Por Rogério Chér, sócio-fundador da Winx e da Devello
Ao analisarmos o estilo brasileiro de liderança, é essencial lembrar que cada líder traz consigo sua própria história de vida, valores, personalidade, faixa geracional e contexto social, econômico e educacional. Cada liderança é única, mas, ao transcendermos essa individualidade, podemos identificar padrões culturais que caracterizam a forma brasileira de liderar.
Eu e você conhecemos pessoas em cargo de liderança muito distintas umas das outras. Mas procure pensar além de indivíduos e reflita sobre o que podemos descrever como “estilo brasileiro” de liderança, como fenômeno sociológico e cultural. É possível pensar assim? Certamente!
Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, introduz o conceito de “cordialidade”, ressaltando a importância das relações pessoais e da empatia na cultura brasileira. Essa abordagem cordial não é uma regra universal (sabemos quão escassa é a cordialidade em alguns chefes), mas oferece um ponto de partida para compreendermos como liderar no Brasil é, por vezes, sinônimo de relacionamento e proximidade.
Erin Meyer, autora e professora americana especializada em gestão intercultural e dinâmica de equipes globais, em seu livro “The Culture Map”, analisa como diferentes culturas influenciam os estilos de liderança. O Brasil, segundo Meyer, é uma cultura de alto contexto, onde a comunicação é sutil e baseada em nuances, menos direta e incisiva, mais subjetiva e nas entrelinhas. Vejamos os detalhes.
O Brasil no “Culture Map”
- Comunicação do tipo high-context: O Brasil é um país de alta contextualização. Isso significa que a comunicação tende a ser indireta, implícita e dependente do contexto. Brasileiros frequentemente usam gestos e expressões faciais subentendidos. O “não” raramente é dito de forma direta; é comum usarmos rodeios como “vamos ver” ou “precisamos pensar melhor”. Quantas vezes as pessoas saem de uma reunião e se perguntam: “aprovamos o projeto ou não?”. Exemplo: Uma liderança no Brasil pode não dizer que discorda de uma proposta, mas expressar isso com silêncio, evasivas ou falta de entusiasmo. Os demais terão que adivinhar...
- Confronto indireto: Brasileiros tendem a evitar confrontos diretos, mesmo durante avaliações e críticas. O feedback é dado de forma indireta, muitas vezes intercalado com elogios, com o risco de gerar ambiguidade nos ouvidos de quem os escuta. Exemplo: Dependendo do interlocutor desse líder, esse estilo pode parecer vago, evasivo ou até contraditório.
- Persuasão: No Brasil, há uma preferência pelo “quem está dizendo”, e não apenas “o que está sendo dito”. Dependendo de quem está por trás, as chances de êxito aumentam. Exemplo: Um projeto será mais bem aceito se for patrocinado por alguém com boa reputação na empresa, mesmo que tecnicamente existam melhores alternativas.
- Liderança hierárquica: A cultura brasileira é marcada por um alto respeito à hierarquia. Espera-se que líderes sejam protetores, presentes e até um pouco paternalistas. Decisões importantes costumam estar concentradas no topo, e os subordinados esperam orientações claras. Exemplo: Um gestor brasileiro pode ser visto como fraco se tenta ser apenas facilitador, sem dar direção clara.
- Tomada de decisão top-down: As decisões costumam ser centralizadas, com pouca consulta prévia à equipe, apesar do apreço pelo lado relacional. Para os processos decisórios, há peso razoável à hierarquia, o que pode gerar passividade e falta de responsabilização nos liderados. Exemplo: Equipes podem esperar que o chefe decida tudo, o que diminui a autonomia e a atitude voltada para criatividade, ousadia e inovação.
- Confiança relacional: No Brasil, a confiança é construída pela convivência, amizade e informalidade. Relações pessoais são fundamentais para que os negócios avancem. “Fazer um bom negócio” exige “ter uma boa relação”. Exemplo: Almoços, cafés e conversas informais são decisivos para os processos de trabalho em geral.
- Evita-se o confronto: Brasileiros tendem a evitar discussões abertas e confrontos em público. Desacordos são vistos como ameaça à harmonia do grupo. Por isso, muitas vezes, a discordância é expressa apenas nos bastidores ou em tom informal. Exemplo: Em reuniões com culturas confrontadoras, brasileiros podem se calar e depois desabafar nos corredores.
- Gestão flexível do tempo: O tempo no Brasil é visto de forma mais flexível. Prazos são importantes, mas o aspecto relacional e a improvisação pesam mais que os cronogramas. Mudanças de plano de última hora são mais toleradas do que em outras culturas. Exemplo: Um projeto pode ser adiado se houver um problema pessoal grave de alguém importante na equipe.
Somos também muito resilientes
Não nos esqueçamos: a resiliência é outra marca registrada da liderança brasileira.
