Marina Willer é sócia do prestigiado escritório de design Pentagram e cineasta (Divulgação/Divulgação)
Head of Design
Publicado em 7 de setembro de 2025 às 09h27.
Última atualização em 8 de setembro de 2025 às 09h57.
“Marina Willer é uma pessoa colorida!” É assim que Kiko Farkas, um dos grandes nomes do design gráfico brasileiro, descreve a também designer brasileira. “Suas roupas são coloridas, seus cabelos e seus óculos são coloridos. Sua risada é larga e frequente! E ela também é colorida por dentro: sua personalidade é agregadora e calorosa”, completa Farkas, designer e ilustrador que dirige a Máquina Estúdio, e também é sócio-fundador da Associação Brasileira de Design (ADG), e membro da Alliance Graphique Internationale (AGI).
“Durante a pandemia ela descobriu os tapes e as etiquetas coloridas (sorte dela morar em Londres...) e passou a brincar com essas cores de que tanto gosta, fazendo desse passatempo em família uma maneira de burlar o tédio. Como designer criativa que é, logo percebeu as possibilidades que essa linguagem oferecia e mergulhou nela. O resultado são esses deliciosos notebooks” — que agora são tema de uma exposição em Londres.
Marina Willer é sócia do prestigiado escritório de design Pentagram e cineasta — seu primeiro longa-metragem, Red Trees, estreou no Festival de Cannes e foi lançado globalmente pela Netflix em 2017. Nascida em Curitiba, filha de um arquiteto e de uma ceramista, cresceu cercada por arte e criação. “Tenho muito de Brasil em mim — sou muito colorida, e meu trabalho é sempre reconhecido pelo uso intenso das cores”, afirma.
Sketchbooks de Marina Willer com stickers coloridos, parte da exposição no Design Museum durante o London Design Festival (Divulgação/Divulgação)
Reconhecida pela indústria, Marina recebeu o título de Royal Designer for Industry, foi eleita uma das Creative Leaders pela Creative Review, e incluída no Design Week Hall of Fame. Depois de mais de duas décadas vivendo em Londres, ela se tornou uma ponte entre sua brasilidade pulsante e a cena criativa britânica, inspirando uma nova geração de mulheres e criativos a romperem barreiras com coragem, arte e propósito.
Neste ano, ela se une à Pith, marca britânica de sketchbooks artesanais e sustentáveis, para apresentar a exposição Sketching with Stickers no London Design Festival. Cada um dos 100 cadernos exibidos traz uma obra original, criada com adesivos coloridos que formam composições detalhadas.
Expressivos, lúdicos e táteis, os trabalhos revelam um lado mais íntimo de Marina, celebrando cor, diversidade e o contato direto com os materiais — em contraste com o ritmo acelerado do mundo digital.
A mostra gratuita acontece entre 13 e 21 de setembro de 2025, no Design Museum, durante a 23ª edição do festival. Após o encerramento, os sketchbooks e algumas obras maiores da artista estarão à venda, com toda a renda revertida para a instituição Choose Love.
Marina Willer falou com a EXAME sobre criatividade, design e stickers coloridos. Confira a seguir.
Como surgiu a ideia de trabalhar com stickers?
A pandemia foi marcante para eu começar a voltar a trabalhar com outros métodos de criatividade e dedicar mais tempo para eles. Eu fazia doodles, sketches e mapeava coisas sem nenhuma função prática, era só uma forma de relaxar. Sempre tive enxaqueca, então é uma coisa que eu gosto de fazer também para sair do mundo digital, a gente passa muito tempo aqui no computador, então é um pouco uma fuga dessas coisas.
E esse trabalho foi crescendo? Como você enxerga ele?
Eu cheguei a fazer uma masterclass na Domestika explicando esses métodos diferentes. Várias dessas práticas eu gosto de usar no design — métodos menos convencionais, porque acredito que ajudam a encontrar soluções também menos convencionais. É importante trazer algo um pouco mais inesperado.
Se não tomarmos cuidado, o trabalho dos designers tende a ficar muito parecido entre si. Hoje, com a inteligência artificial, por exemplo, muita gente acaba ficando totalmente viciada nesse mundo.
Eu também utilizo essas ferramentas, não sou de forma nenhuma contra. Só acho fundamental buscar mais diversidade de métodos. Assim como falamos de diversidade de pessoas, identidades e formas de ser, acredito que o design também precisa de diversidades culturais.
Eles são muito coloridos, têm uma forma bem específica.
