Ciência

A corrida por trilhões na Lua: como mineração do satélite pode mudar a economia da Terra

Com potencial de gerar mais de US$ 30 trilhões, exploração lunar atrai empresas e governos em meio a desafios tecnológicos e legais

Exploração lunar: possibilidade trilionária de uma nova corrida espacial (3d_kot/Getty Images)

Exploração lunar: possibilidade trilionária de uma nova corrida espacial (3d_kot/Getty Images)

Publicado em 2 de junho de 2025 às 11h38.

Última atualização em 2 de junho de 2025 às 11h56.

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A próxima revolução industrial pode acontecer fora da Terra.

A Lua, satélite natural do planeta, guarda em seu solo trilhões de dólares em recursos minerais como platina, água congelada e o valioso hélio-3 — usado em pesquisas de fusão nuclear e tecnologias quânticas. A mineração, segundo estimativas do mercado, pode movimentar mais de US$ 30 trilhões.

Um estudo canadense estima que somente as crateras lunares concentram mais de US$ 1 trilhão em metais do grupo da platina, formados ao longo de bilhões de anos por impactos de asteroides.

O valor está fundamentado principalmente no potencial econômico do hélio-3, isótopo raro presente em grande quantidade no regolito lunar que pode revolucionar o mercado de energias limpas.

O trilionário hélio-3

Um dos maiores atrativos da exploração lunar é, sobretudo, a alta concentração do hélio-3, considerado um possível combustível para reatores de fusão nuclear limpa.

O isótopo pode atingir até US$ 20 milhões por quilo no mercado internacional, o que o torna o ativo mais valioso da economia lunar emergente. Projeções indicam que, apenas com uso como fonte de energia, o recurso poderia gerar cerca de US$ 4 trilhões nos próximos anos.

A Lua abriga ainda grandes depósitos de água congelada, metais industriais e elementos raros, essenciais para os setores como aeroespacial, eletrônicos e energias limpas. São recursos que não apenas sustentam a viabilidade econômica da exploração do satélite, como também impulsionam o desenvolvimento de tecnologias para operações autônomas fora da Terra.

Empresas e governos já traçam planos para transformar a mineração da Lua em realidade até o fim da década. A eficiência econômica do hélio-3, combinada aos demais recursos encontrados no satélite natural da Terra, têm potencial para fazer a exploração espacial ultrapassar € 140 bilhões (aproximadamente US$ 150 bilhões) até 2040, segundo a PwC.

Como funcionaria a mineração na Lua?

A extração de recursos lunares exige escavadores robóticos capazes de processar regolito — o solo lunar.

As tecnologias visam liberar água, separar oxigênio e capturar gases raros como o hélio-3. Parte da produção será usada diretamente no espaço, como combustível ou insumos para bases lunares. Outra parte poderá ser enviada à Terra por foguetes ou lançadores magnéticos.

Hoje, transportar material até a Lua custa até US$ 1,2 milhão por litro de carga. Empresas esperam reduzir esse valor para cerca de US$ 10 mil com novos foguetes e sistemas reutilizáveis.

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Jeff Bezos: bilionário defende mineração lunar (Matthew Staver/Bloomberg/Getty Images)

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Entre os nomes mais influentes na exploração espacial, dois bilionários se destacam com visões distintas.

Jeff Bezos, fundador da Amazon e da Blue Origin, defende abertamente a mineração lunar como chave para o futuro da civilização. Em apresentações desde 2019, o bilionário revelou o módulo Blue Moon, projetado para levar cargas e equipamentos de mineração à superfície da Lua.

Ele defende que a industrialização do satélite e o uso do hélio-3 e da água congelada são essenciais para sustentar bilhões de pessoas vivendo e trabalhando fora da Terra. Também propõe transferir a indústria pesada para o espaço como uma alternativa para proteger recursos terrestres, usando o regolito lunar para produzir combustível local — um passo essencial para bases autossuficientes.

O segundo jogador na corrida da exploração espacial é Elon Musk, da SpaceX, que mantém foco em colonizar Marte, embora reconheça a importância da Lua na construção da infraestrutura fora da Terra. O bilionário, hoje considerado o homem mais rico do mundo, apoia projetos de pouso lunar e envio de cargas, mas não prioriza a mineração do satélite como parte central de sua visão — ao contrário de Bezos.

Quem é quem na corrida espacial

Diversas empresas já investem em tecnologias de extração e missões lunares. As mais influentes nos últimos anos são:

🔹 Interlune (EUA): fundada em 2024 em Seattle, a startup desenvolveu um escavador robótico capaz de processar 100 toneladas de solo lunar por hora para extrair o valioso hélio-3, um combustível promissor para fusão nuclear limpa. A Interlune planeja três missões até 2029: Crescent Moon (com uma câmera hiperespectral para mapear depósitos de hélio-3 no polo sul lunar), Prospect Moon (para validar concentrações e testar tecnologias de extração) e Harvest Moon (missão demonstrativa que visa extrair e retornar o hélio-3 à Terra). A empresa conta com parcerias estratégicas, como o Departamento de Energia dos EUA e a Maybell Quantum Industries.

🔹 Terra Luna (Canadá): fundada em Toronto, a empresa foca no desenvolvimento de sistemas para purificação e extração de água a partir do regolito lunar. Sua tecnologia é essencial para sustentar futuras bases humanas na Lua, porque fornece água potável, oxigênio para respiração e combustível para foguetes, garantindo a autossuficiência das operações espaciais.

🔹 Ispace (Japão/EUA/Europa): com forte experiência em missões lunares, incluindo a tentativa de pouso da missão Hakuto-R em 2023, a empresa planeja novas operações em 2026. Ispace atua no transporte de cargas e equipamentos para apoiar a infraestrutura de mineração e estabelecer uma presença humana sustentável no satélite.

