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Do K-pop ao skincare: como a Coreia do Sul criou produtos desejados globalmente

As lições de um país que apostou na educação, inovação e soft power para se tornar referência global em tecnologia, entretenimento e lifestyle

Banda k-pop BTS: fenômeno (Cindy Ord/Getty Images)

Banda k-pop BTS: fenômeno (Cindy Ord/Getty Images)

Taiza Krueder
Taiza Krueder

CEO do Grupo Clara Resorts

Publicado em 21 de outubro de 2025 às 09h45.

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Há 14 anos, quando visitei Seul pela primeira vez, já intuía que estava diante de uma nação e um povo singulares. Mas nada me preparou para o que encontrei em agosto de 2025: um país que não apenas se reconstruiu das cinzas da guerra, mas se reinventou como uma potência global em praticamente todos os setores que tocam nossa vida cotidiana.

A transformação sul-coreana é um dos fenômenos mais impressionantes da história moderna. Uma nação devastada por invasões estrangeiras, como a do Japão entre 1910 e 1945, e guerra civil entre comunistas do norte e capitalistas do sul no período 1950-1953, conseguiu, em poucas décadas, saltar de uma das economias mais pobres do mundo para a 13ª posição no ranking global. O segredo dessa metamorfose está numa combinação estratégica de educação, inovação tecnológica e um entendimento único sobre como conquistar corações e mentes mundo afora.

Durante minha recente visita aos estúdios da CJ ENM – o maior conglomerado de entretenimento da Coreia do Sul –, o CEO Yoon Sang-hyun revelou um dado que dimensiona essa transformação: os conteúdos audiovisuais sul-coreanos, como filmes, séries, novelas e videogames, perdem somente em audiência mundial para as produções dos EUA. Mais impressionante ainda: essa indústria vale hoje mais que os setores de eletrodomésticos e carros elétricos no país. Doramas como "Queen of Tears", o longa-metragem "Parasita" (Oscar de Melhor Filme em 2020) e a série fenômeno "Round 6" não são acidentes isolados, mas produtos de uma estratégia cultural sofisticada que encontrou um nicho abandonado pelos EUA: produções que trazem roteiros instigantes, recursos tecnológicos e pitadas de romantismo, ingenuidade e simplicidade.

Nos estúdios da CJ ENM, testemunhei uma tecnologia que parece saída de filmes de ficção científica: telas LED de altíssima definição cobrindo paredes, chão e teto, criando cenários ultrarrealísticos que economizam tempo e recursos. E o uso desse tipo de ferramenta é só o começo: atualmente, apenas 5% dos conteúdos audiovisuais produzidos pelo estúdio são gerados por inteligência artificial, mas esse percentual pode crescer exponencialmente nos próximos anos, mantendo porém a criatividade humana como elemento central.

A euforia do K-beauty

Essa revolução do entretenimento se conecta diretamente com outro fenômeno sul-coreano que conquistou o mundo: o K-pop. Grupos musicais como BTS, BLACKPINK e EXO não são apenas artistas, mas embaixadores de uma nação que entendeu o poder da cultura como ferramenta de influência global. Este gênero musical transcendeu o formato de meras canções populares para se tornar diplomacia cultural, levando felicidade e oferecendo escape dos problemas cotidianos por meio de músicas-chicletes – de tanto que grudam e não saem de nossas cabeças –, coreografias perfeitas, estética impecável e produção milimétrica.

Outra indústria que conquista cada vez mais espaço no mercado global é o K-beauty. A visita que fiz à Amorepacific, gigante por trás de marcas como Sulwhasoo, HERA e Laneige, revelou números impressionantes: o mercado sul-coreano de cosmetologia deve movimentar US$ 25 bilhões em 2025, com crescimento anual projetado de 5,22% até 2029. Considerada a "Sephora coreana", a Olive Young domina esse mercado com mais de 1.354 lojas e 90% de participação no segmento de varejo de beleza. Os sul-coreanos gastam, em média, US$ 493 por ano em produtos de beleza, demonstrando como o autocuidado se tornou parte integral da cultura nacional e, também, internacional: somente em 2024, as exportações do setor atingiram US$ 9,35 bilhões, tendo Japão e EUA como principais destinos.

