Nessa era, algo curioso aconteceu: profissionais relataram mais satisfação, fluidez e motivação ao trabalhar com IA (Freepik/Divulgação)
Pesquisador, consultor e palestrante sobre a vida organizacional
Publicado em 28 de julho de 2025 às 09h23.
Por muito tempo, pensamos na inteligência artificial como uma engrenagem para automatizar tarefas. Silenciosa, previsível, escondida nos bastidores. Mas isso está mudando — e rápido.
As últimas pesquisas de duas instituições centrais no debate sobre o futuro do trabalho — Harvard Business School e Microsoft — apontam para uma virada de chave: a IA deixou de ser apenas ferramenta para se tornar parte ativa das equipes. Agora, ela opina, propõe, compara, depura e até encoraja. Não é mais o que fazemos com ela que importa, mas como convivemos com ela.
Na Harvard Business School, o estudo The Cybernetic Teammate revelou que a IA pode atuar como parceira criativa — e com resultados surpreendentes. Em um experimento com mais de 700 profissionais da Procter & Gamble, equipes que integraram IA no processo criativo superaram tanto os times exclusivamente humanos quanto os indivíduos com IA isolada. A conclusão: a colaboração híbrida — humano + IA — multiplica o desempenho.
Mais do que performance, algo inesperado surgiu: os profissionais relataram mais satisfação, fluidez e motivação ao trabalhar com IA. A presença da máquina, em vez de gerar frieza, reduziu fricções humanas e ampliou a sensação de validação. Como se a IA, ao operar sem julgamentos, trouxesse leveza ao grupo.
Outro achado notável foi a quebra de fronteiras entre departamentos. A IA ajudou profissionais técnicos a pensarem de forma mais estratégica — e profissionais de marketing a incorporarem aspectos técnicos em suas ideias. Um efeito de “despolarização cognitiva”: a IA se torna ponte entre silos, suavizando a necessidade de reestruturações pesadas.
No relatório global Work Trend Index 2025 a Microsoft apresenta um conceito provocador: a Firma Fronteira. Um novo tipo de organização em que humanos e agentes de IA dividem tarefas, decisões e responsabilidades em tempo real.
Três estágios definem essa maturidade:
Hoje, 81% das empresas já projetam operar com agentes digitais nos próximos 18 meses. No Brasil, o entusiasmo é ainda maior — 94% dos líderes acreditam que 2025 será um ponto de virada. Mas há um desalinhamento: apenas 54% dos profissionais se sentem preparados para colaborar com a IA.
Esse descompasso cultural coloca os líderes em um novo território. A IA muda não só o que fazemos, mas como nos organizamos — e exige da liderança uma postura muito diferente daquela que aprendemos no século XX.
Se antes o líder era o centro de comando, hoje ele se torna orquestrador de inteligências múltiplas. Precisa coordenar não apenas times humanos, mas agentes digitais — que operam com lógicas próprias, aprendem com dados e desafiam o modelo tradicional de autoridade.
A liderança contemporânea exige:
Como lembra Edgar Morin, o líder em ambientes complexos precisa integrar saberes distintos e sustentar a incerteza sem cair no caos. Já Zygmunt Bauman nos mostra que, em tempos líquidos, as organizações precisam de “ilhas de estabilidade”: clareza de propósito, segurança psíquica e confiança emocional. E quem constrói essas ilhas é a liderança.
Nesse novo normal, o verdadeiro poder do líder está menos na sua capacidade de decidir sozinho — e mais na sua habilidade de sustentar o sentido coletivo, proteger o que é humano e guiar a travessia com consciência.
O que está em jogo vai além da capacitação técnica. Precisamos de uma transformação mental e simbólica. E, para isso, dois pensadores ajudam a iluminar o caminho.
Edgar Morin, com sua teoria da complexidade, nos lembra que sistemas híbridos geram propriedades emergentes: resultados que ninguém previu, justamente pela interação entre diferenças. Uma equipe humano-IA não é só mais rápida — ela é estruturalmente diferente. Mistura lógicas, linguagens e ritmos. Liderar isso exige pensar como um maestro, não como um engenheiro.
Já Zygmunt Bauman, com o conceito de modernidade líquida, nos alerta: em tempos de fluidez, as estruturas fixas desmancham. Equipes se reconfiguram conforme a demanda. Identidades profissionais se tornam múltiplas. Isso gera potência — mas também ansiedade. O líder, nesse cenário, deve criar ilhas de estabilidade em meio à mudança: espaços de confiança, clareza de propósito e segurança psíquica.
Diante desse novo normal, não basta implantar IA. É preciso reconstruir a cultura para recebê-la:
O futuro do trabalho não é só automatizado. É compartilhado. E nossos colegas mais produtivos talvez não sejam inteiramente humanos — mas isso não os torna menos relevantes.
A pergunta real não é se a IA funcionará — Harvard e Microsoft já mostraram que sim. A pergunta é: quem seremos nós quando ela estiver sentada ao nosso lado — propondo, decidindo, aprendendo? Porque, no fim das contas, o que vai diferenciar sua empresa não será a tecnologia, mas a humanidade que você conseguir preservar.