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Existe um estilo brasileiro de liderar. Conheça mais sobre ele

Diferentes culturas influenciam os estilos de liderança, veja qual é o seu

Gestão financeira: a separação entre CPF e CNPJ garante transparência e saúde empresarial. (oatawa/iStockphoto)

Gestão financeira: a separação entre CPF e CNPJ garante transparência e saúde empresarial. (oatawa/iStockphoto)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 7 de agosto de 2025 às 11h01.

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Por Rogério Chér, sócio-fundador da Winx e da Devello

Ao analisarmos o estilo brasileiro de liderança, é essencial lembrar que cada líder traz consigo sua própria história de vida, valores, personalidade, faixa geracional e contexto social, econômico e educacional. Cada liderança é única, mas, ao transcendermos essa individualidade, podemos identificar padrões culturais que caracterizam a forma brasileira de liderar.

Eu e você conhecemos pessoas em cargo de liderança muito distintas umas das outras. Mas procure pensar além de indivíduos e reflita sobre o que podemos descrever como “estilo brasileiro” de liderança, como fenômeno sociológico e cultural. É possível pensar assim? Certamente!

Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, introduz o conceito de “cordialidade”, ressaltando a importância das relações pessoais e da empatia na cultura brasileira. Essa abordagem cordial não é uma regra universal (sabemos quão escassa é a cordialidade em alguns chefes), mas oferece um ponto de partida para compreendermos como liderar no Brasil é, por vezes, sinônimo de relacionamento e proximidade.

Erin Meyer, autora e professora americana especializada em gestão intercultural e dinâmica de equipes globais, em seu livro “The Culture Map”, analisa como diferentes culturas influenciam os estilos de liderança. O Brasil, segundo Meyer, é uma cultura de alto contexto, onde a comunicação é sutil e baseada em nuances, menos direta e incisiva, mais subjetiva e nas entrelinhas. Vejamos os detalhes.

O Brasil no “Culture Map”

  • Comunicação do tipo high-context: O Brasil é um país de alta contextualização. Isso significa que a comunicação tende a ser indireta, implícita e dependente do contexto. Brasileiros frequentemente usam gestos e expressões faciais subentendidos. O “não” raramente é dito de forma direta; é comum usarmos rodeios como “vamos ver” ou “precisamos pensar melhor”. Quantas vezes as pessoas saem de uma reunião e se perguntam: “aprovamos o projeto ou não?”. Exemplo: Uma liderança no Brasil pode não dizer que discorda de uma proposta, mas expressar isso com silêncio, evasivas ou falta de entusiasmo. Os demais terão que adivinhar...
  • Confronto indireto: Brasileiros tendem a evitar confrontos diretos, mesmo durante avaliações e críticas. O feedback é dado de forma indireta, muitas vezes intercalado com elogios, com o risco de gerar ambiguidade nos ouvidos de quem os escuta. Exemplo: Dependendo do interlocutor desse líder, esse estilo pode parecer vago, evasivo ou até contraditório.
  • Persuasão: No Brasil, há uma preferência pelo “quem está dizendo”, e não apenas “o que está sendo dito”. Dependendo de quem está por trás, as chances de êxito aumentam. Exemplo: Um projeto será mais bem aceito se for patrocinado por alguém com boa reputação na empresa, mesmo que tecnicamente existam melhores alternativas.
  • Liderança hierárquica: A cultura brasileira é marcada por um alto respeito à hierarquia. Espera-se que líderes sejam protetores, presentes e até um pouco paternalistas. Decisões importantes costumam estar concentradas no topo, e os subordinados esperam orientações claras. Exemplo: Um gestor brasileiro pode ser visto como fraco se tenta ser apenas facilitador, sem dar direção clara.
  • Tomada de decisão top-down: As decisões costumam ser centralizadas, com pouca consulta prévia à equipe, apesar do apreço pelo lado relacional. Para os processos decisórios, há peso razoável à hierarquia, o que pode gerar passividade e falta de responsabilização nos liderados. Exemplo: Equipes podem esperar que o chefe decida tudo, o que diminui a autonomia e a atitude voltada para criatividade, ousadia e inovação.
  • Confiança relacional: No Brasil, a confiança é construída pela convivência, amizade e informalidade. Relações pessoais são fundamentais para que os negócios avancem. “Fazer um bom negócio” exige “ter uma boa relação”. Exemplo: Almoços, cafés e conversas informais são decisivos para os processos de trabalho em geral.
  • Evita-se o confronto: Brasileiros tendem a evitar discussões abertas e confrontos em público. Desacordos são vistos como ameaça à harmonia do grupo. Por isso, muitas vezes, a discordância é expressa apenas nos bastidores ou em tom informal. Exemplo: Em reuniões com culturas confrontadoras, brasileiros podem se calar e depois desabafar nos corredores.
  • Gestão flexível do tempo: O tempo no Brasil é visto de forma mais flexível. Prazos são importantes, mas o aspecto relacional e a improvisação pesam mais que os cronogramas. Mudanças de plano de última hora são mais toleradas do que em outras culturas. Exemplo: Um projeto pode ser adiado se houver um problema pessoal grave de alguém importante na equipe.

