Leonardus Vergütz, diretor científico da OCP Group: “Pela proximidade, estabilidade e planos de longa duração, o Marrocos deve ser a porta de entrada para o Brasil na África, e o Brasil a porta de entrada do Marrocos na América do Sul” (OCP Group/Divulgação)
Repórter
Publicado em 6 de julho de 2025 às 08h07.
Há três anos o brasileiro Leonardus Vergütz viu sua carreira ser impulsionada com a guerra entre Ucrânia e Rússia, dois países que, por causa de sanções advindas do conflito, deixaram de exportar fertilizantes, um nutriente importante para o crescimento não só de plantas, mas de várias economias que tem o agronegócio como um motor de crescimento, como o Brasil.
Com formação em agronomia, e com diferentes especializações internacionais em agronegócio passando por universidades como Stanford, Columbia e Harvard, Vergütz agregou conhecimento internacional em nutrição e saúde do solo. Essa especialidade o levou até Marrocos, país que se tornou peça-chave para o agronegócio internacional por ter a maior reserva de fosfato do mundo, que é operada desde 1920 pela empresa pública OCP Group.
“Eu era professor da Universidade Federal de Viçosa e vim para o Marrocos lecionar a matéria ‘ciência do solo’ na Universidade Politécnica Mohammed VI (UM6P)”, afirma o brasileiro que depois de três anos como professor, foi promovido a diretor executivo do OCP Group, que é a fundadora da universidade UM6P.
Como cientista e filho de agricultores do Rio Grande do Sul (descentes de alemães), Vergütz conhecia bem a agricultura tropical e a importância de estudar o nutriente em diferentes partes do mundo.
“Minha família toda é de agricultores. Foram parte dos gaúchos que saíram do Sul para abrir as terras do Cerrado brasileiro”, diz o cientista, que conta que os pais hoje são produtores de café em Minas Gerais, sua terra natal. “O agro está no sangue”.
Em entrevista à EXAME, Leonardus Vergütz, diretor cientifício da OCP Group, fala sobre a origem da empresa centenária ‘OCP Group’, as oportunidades de uma carreira internacional que já está ‘dando frutos’ para o Brasil e as expectativas com o agronegócio global.
Durante o governo do monarca Sultão Moulay Youssef, em 1921, o governo de Marrocos investiu na criação do OCP (Office Chérifien des Phosphates), uma empresa pública focada em explorar as vastas reservas de fosfato do país, nutriente que ajuda a promover crescimento de plantas – e consequentemente da economia do país africano.
Após um século de história, a companhia se consolida como a maior produtora mundial de fertilizantes fosfatados e líder em nutrição de plantas.
“Hoje a OCP Group representa cerca de 70% das reservas globais de fosfato”, diz Vergütz.
O trabalho de mineração se estendeu em outras minas e unidades de processamento, que transformam o fosfato em fertilizantes e ingredientes para nutrição animal, produtos hoje exportados para mais de 160 países. O grupo também criou a Universidade Politécnica Mohammed VI, em 2013.
Com filiais no Brasil, América do Norte e Índia, além da sede em Marrocos, a companhia tem cerca de 30% do market share global de fosfato, que a ajudou a chegar em um faturamento de US$ 9,8 bilhões em 2024 globalmente, crescendo 9% em relação ao ano anterior.
É nessa empresa centenária de Marrocos que Vergütz trabalha desde 2023. Depois de trabalhar como professor, liderando uma equipe de doutorandos entre 2019 e 2022 sobre o estudo da saúde do solo, o brasileiro recebeu uma proposta para sair da faculdade e trabalhar na empresa, na divisão chamada OCP Nutricrops - que se tornou o braço da OCP dedicado a fornecer nutrientes e soluções de saúde do solo e planta para agricultores no mundo todo.
Lá entrou como diretor de inovação e ficava entre o laboratório e a mina estudando a estratégias científicas para a OCP gerar fertilizantes fosfatados focados na saúde do solo e na nutrição da planta. A ideia era desenvolver soluções cada vez mais ESG.
“A agricultura pode, e deve, ser protagonista no combate às mudanças climáticas, enquanto atende à crescente demanda mundial por alimentos”, diz o brasileiro.
Neste ano, o cientista brasileiro recebeu outra promoção como diretor técnico da OCP Group. Agora, como um dos profissionais C-Level, Vergütz saiu do laboratório e das minas para ajudar a implantar as soluções em parceria com outros países, como o Brasil, e instituições, como as Nações Unidas.
“Hoje estou no Brasil para conversar com a Embrapa sobre as relações que temos como os nossos pesquisadores. Na semana passada estava na França e na outra na Itália, mostrando a nossa estratégia para o mundo”, afirma.