🔹 Astrobotic Technology e Lunar Outpost (EUA): ambas são parceiras da Nasa em contratos para realizar entregas de cargas e explorar recursos lunares, com missões que aconteceram no ano passado.

Além dessas, várias outras startups e empresas emergentes avançam em áreas cruciais para a mineração lunar:

  • Helios (Israel): desenvolve tecnologias para extração e processamento do regolito lunar, com foco em sistemas de energia e suporte a bases.

  • Origin.Space (China): atua em sondas e tecnologias para exploração espacial e mineração de recursos, com planos ambiciosos para o mercado lunar.

  • Ethos Space: especializada em equipamentos para extração e processamento de solo lunar, incluindo sistemas modulares de mineração.

  • IMENSUS: cria modelos geológicos tridimensionais para mapear depósitos minerais na Lua, facilitando operações precisas e eficientes.

  • ELO2: desenvolve rovers lunares avançados, equipados para escavação, análise e transporte de materiais no ambiente lunar.

China e EUA: uma guerra comercial além da Terra

A China está na liderança da infraestrutura lunar. Em parceria com a Rússia, o país conduz a construção da International Lunar Research Station (ILRS), uma base permanente planejada para o polo sul da Lua, e promete ser concluída até 2035. A instalação contará com uma usina nuclear própria, capaz de fornecer energia contínua — cerca de 100 kW — para suportar robôs mineradores, sistemas de suporte à vida e construção de infraestrutura, como impressoras 3D que utilizarão o regolito lunar como material de construção.

As missões chinesas da série Chang’e, como a Chang’e-6, que trouxe amostras da face oculta da Lua, e a Chang’e-8, prevista para 2028, têm como objetivo preparar o terreno para a ILRS. Essas missões incluem estudos para a seleção de locais, demonstração de tecnologias de mineração robótica e desenvolvimento de métodos para o lançamento eficiente de recursos extraídos para órbita lunar ou para a Terra.

A China também investiu em robótica avançada, como um robô de seis patas projetado para operações de mineração tanto em asteroides quanto na Lua, além de tecnologias inovadoras como lançadores magnéticos lunares para reduzir custos logísticos.

Os Estados Unidos, por sua vez, continuam apostando na cooperação internacional e em parcerias com empresas privadas para impulsionar a exploração lunar. O programa Artemis, liderado pela Nasa, prevê o retorno de astronautas à Lua mais de 53 anos depois da missão Apollo 11, e o uso de robôs mineradores para validar tecnologias de extração. Contudo, o programa enfrenta desafios, como cortes orçamentários recentes e a indefinição de uma base lunar permanente.

Atualmente, o foco dos EUA é criar um ecossistema robusto de exploração espacial, que inclui o desenvolvimento da estação orbital Lunar Gateway e o apoio a empresas como Astrobotic e Lunar Outpost, em trabalho para missões comerciais desde o ano passado. O país norte-americano ainda desenvolve pequenos reatores nucleares para energia lunar, embora esteja atrás da China nesse aspecto.

Distante do embate entre os gigantes comerciais está um competidor mais discreto, novo na corrida espacial. A Índia, embora ainda sem operações comerciais de mineração lunar em andamento, demonstrou interesse crescente na exploração do hélio-3 e no envio de sondas à Lua. O país mantém planos para futuras missões de reconhecimento e tem avançado no desenvolvimento de sondas para prospectar recursos, mas ainda está em estágio inicial em relação à infraestrutura e extração em larga escala.

Existem leis na Lua?

Ainda que seja um novo plano a ser explorado, disputado por várias nações, a Lua está longe de ser "terra de ninguém".

O Tratado do Espaço Exterior estabelece os princípios fundamentais que regem a exploração do espaço, incluindo a Lua, e tem impacto direto sobre as operações de mineração lunar, embora não aborde de forma detalhada a mineração comercial. Foi criado e assinado em 1967 pelos Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido.

Um dos pontos centrais do tratado é a proibição da apropriação nacional. Conforme o Artigo II, a Lua e demais corpos celestes não podem ser objeto de reivindicação de soberania ou controle por qualquer país — seja por uso, ocupação ou proclamação. Isso significa que nenhum Estado pode “tomar posse” exclusiva do satélite ou de suas regiões, o que cria um ambiente jurídico para que a exploração seja feita de forma aberta e compartilhada.

O documento garante a liberdade de exploração e uso do espaço para todos os países, desde que respeitem o direito internacional e promovam a cooperação global. A responsabilidade dos Estados pelas atividades espaciais realizadas por suas agências governamentais e entidades privadas sob sua jurisdição também foi contemplada no acordo está descrita no Artigo VI, que obriga os países a supervisionar, autorizar e responder por eventuais danos causados a terceiros durante as operações espaciais.

Entretanto, o tratado apresenta lacunas jurídicas significativas. Não prevê sanções claras, por exemplo, contra violações, como a apropriação ilegal de recursos. Essa ausência abriu espaço para legislações divergentes, como a Lei de Competitividade Comercial do Espaço dos Estados Unidos (2015) — que autoriza empresas e cidadãos americanos a possuir os recursos extraídos no espaço.

A regra americana interpreta que extrair e possuir recursos de fora da Terra não equivale a reivindicar soberania sobre territórios celestes, mas sim à propriedade privada dos materiais retirados.

Para tentar suprir essas lacunas, foi criado em 1979 o Acordo da Lua, que regula a exploração e uso dos recursos lunares, prevendo que as riquezas extraídas estejam disponíveis para toda a comunidade internacional. No entanto, o acordo foi ratificado por poucos países e não conta com a adesão das principais potências espaciais, como Estados Unidos, China e Rússia, o que limita sua eficácia prática.

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