Somos também muito resilientes

Não nos esqueçamos: a resiliência é outra marca registrada da liderança brasileira.

Entre as décadas de 1980 e 1990, o Brasil enfrentou aproximadamente 6 planos e choques econômicos e diversas mudanças de moeda, culminando em uma inflação anual que ultrapassou 2.000% antes da implementação do Plano Real, em 1994.

Esse contexto moldou líderes mais adaptáveis e criativos, capazes de navegar em cenários de incerteza com inovação.

Pontos fortes e fracos

Há uma excelente pesquisa da FGV, liderada por Vítor Benevides, que traça um retrato qualificado do estilo brasileiro de liderar, com insights valiosos sobre seus pontos fortes e vulnerabilidades. Entre as conclusões positivas sobre o estilo brasileiro de liderar, destacam-se:

  1. Brasileiros são, em geral, líderes que inspiram, motivam com visão e buscam maior engajamento afetivo com os times;
  2. Líderes no Brasil buscam construir com seus liderados vínculo, envolvimento e adesão, o que indica uma cultura mais orientada ao diálogo e à conexão emocional do que ao controle ou comando puro;
  3. Brasileiros têm mais tolerância com ambiguidade e flexibilidade.

Entre as conclusões negativas, o estudo destaca:

  1. falta de consistência técnica no uso de práticas de liderança;
  2. alguns líderes ainda operam majoritariamente no modelo de “vigiar e punir”, gerando relações mais frágeis e orientadas apenas por resultados;
  3. o sucesso dos líderes brasileiros se deve mais à intuição e carisma do que à aplicação intencional de modelos teóricos robustos, o que indica baixa profissionalização da função de liderar, especialmente em níveis médios;
  4. Líderes brasileiros têm potencial, mas muitos ainda carecem de formação estruturada em liderança. Isso abre espaço para mais capacitação, coaching, mentoring e gestão intencional da cultura organizacional.

Conclusão: o que o estilo brasileiro de liderança traz de contribuição ao mundo?

Nunca poderemos ignorar a individualidade de cada ser humano e de como ela interfere no modo de pensar e agir, inclusive quando lideramos. Mas os melhores estudos aos quais tive acesso, somados à observação que faço das lideranças em inúmeras organizações, permitem uma radiografia da luz e da sombra do jeito brasileiro de liderar.

Longe de reforçar crenças sobre o tema ou de produzir rótulos inúteis, meu interesse é ampliar consciência para o que pode ser nossa melhor contribuição ao mundo, com o que podemos identificar de brasilidade na forma como lideramos organizações, pessoas e times.

Essa consciência depende da maneira como encaramos os aspectos positivos e negativos inerentes ao nosso estilo como lideranças. Os positivos, precisam ganhar potência, realce. Já os negativos, controle de danos. O resumo da luz e da sombra da liderança brasileira ficaria assim:

LUZ:

  • Calor humano e empatia: Líderes brasileiros tendem a ser acessíveis, afetuosos e próximos. Essa humanidade gera vínculos fortes e senso de pertencimento.
  • Flexibilidade e improviso: A capacidade de se adaptar rapidamente a imprevistos é uma força em ambientes incertos. Brasileiros são resilientes, criativos e resolutivos, mesmo sob pressão.
  • Diplomacia e tato: Ao evitar confrontos diretos, líderes brasileiros buscam preservar a harmonia, especialmente em contextos sensíveis ou emocionais.
  • Fortes habilidades relacionais: Construção de confiança é relacional. Líderes brasileiros sabem criar ambientes calorosos e colaborativos, facilitando o engajamento.
  • Atenção à hierarquia sem autoritarismo: Há respeito pelos níveis hierárquicos, mas com margem para acolhimento e escuta, tornando o clima organizacional mais amigável.

SOMBRA:

  • Excesso de informalidade: A busca por relações pessoais pode levar à confusão entre o público e o privado, com favoritismos e informalidade excessiva em decisões críticas.
  • Evitar conflitos prejudica a transparência: O medo de desagradar ou confrontar sabota o feedback honesto, prejudicando o desenvolvimento individual e a performance do time.
  • Centralização e dependência da chefia: A liderança ainda é muito “top-down”. Isso inibe a autonomia, a iniciativa e o crescimento dos liderados.
  • Tomada de decisão pouco estruturada: A flexibilidade pode virar improvisação crônica, prejudicando planejamento, previsibilidade e execução com excelência.
  • Comunicação ambígua e indireta: Falta de clareza nas mensagens gera ruídos, retrabalho e desalinhamentos, especialmente em times multiculturais ou remotos.

Em síntese: o estilo brasileiro de liderar é caloroso, adaptável e relacional, o que é ótimo para criar ambientes emocionalmente seguros, com ótimo clima. Mas é também “conflitofóbico”, centralizador, impreciso e ambíguo, o que pode limitar a performance, a inovação e a profissionalização das equipes.

A liderança brasileira brilha nas relações humanas, mas precisa evoluir em transparência, objetividade, descentralização e direcionamento técnico.

 

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