Os autores Guilherme Trindade e Rafael Albuquerque
Colunista Bússola
Publicado em 26 de junho de 2025 às 13h00.
Por Guilherme Trindade e Rafael Albuquerque*
Poucas carreiras exigem tanto preparo quanto a medicina. São anos de graduação, residência, especializações e investimentos contínuos em congressos, estrutura e equipe. Ainda assim, uma parcela expressiva dos médicos no Brasil enfrenta dificuldades para transformar sua trajetória em estabilidade financeira duradoura.
De acordo com dados da Afya Research Center, 72% da renda dos médicos brasileiros está comprometida com despesas fixas e dívidas. Além disso, 30% não conseguem poupar ao final do mês e 50% afirmam que não manteriam seu padrão de vida por mais de três meses caso precisassem interromper o trabalho.
Apesar da alta qualificação, o modelo de remuneração predominante ainda é baseado em plantões, convênios e atendimentos avulsos, com foco em volume. Essa lógica gera desgaste físico e emocional, sem necessariamente entregar retorno proporcional ao esforço. Segundo dados da Receita Federal (IRPF 2022), o rendimento médio mensal declarado é de R$ 36 mil, mas muitos relatam operar com margem apertada. Vale salientar que a renda declarada em 2022 é menor do que a de 2012, que tinha como média mensal cerca de R$ 39 mil.
A equação se desequilibra quando se somam os custos operacionais: impostos, manutenção de clínicas, equipe, equipamentos, congressos e educação dos filhos. Não obstante, na década avaliada, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou um crescimento de aproximadamente 80%. O resultado é uma pressão financeira constante, mesmo para quem tem renda acima da média nacional.
Além da instabilidade financeira, há um custo emocional silencioso. A Pesquisa Nacional de Saúde Mental do Médico (Afya, 2023) revela que:
Mesmo entre os mais de 600 mil médicos ativos no país, dos quais apenas 59% têm uma especialidade reconhecida (CFM, 2025), é comum encontrar profissionais esgotados, endividados e sem perspectiva de reorganização.
O problema não está na competência clínica, mas sim na ausência de uma estrutura de negócios e planejamento patrimonial consistente. A formação médica não inclui finanças, gestão ou visão empreendedora — áreas fundamentais para transformar renda em patrimônio.
É uma prática relativamente comum entre instituições financeiras o oferecimento de linhas de crédito mais robustas desde no início da carreira, incentivando o uso do endividamento como forma de suprir adequadamente as necessidades de curto prazo. Este impacto na psicologia financeira da classe traz danos que muitas vezes levam décadas para reparar.
É justamente nessa lacuna que se forma a vulnerabilidade patrimonial da classe.
Profissionais que misturam contas pessoais com despesas da clínica perdem clareza e controle. Ter CNPJ bem estruturado, conta separada e planejamento de fluxo de caixa é o primeiro passo da organização.
Ter liquidez para cobrir de 6 a 12 meses de despesas operacionais e familiares protege contra oscilações de receita e imprevistos como afastamentos, crises econômicas ou mudanças de demanda.
A agenda médica é escassa, mas o capital não pode ficar parado. Uma carteira com ativos conservadores, dolarizados e eventualmente renda variável permite proteção e crescimento patrimonial.
Criar uma holding familiar ou patrimonial ajuda a separar riscos da atividade profissional dos bens pessoais. Essa estrutura oferece proteção jurídica e sucessória, reduz exposição a processos e facilita o planejamento intergeracional.
Foco em valor percebido, não em quantidade de atendimentos. Consultas com tempo qualificado, diferenciação por especialidade, parcerias estratégicas e serviços complementares aumentam margem e reduzem dependência de convênios.
Médicos podem rentabilizar seu conhecimento com cursos, mentorias, publicações, participação societária ou investimentos em negócios de saúde, sem depender exclusivamente do atendimento presencial.
Contador é necessário, mas insuficiente. Ter um conselheiro patrimonial ou um plano estruturado com metas, cenários e protocolos de gestão de riscos (como seguros, testamentos e planos sucessórios) permite decisões mais estratégicas e seguras.
A crise financeira que afeta tantos médicos não decorre de falta de mérito ou preparo técnico, mas da ausência de estruturas que garantam continuidade, proteção e crescimento patrimonial. O ponto de virada não está em trabalhar mais, mas em assumir o controle da própria trajetória com inteligência estratégica.
Isso significa integrar governança familiar e corporativa, com decisões claras sobre proteção de bens, sucessão, alocação de recursos e metas de longo prazo. Significa também desenvolver uma inteligência financeira ativa — que permita transformar renda em capital, conhecimento em autoridade e esforço em patrimônio duradouro.
Profissionais que aplicam esses princípios não apenas preservam o que constroem, mas ganham liberdade para exercer a medicina com propósito, tempo e visão de legado.
*Guilherme Trindade é consultor de valores mobiliários, co-fundador e Head of Investments do multi-family office Catalysis Wealth.
*Rafael Gonçalves de Albuquerque é advogado, sócio do Marins Bertoldi Advogados, co-fundador do multi-family office Catalysis Wealth.
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