Ciência

Enquanto todos miravam em Marte, por que Carl Sagan queria Vênus?

A verdade é que as descobertas planetárias seriam muito mais superficiais sem o trabalho de Sagan (sejam sobre Vênus ou não)

Carl Sagan: cientista queria Vênus — e não Marte (CBS Photo Archive / Colaborador/Getty Images)

Carl Sagan: cientista queria Vênus — e não Marte (CBS Photo Archive / Colaborador/Getty Images)

Publicado em 16 de julho de 2025 às 11h43.

O artigo, publicado em 1º de dezembro de 1967, fazia o seguinte questionamento: "vida na superfície de Vênus?". O autor não poderia ser outra pessoa além do cientista e divulgador científico renomado Carl Sagan, que fez história em sua área de atuação. Mal sabia ele que 53 anos depois daquele artigo, publicado na prestigiada revista científica Nature, cientistas descobriram indícios de possíveis micróbios vivendo no planeta, muitas vezes ignorado pela ciência quando o assunto é buscar novas formas de vida extraterrestres.

Sagan, em parceria com o biofísico molecular Harold Morowitz, investigou o planeta ao enviar diversas sondas para lá entre os anos de 1962 e 1978. Os resultados indicaram que a superfície de Vênus basicamente impedia qualquer forma de vida.

Ao mesmo tempo, Sagan e Morowitz imaginaram um ser venusiano semelhante a uma bola, capaz de flutuar nas nuvens do planeta extremamente quente — o que virou piada até mesmo para o cientista anos depois da afirmação.

"Mesmo se a superfície for quente, as regiões polares podem ser frias o suficiente para sustentar a vida, ou podem existir montanhas suficientemente altas, e assim por diante", afirmou Sagan no resumo de seu artigo. Anos depois, descobriu-se que a temperatura de Vênus tornava a vida no planeta praticamente impossível, uma vez que, tão quente, alcançava até os 462,2 graus Celsius. Para Sagan, na época, montanhas venusianas poderiam tornar o clima um pouco mais amigável para uma forma de vida existir.

"Parece apropriado relacionar algumas dessas especulações para continuar trabalhando no ambiente de Vênus", continuou ele no resumo do artigo. Foi Sagan, também, o primeiro a sugerir que a temperatura do planeta não era amena como os cientistas acreditavam na época, e sim extremamente quente.

Em 1961, Sagan escreveu outro artigo sobre Vênus. No resumo deste, o cientista afirmou que "descobertas recentes colocaram a superfície do planeta à luz, bem como a biologia do planeta mais próximo".

Existe vida em Vênus?

Apesar das altas temperaturas, a Nasa, agência espacial americana, indicou há quase uma década que Vênus pode ter tido um clima habitável e água líquida de 2 a 3 bilhões de anos no início de sua existência. O que aconteceu depois, segundo a agência, foi um processo que há 700 milhões de anos causou um efeito estufa no planeta forte o bastante para transformar a atmosfera de Vênus em algo extremamente denso e quente.

Em 2019, um estudo publicado no períodico Astrobiology quis entender se Vênus era mesmo o local ideal para buscar vida extraterrestre. O estudo buscava compreender se a existência de vida era possível nas nuvens do planeta, consideradas "um objetivo excepcional de exploração devido a condições favoráveis ​existentes ​à vida microbiana" pelos cientistas.

A fosfina, detectada em 2020 nas nuvens venusianas a cerca de 50 km de altitude, tem gerado especulações sobre a existência de vida microbiana em Vênus. Na Terra, a fosfina é associada a microrganismos que vivem em ambientes sem oxigênio, o que alimenta a ideia de que o planeta possa abrigar algum tipo de vida, embora os próprios pesquisadores envolvidos no estudo reconheçam que essa descoberta ainda está longe de ser uma prova definitiva.

Nos últimos meses, novos estudos confirmaram a presença de fosfina em Vênus, mas a questão continua sendo polêmica, pois algumas investigações não conseguiram replicar os dados ou sugeriram que a detecção do gás poderia ser explicada por fontes abióticas, como a confusão com dióxido de enxofre. Pesquisadores permanecem cautelosos e continuam analisando os dados para descartar essas alternativas não biológicas.

Além da fosfina, amônia também foi identificada nas nuvens venusianas, o que amplia a especulação sobre processos biológicos em potencial. A amônia, como a fosfina, é vista como um possível sinal de atividade biológica, mas, novamente, sem confirmação absoluta. O impacto dessa descoberta, no entanto, é balançado por outra linha de pesquisa que questiona a viabilidade de qualquer forma de vida em Vênus.

A principal contradição vem de estudos recentes que indicam que Vênus, devido à sua atmosfera densa e ao calor extremo, nunca teria sido capaz de sustentar água líquida em sua superfície. Análises baseadas no telescópio James Webb sugerem que a quantidade de água em Vênus, tanto na sua atmosfera quanto no interior do planeta, seria insuficiente para suportar qualquer forma de vida como conhecemos. Segundo esses estudos, Vênus sempre foi extremamente seco e hostil, o que tornaria improvável o desenvolvimento de vida, ao menos da forma como ela existe na Terra.

Apesar dessas descobertas que contrariam a ideia de um Vênus habitável, pesquisas como o desenvolvimento da "Equação da Vida em Vênus", criada pela Nasa, buscam avaliar a viabilidade de originação e continuidade de vida ao longo do tempo no planeta.

Similar à famosa Equação de Drake, que tenta estimar a probabilidade de vida inteligente no universo, essa nova equação visa orientar as investigações futuras. Os cientistas especulam que Vênus, há bilhões de anos, pode ter tido condições mais amenas, com oceanos e uma atmosfera que suportava vida, antes de sofrer as mudanças climáticas que o tornaram inóspito.

A verdade é que as descobertas planetárias seriam muito mais superficiais sem o trabalho de Sagan, sejam elas sobre Vênus, Marte ou a Lua. Foi de Sagan a ideia de capturar uma foto da Terra à distância, a fim de entender como o nosso planeta parecia quando visto do espaço.

Como dizia Sagan, por fim, "em algum lugar, algo incrível está esperando para ser descoberto".

Acompanhe tudo sobre:Pesquisas científicasEspaçoPlanetasVênus

Mais de Ciência

Por que Albert Einstein não usava meias, colecionava bitucas de cigarro e não tinha guarda-chuva?

O maior gênio da história fazia caminhadas, tirava sonecas diárias e não usava meias

Amazon de Bezos pega 'carona' com SpaceX de Musk em missão espacial

Maior meteorito de marte na Terra pode ser leiloado por até R$ 22 milhões