Ana Paula Franzotti, empresária e especialista em RH: “A transição não é apenas sobre mudar de empresa, é sobre mudar a forma de viver o trabalho” (Ana Paula Franzotti/Divulgação)
Repórter
Publicado em 29 de junho de 2025 às 13h13.
Última atualização em 29 de junho de 2025 às 13h18.
Qual é o momento certo de dar uma pausa na carreira? Para muitos é quando tem condições de parar para estudar ou viver em outros país, mas para Ana Paula Franzotti, que somou décadas como executiva de RH de grandes empresas como Coca-Cola e Unilever, o momento de parar aconteceu após 35 anos de carreira. E o motivo? Foi administrar o seu tempo como queria.
“Hoje eu quero ser a CEO da minha própria vida”, afirma a executiva. “Descobri depois de uma mentoria que não me enquadrava mais no modelo atual de trabalho, queria, sobretudo liberdade para viver”.
Franzotti decidiu pausar a carreira em 2024 em um momento em que estava no auge da carreira. “Eu amava o meu trabalho, a empresa me dava muitas oportunidades, mas sentia que precisava viver um tempo novo”.
O estranho foi ouvir de todas as pessoas o que ela faria neste momento. "Ouvi muitas perguntas como: 'Você está indo para qual empresa?', 'É um sabático? De quanto tempo?', 'Vai estudar?', 'Vai viajar?', 'Pensa em voltar para o mundo corporativo?'. Entre tantas outras perguntas e curiosidades”, afirma Frazotti. “É interessante como sentimos a necessidade de precisarmos estar fazendo algo."
Natural do ABC Paulista, em São Paulo, Franzotti cresceu e logo entrou no mercado aquecido das fábricas que sustentam até hoje a região. Era 1 de fevereiro de 1989, quando ela começou a trabalhar aos 15 anos na Ford como estagiária de nível técnico. “Naquela época, os estagiários de nível técnico eram muito requisitados, e esse foi o meu primeiro passo em Recursos Humanos", afirma a executiva.
Durante os anos seguintes, ela se formou em Psicologia e foi crescendo no setor. Chegou a sair da empresa para trabalhar como autônoma, mas depois voltou para a Ford, onde teve a oportunidade de se mudar para a Bahia e trabalhar por sete anos na implantação de uma nova fábrica, liderando processos de recrutamento e seleção em uma planta de grande porte.
Depois disso, teve a oportunidade de trabalhar na Coca-Cola e na Unilever, nesta última se dedicou por 13 anos, até que decidiu parar em 1 de fevereiro de 2024.
Esgotamento e autoconhecimento. Duas frentes que se contradizem no sentido de uma ser negativa e a outra positiva, mas juntas podem ser poderosas para alavancar a vida profissional e pessoal. Foi com esse conhecimento que Franzotti decidiu mudar.
Apesar do sucesso na carreira, Frazotti também foi marcada por desafios intensos. Ela passou por dois episódios de burnout, o primeiro aos 23 anos e o segundo em 2007.
"Eu comecei a perceber que estava esgotada. Tinha ganhado peso, estava cansada e irritada. Meu primeiro burnout foi jovem, e a sensação de não saber onde estava ao acordar em um hotel, durante uma viagem de trabalho, foi uma das coisas mais marcantes", conta Franzotti que também passou pela perda da mãe em 2006. Essas situações a fez repensar a relação entre trabalho e saúde mental – e as prioridades da vida.
A virada de chave, no entanto, aconteceu apenas em 2020, quando após uma mentoria com a velejadora Sandra Chemin, fundadora do FutureYou, Franzotti começou a traçar planos para um futuro que ficou mais incerto do que nunca com a pandemia.
Na mentoria, ela aprendeu a fazer o plano A, B e C, sem repetir os sonhos e planos entre eles.
"Acho que é muito importante ter planos B e C, mas sem esquecer do plano A. O plano A é o que você realmente quer, o que você já começou a construir. O B e o C servem para abrir outras possibilidades, caso o A não aconteça como o esperado", diz Franzotti.
