Colunistas

IA cria novas moléculas e abre caminho para terapias-alvo que podem mudar a medicina

No horizonte, vemos a possibilidade de réplicas digitais completas do corpo humano, atualizadas em tempo real e integradas a sistemas de IA

IA na medicina: estudo indica que uso frequente pode reduzir habilidades de médicos em diagnósticos (BSIP/Education Images/Universal Images Group/Getty Images)

IA na medicina: estudo indica que uso frequente pode reduzir habilidades de médicos em diagnósticos (BSIP/Education Images/Universal Images Group/Getty Images)

Publicado em 19 de agosto de 2025 às 20h25.

Por Dr. Marcon Censoni de Ávila e Lima*
A medicina vive um momento raro em sua história: avanços científicos e tecnológicos se cruzam para produzir resultados que, há poucos anos, pareceriam ficção científica. Nesta semana, anúncios internacionais chamaram atenção para dois movimentos que se complementam — a inteligência artificial criando novas moléculas para uso terapêutico e o avanço das terapias-alvo, capazes de atacar doenças com precisão cirúrgica.
Se antes a descoberta de um novo fármaco podia levar mais de uma década, agora modelos de IA conseguem gerar e testar, virtualmente, milhares de moléculas em questão de dias. Essa aceleração vem mudando a lógica da indústria farmacêutica e já se reflete em projetos de empresas como Insilico Medicine, DeepMind e Schrodinger, que usam algoritmos avançados para identificar compostos promissores contra cânceres, doenças raras e infecções resistentes.
Essas moléculas, quando combinadas a terapias-alvo — que focam especificamente em proteínas ou vias genéticas alteradas em determinados tipos de tumor ou doença — representam um salto estratégico: menos efeitos colaterais, mais eficácia e um potencial de personalização sem precedentes.
Mas a revolução não para aí.
O papel do Digital Twin nessa nova fase
Paralelamente, o digital twin (gêmeo digital) começa a se firmar como o elo que conecta a criação dessas moléculas ao paciente final. Ao replicar virtualmente órgãos, tecidos ou até mesmo o corpo inteiro, ele permite testar, simular e prever respostas antes mesmo de iniciar o tratamento real.
Hoje, já existem aplicações concretas:
• Simulações cirúrgicas de alta precisão
Modelos virtuais de coração, pulmão e fígado são usados por empresas como Siemens Healthineers, Dassault Systèmes e Philips para planejar procedimentos complexos, prever complicações e otimizar implantes.
• Medicina personalizada de ponta
Centros como o Mount Sinai, nos EUA, combinam dados de imagens, genômica e histórico clínico para criar gêmeos digitais de pacientes, antecipando a evolução de doenças cardiovasculares e oncológicas.
• Indústria farmacêutica em modo acelerado
Pfizer e GSK já testam fármacos em gêmeos digitais antes de iniciar ensaios clínicos, cortando custos e tempo de desenvolvimento.
• Ensaios clínicos híbridos
Startups como Unlearn.AI criam versões digitais dos voluntários para comparar, em tempo real, a resposta real e a resposta simulada.
O que ainda está por vir
No horizonte, vemos a possibilidade de réplicas digitais completas do corpo humano, atualizadas em tempo real e integradas a sistemas de IA e, futuramente, à computação quântica. Isso permitirá prever efeitos de novos medicamentos, ajustar terapias-alvo durante o tratamento e reduzir drasticamente riscos para o paciente.
Essa adoção em larga escala, no entanto, ainda enfrenta barreiras: custo, integração entre sistemas, padronização de dados e regulamentações éticas rigorosas. Mas a velocidade de avanço é inédita. O que antes demorava anos para sair do laboratório agora pode chegar à prática clínica em poucos meses — ou até semanas.
Um divisor de águas
O que estamos testemunhando é mais do que uma nova fase da medicina: é a convergência entre ciência de dados, biotecnologia e prática clínica. IA, terapias-alvo e digital twins não apenas prometem tratamentos mais eficazes e seguros — já estão entregando resultados palpáveis.
E, como médico e gestor que acompanha de perto essa transformação, afirmo: essa mudança não é uma tendência distante. Ela está acontecendo agora, e o próximo salto será medido em dias, não em décadas.
*Dr. Marcon Censoni de Ávila e Lima – médico cirurgião, Head de Departamento Medicina Hospitalar no A.C. Camargo Cancer Center, especialista em inovação e transformação digital na saúde por Harvard Medical school