Com a colônia de Marte no horizonte e a Lua se tornando a próxima fronteira, quem sabe, no futuro, luzes poderão ser "acesas" por lá. Quem diria que, no final, o maior trunfo da corrida espacial seria a energia nuclear?
Lua: Nasa planeja instalar reator nuclear para garantir energia contínua em futuras missões espaciais (Dr K Kar/Getty Images)
Repórter
Publicado em 9 de agosto de 2025 às 06h01.
Ter apenas pisado na Lua não parece ser o suficiente para a Nasa: a agência espacial dos Estados Unidos agora quer construir um reator nuclear no satélite terrestre e entrar para um mercado que alcançar os US$ 63,7 bilhões nos próximos sete anos, segundo estimativa Dataintelo.
O objetivo da Nasa é garantir uma fonte contínua e confiável de energia para as futuras missões lunares e, eventualmente, para missões mais ambiciosas a Marte. O projeto, conhecido como Fission Surface Power (FSP), também deve posicionar a agência no centro de um mercado emergente e altamente estratégico para a exploração espacial: a energia nuclear em ambientes extraterrestres.
O mercado de reatores nucleares foi avaliado em US$ 45,2 bilhões em 2023 e tem uma taxa composta de crescimento anual (CAGR, na sigla em inglês) de cerca de 3,8%, de acordo com a Dataintelo. O crescimento do mercado, segundo a consultoria, é impulsionado pela crescente demanda por fontes de energia limpa e eficiente, avanços tecnológicos na indústria nuclear, e a transição global para a redução das emissões de carbono.
Já o desenvolvimento de reatores modulares pequenos (SMRs), que são compactos, seguros e flexíveis, abre novas oportunidades de geração descentralizada de energia, especialmente em regiões remotas e em locais de difícil acesso, como a Lua e Marte. Esses reatores estão se tornando a tecnologia favorita para missões espaciais de longo prazo, já que podem ser projetados para fornecer energia de forma confiável em ambientes extremos.
O setor, por sua vez, pode alcançar de US$ 7,14 bilhões a US$ 13,8 bilhões de valorização até meados da década de 2030, com CAGR entre 3,0% e 9,1%, segundo a Fortune Business Insights. A flexibilidade e os benefícios dos SMRs, como redução de custos e tempos de construção e a integração com fontes renováveis, os tornam ideais não só para missões espaciais, mas também para o fornecimento de energia em regiões isoladas e na transição para uma matriz energética mais sustentável.
Embora o projeto de um reator nuclear lunar seja um grande passo para a exploração espacial, ele ainda enfrenta desafios técnicos, logísticos e regulatórios. Cientistas e analistas concordam que, embora a tecnologia de reatores nucleares modulares esteja bem desenvolvida, garantir que esses sistemas funcionem em ambientes tão desafiadores quanto a Lua e Marte será um processo complexo e longo.
De acordo com Simon Middleburgh, professor da Universidade de Bangor, “quatro anos para colocar um reator nuclear em operação na Lua é uma linha do tempo ambiciosa, mas a tecnologia necessária já existe”. "A energia nuclear é a única forma que atualmente temos para fornecer energia para essa duração de viagem espacial. O combustível deve ser extremamente robusto, suportar as forças do lançamento e depois ser confiável por muitos anos", disse ele à BBC.
O sucesso do projeto FSP dependerá, em grande parte, da capacidade de adaptar os reatores existentes para as condições do espaço e do desenvolvimento de sistemas de segurança passivos, como aqueles projetados para prevenir falhas em ambientes de alta radiação e temperaturas extremas.
Bhavya Lal, ex-chefe de tecnologia da Nasa, ressaltou que a construção de um reator na Lua representará uma transição significativa para a exploração espacial. "Estabelecer um reator nuclear na Lua permitiria ao setor espacial começar a desenhar sistemas com base em nossos objetivos, em vez de ser limitado pela disponibilidade mínima de energia. Isso é semelhante à grande transição que as sociedades na Terra experimentaram ao passar da luz de velas para as redes elétricas", afirmou em artigo no site The Planetary Society.
A probabilidade de sucesso do FSP depende de uma série de fatores, incluindo o financiamento contínuo, a superação de obstáculos técnicos, como as condições extremas de radiação e temperatura lunar, e a coordenação internacional sobre as regulamentações de energia nuclear no espaço. A segurança no lançamento e na operação do reator será fundamental, e a Nasa precisará garantir que todos os sistemas de fissão e as infraestruturas de apoio possam operar autonomamente nas condições extremas da Lua e Marte.