O executivo afirma que o contrato com a Embrapa fortalece a cooperação entre Brasil e Marrocos e tem três objetivos principais:
Além da Embrapa, outra parceria que Vergütz ajudou a estreitar com o Brasil foi com a Esalq/USP e a universidade UM6P.
“É um intercâmbio de técnicos, estudantes e cientistas. Atualmente, três doutorandos da UM6P (dois do Marrocos e um da Nigéria) estão passando um ano no Brasil, no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP”, diz o cientista brasileiro.
Trabalhar em outro país exige se adaptar a cultura e as exigências locais. Antes da pandemia, Vergütz lembra de alguns costumes no ambiente de trabalho. "Os costumes são parecidos com os do Brasil, eles, por exemplo, usam a comida para estimular relacionamentos, era comum ver todos reunidos na hora do almoço".
Mas depois da pandemia, Vergütz conta que a cultura da empresa mudou um pouco. Hoje, o modelo de trabalho é híbrido, e mesmo tendo escritório dentro da universidade e na sede em Casablanca, não existe uma necessidade de estar presencial no escritório. "A flexibilidade nos ajuda a estar mais com a nossa família também, algo que a cultura árabe valoriza muito".
Junto com a esposa e dois filhos, Vergütz conta que foi muito bem recebido, mesmo tendo religião e idioma diferente.
“Aqui falo em inglês com todos os profissionais, mesmo entendendo bem o francês. Também vou à igreja católica com a minha família. Eles abraçam e respeitam a diferença aqui”, diz o brasileiro que se sente muito seguro no país e vê os filhos se tornando poliglotas ainda na infância. “Meus filhos já falam inglês e estão aprendendo o francês e o árabe aos poucos. Para aproveitar os benefícios de uma carreira internacional é preciso estar aberto ao novo”, afirma.
O PIB, tanto do Brasil quanto de Marrocos, depende de um bom resultado do agronegócio para avançar no mercado interno. No Brasil, o setor representa cerca de 25% do PIB. Já em Marrocos, a agricultura é responsável por 15% do PIB e emprega 40% da população.
"O Brasil é uma potência agrícola com grandes centros de pesquisa, como a Embrapa. Já o Marrocos, com sua posição geográfica estratégica e crescente investimento em novas universidades e centros de pesquisa, está se tornando um polo de inovação”, afirma Vergütz.
Mesmo com limitação hídrica em grande parte do país, além de ter as maiores reservas de fosfato do mundo, Marrocos se destaca no setor do agronegócio como o quarto maior produtor de tangerina e o terceiro maior produtor de azeitona do mundo.
“Por questões naturais, o fósforo é o nutriente mais limitante à produção vegetal em condições tropicais, como é o caso do Brasil”, afirma o cientista brasileiro que explica a dependência do Brasil com esse nutriente.
Enquanto o Brasil importa produtos como fertilizantes, tangerina e azeitona, Marrocos importa carne bovina de elevada qualidade, além de outros produtos e tecnologias agrícolas, ajudando o Brasil a crescer no setor.
“Pela proximidade, estabilidade e planos de longa duração, o Marrocos deve ser a porta de entrada para o Brasil na África, e o Brasil a porta de entrada do Marrocos na América do Sul. Existe muita sinergia a ser explorada entre Brasil e Marrocos”, diz Vergütz.
A situação do solo agrícola no Brasil já foi mais preocupante. No passado, Vergütz explica que a baixa fertilidade natural dos solos brasileiros, particularmente no que se refere ao fósforo, fez com que eles tenham sido declarados como tendo pouca ou nenhuma aptidão agrícola.
“Aprender a utilizar os nutrientes nesses solos tropicais mudou o destino do Brasil, permitindo que ele saísse de uma condição de importador de alimentos até os anos 1970 e 1980 e se tornasse a potência agrícola sustentável que é hoje”, afirma o cientista.
Com a recente escassez de fertilizantes, agravada pela guerra entre Ucrânia e Rússia, o crescimento do agronegócio do Brasil, segundo Vergütz, promete ser cada vez mais focado em parcerias internacionais, tecnologia e na proteção do meio ambiente.
“A aliança de longa data entre Brasil e Marrocos deve se fortalecer ainda mais, por meio da evolução tecnológica e da troca de conhecimento. O objetivo é que possamos aumentar a eficiência de uso de fertilizantes e fazer com que os solos brasileiros sejam cada vez mais saudáveis e produtivos”, afirma o cientista brasileiro. “Afinal, cuidar do solo é cuidar do nosso futuro”.