Eu tenho muita paixão por cor e por forma, e os stickers surgiram um pouco dessa combinação. Gosto de usar métodos muito banais. Acho interessante quando utilizamos coisas do dia a dia, sem frescura, que não têm a pretensão de ser “alta arte”. São recursos simples, cotidianos e acessíveis para qualquer pessoa. Fazer com crianças é uma delícia, e funciona em qualquer contexto. Já conduzi vários workshops com designers, mas o projeto acabou se tornando mais elaborado nos últimos meses. É um trabalho prazeroso porque posso desenvolver sozinha, em casa, sem logística ou complexidade.
E como foi o desdobramento desse trabalho para chegar na exposição?
Tem esses sketchbooks chamados Pith, que são os melhores que existem aqui e totalmente sustentáveis. Além disso, são muito bonitos. Os designers gostam bastante, e a marca é uma startup fundada por dois caras, um deles designer. Eu já acompanhava o trabalho deles, até que começaram a entrar em contato comigo, sugerindo que fizéssemos algo juntos. Então pensei: quem sabe esse seja o momento. Logo em seguida, o Design Museum ficou sabendo da iniciativa e o projeto cresceu. Foram eles que propuseram a exposição.
Sketchbooks de Marina Willer com stickers coloridos, parte da exposição no Design Museum durante o London Design Festival. (Divulgação/Divulgação)
E como vai ser a exposição?
Ela ficará bem na parte central do museu, com grande presença visual. Ao chegar, você vê o átrio do museu e uma arquibancada; a exposição vai atravessar o centro do espaço. Depois, faremos um leilão com tudo que estiver na mostra. O valor arrecadado será destinado à caridade. Escolhemos a Choose Love, que oferece muito apoio a crianças em situações de guerra, tanto em Gaza quanto na Ucrânia.
Nesse projeto você atuou como designer ou foi cliente?
Eu dei uma ajudinha no desenho e na montagem da exposição, então acabei sendo as duas coisas. A gente costuma cuidar muito do design e de exposições, já fizemos vários projetos para o Design Museum. No momento, estamos trabalhando também no design da exposição do Wes Anderson, que vai estar no programa.
Esse trabalho vai ter uma continuidade?
Eu não me preocupo em transformar isso em algo mais artístico ou de maior valor. O projeto vai estar no programa do Design Museum e do London Design Festival, e também terá um site, lançado junto com a Pith. Então, de alguma forma, ele ficará registrado.
É fácil achar esse tipo de material?
Sim, aqui eu compro em qualquer papelaria. É uma atividade tão simples e acessível, não tem nenhum mistério: basta usar a criatividade, não importa em que lugar do mundo você esteja. Em todas as viagens, eu trago stickers. Gosto especialmente das cores fluorescentes. Acho que, quando a gente sai do Brasil, acaba ficando ainda mais brasileiro, de certa forma. Isso reforça a nossa identidade — vai acontecendo naturalmente, e a gente se torna ainda mais quem realmente é.
Como você vê esse trabalho refletindo no seu processo como designer?
Esse é um projeto muito pessoal, e sinto que estou cada vez mais explorando técnicas também pessoais. Tenho dado muitas palestras sobre esse tema — sobre como podemos atravessar essa fase da inteligência artificial sem nos tornarmos escravos do mundo digital, imaginando novas possibilidades e usando essas ferramentas de forma mais criativa. A prática de exercícios criativos faz muito bem para mim e para o meu processo como designer.
Como você enxerga a criatividade nos projetos?
Eu acredito que todo mundo é criativo, mas muitas pessoas acabam perdendo essa oportunidade ou esse espaço ao longo da educação e da carreira. Muitas vezes, isso vai ficando de lado. Acho que todas as pessoas têm talento e curiosidade. Quando converso com estudantes e jovens designers, desmistificar a criatividade é uma das coisas mais importantes — além de alimentar essa curiosidade. Só recentemente percebi quanto é essencial, para mim, buscar métodos diversos.
E a questão social?
Ter vindo do Brasil me marcou muito. Assisti Ainda Estou Aqui e, na época da ditadura, tinha a mesma idade das crianças retratadas. Fiquei profundamente tocada. Isso me fez lembrar de como é crescer em um país sob ditadura, com problemas que continuaram e ainda hoje ameaçam o Brasil. Sabemos das dificuldades e das ameaças que permanecem. Crescer em um lugar com essas experiências nos ensina a olhar para a injustiça de outra forma e a nos preocupar mais. Muitas vezes, quem não viveu ou não esteve exposto a esse tipo de situação não se sensibiliza tanto. Acho que isso também faz parte da minha identidade. Estamos em uma fase em que é difícil fazer a diferença no mundo.