A Nasa também pode esbarrar em barreiras regulatórias e questões políticas, especialmente relacionadas ao Tratado do Espaço Exterior, precisarão ser resolvidas antes que a construção de reatores nucleares na Lua seja oficialmente aprovada.
Se a Nasa conseguir garantir o financiamento necessário, resolver as questões regulatórias e manter o cronograma do projeto, a probabilidade de construção do reator lunar será alta. E analistas acreditam que o sucesso desse projeto pavimentará o caminho para missões espaciais mais ambiciosas, incluindo futuras colônias em Marte.
A Nasa não está sozinha nessa empreitada.
Para chegar à Lua, a agência está colaborando com várias empresas líderes no setor de energia nuclear e tecnologia espacial para o desenvolvimento do projeto.
Entre os principais parceiros estão a BWX Technologies, empresa especializada em tecnologias nucleares, especialmente no desenvolvimento de sistemas de fissão espacial. A BWX é conhecida por sua experiência em reatores de fissão compactos e modulares, com décadas de atuação no fornecimento de soluções nucleares para setores industriais e militares.
Outro grande parceiro da Nasa é a Lockheed Martin, gigante do setor aeroespacial, com um histórico de mais de 100 anos de inovação em defesa e tecnologia espacial. A empresa tem contribuído significativamente para a exploração lunar, com foco na integração de sistemas de reatores nucleares em plataformas espaciais. A Lockheed Martin, que possui um portfólio com mais de 60 mil funcionários ao redor do mundo e faturamento superior a US$ 67 bilhões em 2022, compartilha com a Nasa uma vasta experiência em desenvolvimento de tecnologias avançadas de propulsão e sistemas de suporte à vida no espaço.
Na seleta lista da Nasa entra também a Maxar Technologies, empresa especializada em tecnologia espacial e satélites, com mais de 20 anos de experiência e receita de US$ 281,6 milhões. A Maxar é responsável pela integração de componentes essenciais do sistema de energia nuclear, incluindo o gerenciamento térmico.
Além dessas gigantes, a Westinghouse, uma das líderes históricas no design de reatores de fissão, também está envolvida no projeto. A empresa, com mais de 100 anos de experiência no desenvolvimento de tecnologias nucleares e presença em mais de 15 países, é especializada em reatores nucleares de grande e pequeno porte. A Westinghouse, com receita entre US$ 3,3 a 4,4 bilhões (dados recentes indicam até cerca de US$ 3,7 bilhões para 2023), deve garantir a segurança e eficiência no design de reatores para garantir que as futuras missões espaciais sejam sustentáveis e seguras.
Já a NuScale Power, conhecida por ser uma das líderes em SMRs no mercado terrestre, também está explorando como suas tecnologias podem ser adaptadas para missões espaciais. Com valor de mercado estimado em US$ 13 bilhões (ou aproximadamente 4,42 bilhões de libras esterlinas) e projetos em andamento para oferecer soluções de energia nuclear modulares para comunidades e indústrias, a companhia está expandindo suas operações para o desenvolvimento de reatores modulares adaptáveis para ambientes espaciais.
A corrida pelo domínio da energia nuclear espacial não é limitada aos Estados Unidos. Outros países, como China e Rússia, investem significativamente em tecnologias de fissão nuclear para a exploração lunar e espacial, com planos ambiciosos para o uso de reatores nucleares em futuras bases na Lua e em Marte.
Essas nações estão criando uma competição acirrada para garantir a liderança na energia espacial e estabelecer uma infraestrutura energética autossustentável para missões interplanetárias.
A China tem desenvolvido um plano para lançar um reator nuclear modular que alimentará a sua Estação Internacional de Pesquisa Lunar (ILRS, na sigla em inglês), com o objetivo de fornecer energia de forma contínua para a operação de uma base lunar.
O país, que já é um líder global em energia nuclear terrestre, está expandindo seus horizontes para tecnologias espaciais, visando um projeto de reator nuclear lunar até 2035.
A Rússia, com a agência Roscosmos, também está investindo em sistemas de energia nuclear para futuras bases lunares e missões interplanetárias, reafirmando seu compromisso com a exploração do espaço profundo. Ambos os países estão colaborando ativamente para estabelecer uma infraestrutura energética de longo prazo, enquanto a União Europeia, com apoio de empresas como a Rolls-Royce, está desenvolvendo micro-reatores para missões espaciais, prevendo demonstradores até o final da década de 2020.