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Vacina experimental de mRNA contra câncer tem avanço promissor em fase de testes

Desenvolvido na Universidade da Flórida, imunizante ativa resposta imune ampla e teve eficácia total em animais

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 21 de julho de 2025 às 06h37.

Pesquisadores da Universidade da Flórida desenvolveram uma vacina experimental de mRNA com potencial para atuar contra diversos tipos de câncer, inclusive aqueles que não respondem a tratamentos tradicionais. Os resultados, publicados em 18 de julho na revista Nature Biomedical Engineering, apontam para uma abordagem inédita no combate a tumores: uma vacina genérica, capaz de ativar o sistema imune de forma ampla e inespecífica.

A pesquisa ainda está em fase de testes pré-clínicos, ou seja, os experimentos foram realizados apenas em modelos animais. Apesar disso, os resultados são considerados promissores: em camundongos, a vacina eliminou completamente tumores de melanoma, câncer cerebral e ósseo, em alguns casos sem necessidade de outros medicamentos. Ao contrário das vacinas personalizadas, essa tecnologia não mira mutações específicas, mas sim provoca uma resposta imune robusta como se o corpo estivesse enfrentando um vírus.

Como a vacina funciona

O imunizante utiliza RNA mensageiro (mRNA) encapsulado em nanopartículas lipídicas, a mesma base tecnológica usada nas vacinas contra a covid-19. Porém, há uma diferença central: em vez de codificar uma proteína viral ou um antígeno tumoral específico, essa vacina induz uma resposta imune forte e inespecífica.

A inovação do estudo está em estimular os tumores a expressarem a proteína PD-L1, tornando-os mais visíveis ao sistema imunológico. Essa alteração permite que o corpo reconheça e ataque as células cancerígenas com maior eficácia — especialmente quando combinada a terapias imunológicas já existentes, como inibidores de checkpoint anti-PD-1.

A resposta imune gerada pela vacina se assemelha àquela ativada por infecções virais, o que cria um estado de alerta generalizado no organismo contra células anormais.

Resultados em laboratório foram expressivos

Nos testes conduzidos no Preston A. Wells Jr. Center for Brain Tumor Therapy, a vacina foi aplicada sozinha ou em combinação com imunoterapias. Em ambas as situações, os pesquisadores observaram redução acentuada e, em alguns casos, eliminação total dos tumores. Os experimentos envolveram camundongos com melanoma resistente a tratamento, glioblastoma e câncer ósseo.

O estudo também identificou que a vacina promoveu o chamado epitope spreading — um fenômeno no qual o sistema imune passa a reconhecer múltiplos alvos tumorais, ampliando o efeito terapêutico. Esse processo foi facilitado pela ativação do interferon tipo I, uma substância produzida naturalmente em infecções virais e que reforça a sinalização imune.

Nova estratégia 'anticâncer'

O estudo liderado pelo Dr. Elias Sayour propõe o que os autores chamam de um “terceiro paradigma” em vacinas contra o câncer. Tradicionalmente, essas vacinas seguem dois caminhos: a busca por alvos comuns entre pacientes ou a personalização com base nas mutações de cada tumor.

A nova abordagem rompe com essas estratégias ao não depender de alvos específicos. A ideia é treinar o sistema imune para entrar em estado de vigilância ampla, forçando os tumores a se exporem e se tornarem suscetíveis aos mecanismos de defesa do organismo. Com isso, a vacina pode ser produzida em escala e aplicada em diferentes tipos de câncer, sem a necessidade de personalização.

A mesma equipe já havia desenvolvido, em 2024, uma vacina personalizada contra glioblastoma, testada em quatro pacientes humanos e em cães com tumores cerebrais. Publicado na revista Cell, esse estudo mostrou reprogramação do sistema imune em menos de 48 horas. No entanto, exigia a coleta e análise do tumor de cada paciente — processo mais complexo e caro.

Agora, com a vacina genérica, o objetivo é facilitar o acesso e reduzir o tempo e os custos de produção. A versão atual funciona como um imunizante “off-the-shelf” — pronto para uso imediato em diversos pacientes com diferentes diagnósticos oncológicos.

Ensaios clínicos com humanos ainda vão começar

Apesar dos avanços, a vacina ainda não foi testada em humanos. Os cientistas já preparam os primeiros ensaios clínicos para os próximos anos. Um estudo pediátrico está em andamento com uma tecnologia semelhante de RNA encapsulado em lipídios, testando segurança e eficácia em pacientes com glioma de alto grau e osteossarcoma.

O ensaio é liderado pelo Dr. John Ligon e envolve até 36 participantes, com idades entre 3 e 39 anos. O objetivo é avaliar se o mesmo mecanismo de ativação imunológica pode ser eficaz e seguro em casos clínicos.

Financiamento e impacto potencial

O projeto recebeu financiamento do National Institutes of Health (NIH) e de fundações dedicadas à pesquisa oncológica. Os cientistas acreditam que, se os resultados forem replicados em humanos, a vacina poderá se tornar uma ferramenta complementar ou alternativa à quimioterapia, radioterapia e cirurgia, especialmente em pacientes com tumores resistentes.

Segundo Sayour, a descoberta mais surpreendente foi observar que uma vacina não específica para câncer conseguiu gerar efeitos específicos contra tumores, ao ativar rotas imunes que os forçaram a se revelar ao organismo.

Tecnologia de mRNA ganha novo fôlego

A pesquisa reforça o potencial da tecnologia de mRNA para além das doenças infecciosas. Desde a pandemia de covid-19, essa plataforma vem sendo adaptada para vacinas contra gripes, HIV, zika, raiva e, agora, câncer.

A expectativa da equipe da Universidade da Flórida é que, nos próximos anos, essa abordagem possa ser integrada aos protocolos de tratamento oncológico, ampliando as opções para pacientes que não respondem às terapias tradicionais.

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