Ela explica que, muitas vezes, os profissionais acabam se distraindo com novas oportunidades ou com pressões externas, se desviando do plano principal.
"Somos muito influenciados pelo barulho, pelas distrações, mas o importante é saber o que realmente queremos e manter o foco nisso, mesmo que o caminho precise de ajustes", diz. "Quando você começa a pensar em alternativas, vai acessando desejos e sonhos que talvez não estivessem tão claros antes. O mais importante é não deixar de lado o plano A”.
Foi neste trabalho de 5 anos de autoconhecimento, que Franzotti decidiu tirar férias sem data para voltar ao mercado corporativo. O momento, no entanto, ela não chama de sabático.
“A pausa na carreira exige muito planejamento financeiro e muito autoconhecimento. Me preparei por cinco anos para viver esse momento, que eu não chamo de sabático, mas de ‘entre tempos’”.
O conceito “entre tempos” foi criado pela jornalista americana Maggie Jackson, que faz análises sobre tendências sociais, especialmente o impacto da tecnologia na humanidade, explorando como ela pode moldar nossos pensamentos, comportamentos e interações sociais, afirma Franzotti.
“O conceito ‘entre tempos’, explorado por Jackson, se refere aos espaços e momentos de transição, às lacunas e pausas que ocorrem em nossas vidas diárias. Ela argumenta que esses momentos intermediários, muitas vezes negligenciados, são cruciais para a criatividade, a reflexão e o bem-estar”, afirma a executiva. “É isso que estou vivendo o meu ‘entre tempos’”.
Frazotti sabe que esse momento é privilegiado na sociedade, entre um tempo de 35 anos de trabalho em grandes empresas, ter a oportunidade de viver um novo tempo que ainda está sendo imaginado e criado é algo que exige, coragem, autoconhecimento e investimento em algo que não conhece.
"É como uma mulher grávida, que não volta mais a ser quem era, mas ainda não sabe exatamente o que se tornará. Esse ‘entretempo’ é um momento de aprendizado, de preparar o terreno para um novo começo."
Durante esses cinco meses, Franzotti tem conversado com pessoas queridas, voltou a praticar atividades físicas e está se experimentando em um novo lugar: o lugar de aprendiz de ser a minha própria porta-voz. “Por muitos anos foi a voz de uma empresa, hoje sou eu que falo por mim”, afirma.
Franzotti também já foi convidada para palestras e mentorias, mas no momento, está apostando sua energia em empreender em uma consultoria, com apoio de outras consultorias de RH, terminar o livro “Não se distraia”, que falará sobre a importância de manter o foco em seus planos e que deve ser lançado ainda este ano – e um dos planos de longo prazo está em conhecer mais sobre a cultura italiana, viver por lá, aprender o idioma e tentar a cidadania.
"Durante muito tempo, vivi esses 'mini entretempos' apenas tentando fazer o tempo passar devagar, para que a segunda-feira demorasse a chegar. Mas é mais do que sabido que estamos exaustos, mesmo com toda a tecnologia que existe para facilitar nossas vidas. Não aprendemos coisas novas, principalmente coisas que não tenham a ver com o trabalho, e isso nos impede de experimentar o que realmente importa e queremos," afirma.
No final, o que a executiva de RH mais busca é a liberdade de viver onde quer, sem deixar de trabalhar com o que ama e acredita.
“Eu entendi naquela mentoria em 2020 que eu não queria mais o modelo de trabalho que vivi em 35 anos. Eu queria mais liberdade, sem deixar de lado minha conexão com grupos especializados de RH”, afirma a executiva que é um dos membros do Clube CHRO de SP, evento realizado pela EXAME, e faz parte da comunidade de desenvolvimento humano da Fundação Dom Cabral.
“A transição não é apenas sobre mudar de empresa, é sobre mudar a forma de viver o trabalho”, afirma. “Às vezes o que você precisa não é mudar de empresa, mas de área, cidade ou até de país. O novo aparece em diferentes formas”, diz. “O mais importante é se preparar financeiramente e até emocionalmente para viver o novo, que pode assustar, mas é libertador”.