Além dos números superlativos, muito me impressionou a filosofia holística por trás dos produtos de beleza. Durante o voo Zurich-Seul, percebi que as mulheres usavam máscaras faciais – e não eram máscaras de Covid, mas de skincare! Na viagem de volta, metade da aeronave, incluindo homens, fazia tratamentos de beleza, incluindo patches faciais. Essa naturalidade em cuidar da aparência reflete uma sociedade que entende beleza como bem-estar integral. Dados revelam que 54% da Geração Z usa produtos personalizados baseados em "cor pessoal" como ferramenta de autoexpressão, e este e outros públicos consumidores dão preferência aos cosméticos com rótulos limpos, cruelty-free e sustentáveis.

No mercado de moda, me supreendi ao passear por Seul. Num mundo globalizado em que as roupas parecem sempre iguais, a Coreia do Sul pode se orgulhar de ter uma moda autoral, descolada e, ao mesmo tempo, elegante, com alfaiataria impecável. Comprei loucamente tudo o que pude, pois as peças, além de singulares, são do meu tamanho, pois descobri que tenho o “mesmo corpo” das mulheres sul-coreanas.

Arte, tecnologia e natureza integradas

Já a experiência que tive no Museum SAN, localizado em Wonju e projetado pelo renomado arquiteto japonês Tadao Ando, exemplifica como os coreanos integram arte, tecnologia e natureza. O museu, com obras permanentes de James Turrell e Antony Gormley, não é apenas um espaço expositivo, mas uma experiência sensorial completa que dialoga com a paisagem montanhosa.

Essa mesma filosofia se estende ao varejo coreano, em que lojas como a Tamburins transformam o ato de comprar em atos performáticos, criando verdadeiros templos sensoriais com estímulos visuais, sons e aromas únicos. Não por acaso, os números do varejo sul-coreano impressionam: conforme o Statista, o setor de serviços e varejo contribui atualmente com 58,42% do PIB nacional e, segundo o Expert Market Research, ele pode movimentar US$ 738,32 bilhões até 2032.

O contraste com a Coreia do Norte ilustra dramaticamente o poder das escolhas políticas. Enquanto o sul construía sua democracia e investia em educação, o norte se fechava ao mundo: lá, ouvir K-pop ou assistir a um dorama sul-coreano pode custar a vida, e jovens arriscam execução apenas para acessar pen drives contrabandeados com conteúdo do “outro lado”, abaixo do paralelo 38N que divide ambas as nações. É chocante as disparidades: enquanto a parte meridional da península se desenvolvia para se tornar hoje a 13ª economia mundial, entre 1994 e 1998 estima-se que entre 600 mil e 3 milhões de norte-coreanos morreram de desnutrição e fome.

Por isso mesmo, a visita à fronteira, feita em companhia de um general sul-coreano, me fez refletir sobre como um país tecnicamente ainda em guerra com seu irmão do norte – o armistício de 1953 nunca se transformou em tratado de paz definitivo – conseguiu se projetar globalmente. Enquanto a ditadura comunista investe pesadamente em armas, a Coreia do Sul atesta que abertura ao mundo, desenvolvimento econômico e preservação da identidade nacional podem coexistir harmoniosamente.

Os sul-coreanos não apenas criaram produtos desejados globalmente; construíram um ecossistema cultural completo no qual cada setor se retroalimenta. O K-pop impulsiona o K-beauty, que fortalece o soft power, que gera interesse pelos filmes, séries e novelas, criando um ciclo virtuoso de influência cultural. Essa sinergia resulta em números impressionantes: suas exportações culturais crescem exponencialmente, enquanto a Coreia do Sul se posiciona como referência em inovação, desde cosméticos com ingredientes como ginseng e exosomas até tecnologias de produção audiovisual revolucionárias.

A Coreia do Sul se tornou um laboratório de como uma nação pode se reinventar completamente, transformando tragédias históricas em combustível para a inovação. É uma lição que ressoa especialmente forte para países como o Brasil, mostrando que investir em educação, criatividade e tecnologia pode gerar resultados que transcendem fronteiras e redefinem a posição de uma nação no cenário global.

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