Sketchbooks de Marina Willer com stickers coloridos, parte da exposição no Design Museum durante o London Design Festival. (Divulgação/Divulgação)
Como fica o balanço do seu tempo nas suas práticas?
Acho que sempre existe um certo nível de caos — a mente quer fazer muito mais do que a gente consegue. Na vida profissional, na Pentagram, que está em um nível tão sofisticado, tenho uma equipe maravilhosa e tudo está sob controle. Mas, na vida doméstica, quero fazer muitas coisas. Não vou dizer que seja totalmente harmônico. Essas práticas eu faço no meu tempo livre, nas férias, quando viajamos para lugares que amamos, quando tenho tempo para ler ou simplesmente para não fazer nada. É nesses momentos que esse tipo de trabalho se torna superimportante. É quase um vício — você acaba apaixonada pela prática. Meu marido até brinca: “lá vai ela, catar galho para pintar”.
Isso refletiu na sua rotina?
Antes da pandemia, onde ficava o televisor, colocamos uma mesa enorme de artes, que virou o espaço onde eu crio. Meus gêmeos também faziam comigo, e isso acabou se tornando uma prática da casa.
Meu marido começou a cozinhar e todos ficamos no mesmo andar, transformando o espaço em um lugar da família. Acho que fazer coisas é uma espécie de meditação — me faz muito bem. É nessas práticas que encontro tranquilidade.
Na sua palestra que aconteceu aqui em São Paulo, no AGI Open, em 2014, você apresentou um slide Vieram os gêmeos e tudo mudou. Como a maternidade refletiu no trabalho?
Foi a melhor coisa que me aconteceu — e eu nem imaginava essa possibilidade. No começo foi assustador: tive depressão pós-parto, os gêmeos nasceram muito prematuros. Mas nós quatro sempre demos muito valor à importância de estar juntos, de cultivar esse espaço em família. E, para mim, isso também se tornou um espaço criativo.
Acredito que a criatividade é uma forma de conexão, um jeito de inspirar e ser inspirada. Eu me tornei uma designer muito melhor depois de ser mãe. É tão radical que você aprende a fazer as coisas com mais objetividade, mas sem perder a intuição. A parte prática fica mais prática, as decisões mais rápidas, o olhar mais afiado para editar e escolher.
Com o tempo e a experiência, tudo vai ficando mais fácil. O design, a curadoria, a forma de articular estratégia e a solução. Ser mãe, e mãe de gêmeos, é uma boa escola.
E como você se vê na Pentagram?
O que torna a Pentagram tão especial é o modelo único que ela criou. Existe uma independência real dentro de uma estrutura coletiva: cada sócio é responsável por sua equipe, seus projetos e seu negócio, mas ao mesmo tempo contamos com o apoio uns dos outros.
Quando me tornei sócia, foi como virar uma página. Eu vinha de um ambiente mais corporativo, que já me parecia menos ousado e com pouca liberdade criativa. Na Pentagram, encontrei justamente o oposto: uma valorização imensa do fazer, do detalhe, do craft, da atenção criativa em níveis que nunca tinha visto antes.
Entrar nesse espaço me colocou em outro patamar. Passei a lidar com novas expectativas, aprendi a cuidar do meu próprio negócio, a encontrar minha voz e meu caminho. Hoje sinto que muito trabalho chega até nós de forma natural, e que podemos escolher com quem queremos colaborar — clientes com os quais temos afinidade ética e criativa. Isso nos permite manter o foco no que realmente importa: fazer o melhor trabalho possível e responder da forma mais honesta e criativa a cada projeto.
Como manter a qualidade?
Tem bastante a ver com o nosso modelo de negócios. Os sócios são os donos e também designers ou criativos, então não existe conflito entre o negócio e a criação. A gente faz tudo o que pode pelos projetos, quer que tudo seja o melhor que pode ser.
Tem uma competição positiva entre os sócios, sempre querendo mostrar trabalhos de alto nível. Eu busco sempre usar métodos mais inusitados, não seguir tantas tendências, ter uma voz mais única — essa é a minha preocupação. É importante conhecer o que a tecnologia permite, quais são as ferramentas e como usá-las. Mas cada vez mais adicionar instrumentos menos tradicionais. Existe uma ilusão de que tecnologia significa sempre inovação, e não é assim. Às vezes é exatamente ao contrário, tudo fica parecido.
