(Fundación Libertad y Progreso/ Divulgação)
Instituto Millenium
Publicado em 5 de setembro de 2025 às 19h33.
Agustín Etchebarne, economista, professor da Universidad de Belgrano e diretor-geral da Fundación Libertad y Progreso (FLP), é uma das vozes mais próximas e influentes do presidente argentino Javier Milei. À frente de um dos principais think tanks liberais da Argentina, Etchebarne tem sido um articulador intelectual das reformas em curso, defendendo que o “orçamento base zero” é um caminho conceitualmente correto para repensar o Estado argentino e que a ousadia política de Milei foi justamente o que o diferenciou de experiências anteriores, como a de Mauricio Macri. Recentemente, Etchebarne encabeçou a publicação do livro El Camino Hacia El Cambio, pela FLP, no qual é contada a trajetória econômica recente da Argentina. Em conversa com o Instituto Millenium, ele falou sobre a temática do livro e avaliou que a drástica redução do gasto público foi essencial para alcançar o equilíbrio fiscal, mas alertou que a sustentabilidade do ajuste depende de reformas estruturais em áreas como Previdência, trabalho e educação. O economista apontou ainda que a queda da inflação e do risco país já trouxe alívio concreto à população, tirando milhões de argentinos da linha da pobreza, embora ressalte que a verdadeira superação só virá com a criação de empregos formais e a acumulação de capital humano. Para ele, a experiência argentina oferece uma lição clara à América Latina: não há saída para a decadência com paliativos ou gradualismo, mas sim com um paradigma consistente de liberdade.
Acompanhe a entrevista:
Instituto Millenium: O senhor acredita que o modelo de “desenho base zero” para a reforma do Estado pode ser aplicado integralmente na atual conjuntura política da Argentina? Quais são os principais obstáculos para isso?
Agustín Etchebarne: A abordagem de “orçamento base zero” é conceitualmente correta: implica repensar o Estado a partir de suas funções essenciais, em vez de apenas ajustar o que já existe. No entanto, na conjuntura argentina, os principais obstáculos são políticos e institucionais. A fragmentação do Congresso, a resistência da burocracia, os interesses sindicais e corporativos, e a lógica de um federalismo fiscal mal desenhado dificultam sua aplicação integral. O que é possível, sim, é avançar em áreas críticas, sempre com uma visão de longo prazo que organize prioridades e estabeleça uma sequência clara de reformas. Foi muito útil no início, para eliminar ministérios inteiros.
IM: A drástica redução do gasto público em 2024 foi crucial para alcançar o equilíbrio fiscal. Como garantir que esse ajuste seja sustentável a longo prazo, e não meramente conjuntural?
AE: A sustentabilidade depende de três fatores:
· Vencer as eleições de outubro e, em seguida, alcançar um acordo com outras forças moderadas para institucionalizar o equilíbrio fiscal, evitando sua dependência exclusiva da vontade presidencial.
· Crescimento econômico sustentado, acompanhado de reforma tributária e trabalhista, que amplie a base de arrecadação e reduza a pressão social por gasto compensatório.
· Completar as reformas estruturais, especialmente nas áreas de previdência, privatização de estatais e repartição federal.
Se essas reformas não forem consolidadas, o ajuste corre o risco de ser revertido.
IM: Quais são as consequências da queda da inflação e do risco país na redução da pobreza? Durante muitos meses, esse foi o principal argumento dos críticos do governo Milei. Recentemente tivemos algumas boas notícias a esse respeito. Já há sinais concretos de superação da pobreza?
AE: A queda da inflação melhora a renda real e permite recuperar a capacidade de planejamento de famílias e empresas. A redução do risco país barateia o crédito e dinamiza o investimento. Esses dois fatores juntos são condição necessária para reduzir a pobreza estrutural. Nos últimos meses, as medições mostram uma melhora clara: milhões de argentinos saíram da linha de pobreza medida pela renda. No entanto, a superação da pobreza não pode ser avaliada apenas com um dado conjuntural: é preciso verificar se há criação sustentada de emprego formal e acumulação de capital humano. A pobreza multidimensional será muito difícil de erradicar e requer políticas de primeira infância, apoio materno e melhorias no sistema educacional, entre outras.
IM: A maioria das reformas impulsionadas por Milei até agora é bastante impopular e teria gerado muito barulho se tivesse sido implementada no Brasil, por exemplo. No entanto, o livro menciona que o apoio popular superou as expectativas mesmo durante o ajuste. O fato de a Argentina ter tocado “o fundo do poço” no governo anterior contribuiu para gerar maior apoio popular?
AE: Os países não tocam o fundo do poço. Sempre podem piorar; a Argentina estava a caminho de ser a Venezuela. A economia argentina vinha de um ciclo prolongado de estagnação e de um colapso macroeconômico, com inflação de 211% ao ano. Esse esgotamento social, sem dúvida, reduziu a tolerância com o status quo e facilitou a aceitação de medidas duras. Em outros países, onde o desgaste não chegou a níveis tão extremos, a resistência social teria sido maior. Situações críticas geram oportunidades que podem ser aproveitadas por governos reformistas.
IM: Qual é o papel da sociedade civil e dos think tanks, como a Fundación Libertad y Progreso, na continuidade e defesa das reformas iniciadas? O governo de Milei mantém diálogo com os institutos liberais do país?
AE: O papel dos think tanks é duplo:
· Gerar propostas concretas e tecnicamente sólidas, que possam se converter em políticas públicas.
· Sustentar o debate cultural e intelectual, defendendo as reformas diante da opinião pública e contrapondo narrativas estatistas.
Nesse sentido, a Fundación Libertad y Progreso e outros institutos liberais têm mantido um diálogo fluido com o governo, oferecendo ideias e marcos de referência. Mas a continuidade das reformas não depende apenas do Executivo: exige um ecossistema social e cultural que as respalde.
IM: O livro propõe reformas de “segunda” e “terceira geração” (trabalhista, previdenciária, educacional). