Silvia Massruhá, presidente da Embrapa: "A parceria com a África é fundamental, e o novo escritório será um ponto chave para fortalecer essas relações" (Embrapa/Divulgação)
Repórter
Publicado em 17 de junho de 2025 às 10h00.
Última atualização em 17 de junho de 2025 às 15h54.
Arfoud - Marrocos* - Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá é a primeira mulher a liderar a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Antes de assumir o cargo em 2023, Massruhá, carrega um histórico com a instituição desde 1989. Com formação em Análise de Sistemas, mestrado na área de Automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, e Doutora em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2003) (Inpe), Massruhá esteve à frente de grandes projetos especialmente no campo da informática agropecuária.
A presidente agora direciona esforços para a ampliação da presença internacional da instituição, com ênfase na sustentabilidade, inovação tecnológica e parcerias globais.
Em entrevista exclusiva à EXAME, a presidente da Embrapa conta mais sobre a sua próxima missão que envolve relações bilaterais com países da África e da Ásia e uma agenda planejada especialmente para a COP30, que será relaizada no Brasil.
"O agronegócio representou 25% do PIB brasileiro no último ano e a expectativa é que esse número cresça 5 pontos percentuais no próximo período", afirma Massruhá. Para isso, a grande aposta deste ano da instituição está na parceria do Brasil com mercados globais, seja por meio da capacitação e intercâmbio de pesquisadores, dentro e fora do país, e na troca de avanços tecnológicos com a inteligência artificial no campo. “O nosso foco está na sustentabilidade, inovação e na colaboração internacional”, afirma.
Fatores externos, como a guerra da Ucrânia, têm o poder de abalar economias ao redor do mundo, e o Brasil não ficou imune aos impactos dessa crise. Com a interrupção das exportações de fertilizantes pela Rússia e Ucrânia, o Brasil enfrentou uma escassez de insumos essenciais para o agronegócio, afetando diretamente sua produção agrícola.
"Quando começou a guerra, uma preocupação que o Brasil teve foi a falta de fertilizantes, porque temos uma dependência de 85% de importação deste produto de vários países", afirma Massruhá.
A crise de abastecimento gerada pela guerra provocou um replanejamento do setor, levando o Brasil a buscar alternativas para reduzir sua dependência de fertilizantes sintéticos. Em resposta, a Embrapa criou iniciativas como a "Caravana FertBrasil", com o objetivo de treinar produtores rurais e agrônomos, oferecendo soluções sustentáveis, como os bioinsumos.
Esse contexto estimulou o Brasil a olhar ainda mais para fora e a identificar novas oportunidades de colaboração com outros países. Parcerias internacionais com nações produtoras de fertilizantes se tornaram essenciais para garantir a sustentabilidade do agronegócio brasileiro. Essa estratégia levou Massruhá até Marrocos no último mês, junto com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para estreitar as relações bilaterais com o país africano.
"A nossa visita no Marrocos foi no sentido de aproximação por dois motivos principais", diz Massruhá. Ela destacou que, enquanto o Brasil é referência em tecnologias para a agricultura tropical e práticas sustentáveis, Marrocos é um grande produtor de fertilizantes fosfatados, o que representa uma importante área de cooperação.
"O Brasil importa 70% do fosfato de Marrocos, e esse é um ponto crucial para a parceria. Por isso vamos apostar em um intercâmbio entre os pesquisadores dos dois países", afirma.
Para ajudar esse plano a ser colocado em prática, a Embrapa está trabalhando na criação de um novo centro de excelência em fertilizantes no Rio de Janeiro até o próximo ano, que será um hub de pesquisa e desenvolvimento, contribuindo para a inovação tanto no Brasil quanto no país africano. Esse centro funcionará como um polo de pesquisa conjunta entre a Embrapa, a OCP Fertilizantes (empresa marroquina especializada em nutrição de plantas) e a Universidade Politécnica Mohammed VI (UM6P), afirma a presidente.
“O objetivo é criar soluções inovadoras em parceria com diferentes países, como Marrocos, para enfrentar os desafios globais relacionados à segurança alimentar e à sustentabilidade do agro no Brasil”, afirma.
Enquanto Marrocos pode contribuir sobre o cultivo de fertilizantes, o Brasil, por sua vez, tem uma grande oportunidade de colaborar com outras áreas. "Estamos avançado muito no uso de bioinsumos, e essa é uma área de grande interesse para Marrocos", afirma a presidente da Embrapa, que ressaltou a crescente importância de tecnologias adaptativas para mitigar os impactos das mudanças climáticas. "Também somos líder na adaptação da agricultura tropical, desenvolvendo cultivares mais resistentes ao estresse hídrico e a doenças", diz.
Outra expertise do agronegócio brasileiro está nas políticas públicas que incentivam práticas agrícolas sustentáveis, afirma a presidente, que destaca como exemplo o Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC+), que já demonstrou resultados positivos ao recuperar áreas degradadas.
O Brasil importa de Marrocos, além de fertilizantes, peixes e frutos do mar e produtos têxteis, embora em volumes menores. Em 2024, Marrocos importou US$ 1,36 bilhão em produtos agrícolas do Brasil, com destaque para café, setor sucrocoleiro, cereais e farinhas. A carne bovina, especialmente em cortes e miúdos, também se tornou um item importante nesse comércio, com a autorização para importar animais vivos e miúdos bovinos.
"Agora, Marrocos está abrindo mais o mercado para carnes e outros produtos, com a entrada do Brasil no mercado marroquino após a autorização sanitária", afirma Massruhá.
Neste mês, a Embrapa tomou um novo passo frente às alianças internacionais. Além do intercâmbio entre pesquisadores do Brasil e Marrocos, agora a instituição brasileira terá um novo escritório na África, localizado em Adis Abeba, Etiópia, como parte de uma estratégia para fortalecer a presença da empresa no continente e expandir as parcerias com os países africanos.
A nova unidade será responsável por facilitar o intercâmbio científico e técnico entre o Brasil e a África, com foco na agricultura e nas questões de segurança alimentar. No segundo semestre de 2025, a Embrapa receberá 30 pesquisadores africanos no Brasil para aprofundar a colaboração em diversas áreas do setor agropecuário.
"A ideia é que o escritório ajude na troca de conhecimentos e no fortalecimento das relações entre o Brasil e os países africanos, especialmente na área agrícola”, afirma Massruhá, que reforça que a Embrapa tem também escritório nos Estados Unidos e na França.
Além de promover o intercâmbio de tecnologias e práticas agrícolas sustentáveis, o escritório será um ponto de articulação para o desenvolvimento de políticas públicas e a implementação de soluções para os desafios enfrentados pela África, como as mudanças climáticas e a segurança alimentar.
Massruhá acredita que a experiência do Brasil em práticas sustentáveis e inovação no agronegócio será um modelo valioso para os países africanos. "A parceria com a África é fundamental, e o escritório será um ponto chave para fortalecer essas relações", afirma.
Além de países da África, a Embrapa mantém uma rede de parcerias com mais de 40 países, incluindo China, Japão e Arábia Saudita, países que a instituição está cada vez mais focada em promover a troca de tecnologias que fortaleçam a agricultura sustentável.
"Temos uma relação técnica com a China, que é nosso maior parceiro comercial, principalmente na área de biotecnologia e inteligência artificial aplicada ao campo", conta Massruhá.
Massruhá também menciona o apoio do Japão, que tem sido fundamental na expansão da agricultura no Cerrado brasileiro e agora deseja colaborar na transição para uma agricultura mais sustentável e resiliente. Para isso, um dos projetos em andamento da Embrapa com o Japão envolve um investimento de US$ 5 milhões e está centrado no desenvolvimento de tecnologias para agricultura digital e de precisão. “Essa iniciativa visa aprimorar a eficiência da produção agrícola por meio da integração de ferramentas digitais avançadas, promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis e adaptadas às mudanças climáticas”, diz.
Outro projeto da Embrapa com os japoneses tem previsão de 10 anos e foca na pecuária sustentável e no desenvolvimento de sistemas agroflorestais no Brasil. “A colaboração com o Japão busca integrar práticas agrícolas que conciliem a produção com a preservação ambiental, utilizando tecnologias inovadoras para otimizar o uso dos recursos naturais e reduzir os impactos ambientais da atividade agropecuária”, afirma a presidente.
Outro país que está estreitando laços com o agronegócio brasileiro é a Arábia Saudita que tem interesse em conhecer mais sobre as práticas de adaptação para o semiárido brasileiro, especialmente na agricultura irrigada e fruticultura irrigada.
"Eles têm muito interesse no trabalho que o Brasil fez na adaptação para o semiárido, especialmente no uso inteligente da água", afirma a presidente."Eles também estão interessados em ver como a produção de tâmaras, que é o forte deles no Oriente Médio, poderiam se desenvolver no Brasil", diz a presidente que afirma que está discutindo uma parceria com esse país também.
O maior desafio da Embrapa, segundo a presidente, está na transição para uma agricultura cada vez mais sustentável, sem comprometer a produtividade. "A sustentabilidade precisa ser integrada à produção de alimentos, fibras e energia, sem a expansão de áreas agrícolas", diz.
Com o agronegócio representando 25% do PIB brasileiro no último ano, as expectativas para 2025 continuam promissoras, segundo a presidente. Com a maior produção de soja este ano, a expectativa é de um aumento projetado de 5 a 5,5 pontos percentuais no PIB. "A expectativa é de uma maior produção de soja neste ano, com a previsão de ultrapassar os 300 milhões de toneladas", afirma.
A COP30, que ocorrerá no Brasil este ano, será uma vitrine para a Embrapa mostrar como é possível conciliar a produção agrícola com a preservação ambiental, afirma Massruhá. "Nós estamos trabalhando para mostrar que o Brasil pode produzir e preservar ao mesmo tempo".
Para essa agenda, a Embrapa está organizando uma jornada pelo clima, com sete eventos em diferentes biomas brasileiros, para discutir tecnologias de adaptação às mudanças climáticas.
"A COP30 será um marco para a agricultura do futuro, com foco na sustentabilidade econômica, ambiental e social", afirma Massruhá, enfatizando que as tecnologias agrícolas desenvolvidas pela Embrapa têm o potencial de contribuir para o equilíbrio entre produção e preservação.
Para Massruhá, o Brasil tem um papel chave na segurança alimentar global, especialmente à medida que o país se adapta a novas demandas e desafios climáticos por meio da tecnologia e de parcerias globais.
"O Brasil, com sua diversidade de biomas, tipos de clima e novas tecnologias, se tornou referência em produção agrícola", diz Massruhá. "Com isso estamos nos posicionado como peça-chave na segurança alimentar global. Produzir de maneira mais eficiente e sustentável é o nosso maior diferencial, mas continua sendo o nosso maior desafio no palco global do agronegócio".