Marina Willer usa stickers coloridos para explorar forma, cor e criatividade, levando seu design pessoal do Brasil para Londres. (Divulgação/Divulgação)
Como funciona a relação entre os times quando os projetos estão acontecendo?
A gente conversa. Eu imaginaria que existisse mais um momento assim, mas todo mundo já está numa fase em que tem os seus métodos, e a ideia vai acontecendo, se desenrolando. Não é um momento eureca; você vai experimentando novos caminhos a partir de uma fase mais estratégica.
Às vezes, o método já define a solução, porque ele é criativo e já tem relação com o briefing e com o que você está tentando atingir. Outras vezes, a gente consulta colegas de áreas específicas, como tecnologia, por exemplo — um dos sócios tem esse conhecimento e a gente se apoia muito para decidir qual é o método mais justo para programar um projeto. A gente compartilha experiências. A parte comum da Pentagram é justamente isso: tudo que a gente compartilha, compartilha com muita intensidade.
Olhando para a frente, o desafio está nas pessoas ou nas ferramentas?
O desafio é cada vez maior de que a gente precisa estar criativo, ter insights, ser aventureiro, estar aberto a novas formas. A inteligência artificial vai fazer muitas coisas banais, mas o que ela não faz é ter a visão que a gente traz para os projetos. É uma combinação tão intrínseca, de tantos elementos. Eu acho que quanto mais criativo você for, mais se diferencia. Com certeza, alguns empregos na nossa área vão diminuir, porque há uma camada mais previsível que a IA consegue fazer. Mas a imaginação continua sendo a nossa diferença. E se você juntar imaginação com inteligência artificial, usar como instrumento, coisas incríveis podem acontecer — e já estão acontecendo. Desde que seja ético, é claro. A gente tem muito cuidado com a forma de usar.
Como encontrar um bom profissional?
Eu busco especialmente pessoas que tenham imaginação, curiosidade, que estejam aprendendo coisas novas o tempo todo e que tenham a mente aberta. Com isso, geralmente vem a habilidade de aprender tecnologias. É muito bom quando encontro alguém que embarque, que tenha a mente disponível para explorar.
Muitos projetos que fizemos nos últimos anos foram feitos de jeitos bem inusitados: um processo químico com líquido e tinta, outro com luz e água. Para mim, isso é muito especial. Se contratamos alguém que é apenas ótimo em entregar no computador, falta esse elemento, e fica difícil. Especialmente agora, que não sabemos como será o futuro, é importante procurar pessoas que tragam novos ângulos.
Por exemplo, na exposição eu estava fazendo o website, meus designers estavam me ajudando, e um estagiário, superbom, especializado em códigos, trouxe a ideia de transformar o que eu tinha criado para a exposição em um instrumento generativo, onde as pessoas podem criar seus próprios patterns partindo do meu trabalho. Esse tipo de mentalidade é incrível, porque provoca. É o tipo de pessoa que está sempre aprendendo, disposta a propor novas perspectivas. Mas também precisa ser alguém bacana, que saiba colaborar e trabalhar junto.
Sempre há tempo para trabalhar com novos materiais?
Sim, a gente sempre conta com esse tempo. A fase inicial dos projetos de design são várias semanas em que aprendemos tudo que podemos sobre o assunto. Fazemos uma parte estratégica e vamos afinando o processo, criando uma visão que, aos poucos, se transforma de estratégica em criativa. É um desenvolvimento natural que vai acontecendo.
Você já se imaginou trabalhando fora da Pentagram?
Já, às vezes, eu imagino uma realidade paralela, em que eu teria um estúdio bem pequenininho. Nessa realidade, eu faria muito mais essas coisas, teria mais mulheres e ajudaria a apoiá-las a continuar se desenvolvendo. E poderia fazer trabalhos com menos peso da responsabilidade. Talvez, no futuro.
Mas hoje eu adoro estar na Pentagram, adoro minha equipe, adoro os clientes que tenho. Não estou com nenhuma ideia de mudar. Só que, quando imagino, penso em fazer coisas quase sem propósito, projetos mais artísticos, e ver no que dá.
Serviço
Exposição: Sketching with Stickers – Marina Willer
Local: Design Museum, Londres
Período: 13 a 21 de setembro de 2025
Entrada: gratuita
Site: https://designmuseum.org/exhibitions/marina-willer-x-pith-sketching-with-stickers