB, superando a média nacional e a média da Região Norte (veja gráfico).
A Zona Franca é, sim, portanto, um polo de resistência à precarização, à ilegalidade e à indiferença. E é também uma trincheira de esperança: a de que o Brasil possa desenvolver-se com floresta em pé, indústria forte e gente qualificada.
*Luiz Augusto Barreto Rocha é presidente do Conselho Superior do CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas).
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