Entre as décadas de 1980 e 1990, o Brasil enfrentou aproximadamente 6 planos e choques econômicos e diversas mudanças de moeda, culminando em uma inflação anual que ultrapassou 2.000% antes da implementação do Plano Real, em 1994.
Esse contexto moldou líderes mais adaptáveis e criativos, capazes de navegar em cenários de incerteza com inovação.
Pontos fortes e fracos
Há uma excelente pesquisa da FGV, liderada por Vítor Benevides, que traça um retrato qualificado do estilo brasileiro de liderar, com insights valiosos sobre seus pontos fortes e vulnerabilidades. Entre as conclusões positivas sobre o estilo brasileiro de liderar, destacam-se:
- Brasileiros são, em geral, líderes que inspiram, motivam com visão e buscam maior engajamento afetivo com os times;
- Líderes no Brasil buscam construir com seus liderados vínculo, envolvimento e adesão, o que indica uma cultura mais orientada ao diálogo e à conexão emocional do que ao controle ou comando puro;
- Brasileiros têm mais tolerância com ambiguidade e flexibilidade.
Entre as conclusões negativas, o estudo destaca:
- falta de consistência técnica no uso de práticas de liderança;
- alguns líderes ainda operam majoritariamente no modelo de “vigiar e punir”, gerando relações mais frágeis e orientadas apenas por resultados;
- o sucesso dos líderes brasileiros se deve mais à intuição e carisma do que à aplicação intencional de modelos teóricos robustos, o que indica baixa profissionalização da função de liderar, especialmente em níveis médios;
- Líderes brasileiros têm potencial, mas muitos ainda carecem de formação estruturada em liderança. Isso abre espaço para mais capacitação, coaching, mentoring e gestão intencional da cultura organizacional.
Conclusão: o que o estilo brasileiro de liderança traz de contribuição ao mundo?
Nunca poderemos ignorar a individualidade de cada ser humano e de como ela interfere no modo de pensar e agir, inclusive quando lideramos. Mas os melhores estudos aos quais tive acesso, somados à observação que faço das lideranças em inúmeras organizações, permitem uma radiografia da luz e da sombra do jeito brasileiro de liderar.
Longe de reforçar crenças sobre o tema ou de produzir rótulos inúteis, meu interesse é ampliar consciência para o que pode ser nossa melhor contribuição ao mundo, com o que podemos identificar de brasilidade na forma como lideramos organizações, pessoas e times.
Essa consciência depende da maneira como encaramos os aspectos positivos e negativos inerentes ao nosso estilo como lideranças. Os positivos, precisam ganhar potência, realce. Já os negativos, controle de danos. O resumo da luz e da sombra da liderança brasileira ficaria assim:
LUZ:
- Calor humano e empatia: Líderes brasileiros tendem a ser acessíveis, afetuosos e próximos. Essa humanidade gera vínculos fortes e senso de pertencimento.
- Flexibilidade e improviso: A capacidade de se adaptar rapidamente a imprevistos é uma força em ambientes incertos. Brasileiros são resilientes, criativos e resolutivos, mesmo sob pressão.
- Diplomacia e tato: Ao evitar confrontos diretos, líderes brasileiros buscam preservar a harmonia, especialmente em contextos sensíveis ou emocionais.
- Fortes habilidades relacionais: Construção de confiança é relacional. Líderes brasileiros sabem criar ambientes calorosos e colaborativos, facilitando o engajamento.
- Atenção à hierarquia sem autoritarismo: Há respeito pelos níveis hierárquicos, mas com margem para acolhimento e escuta, tornando o clima organizacional mais amigável.
SOMBRA:
- Excesso de informalidade: A busca por relações pessoais pode levar à confusão entre o público e o privado, com favoritismos e informalidade excessiva em decisões críticas.
- Evitar conflitos prejudica a transparência: O medo de desagradar ou confrontar sabota o feedback honesto, prejudicando o desenvolvimento individual e a performance do time.
- Centralização e dependência da chefia: A liderança ainda é muito “top-down”. Isso inibe a autonomia, a iniciativa e o crescimento dos liderados.
- Tomada de decisão pouco estruturada: A flexibilidade pode virar improvisação crônica, prejudicando planejamento, previsibilidade e execução com excelência.
- Comunicação ambígua e indireta: Falta de clareza nas mensagens gera ruídos, retrabalho e desalinhamentos, especialmente em times multiculturais ou remotos.
Em síntese: o estilo brasileiro de liderar é caloroso, adaptável e relacional, o que é ótimo para criar ambientes emocionalmente seguros, com ótimo clima. Mas é também “conflitofóbico”, centralizador, impreciso e ambíguo, o que pode limitar a performance, a inovação e a profissionalização das equipes.
A liderança brasileira brilha nas relações humanas, mas precisa evoluir em transparência, objetividade, descentralização e direcionamento técnico.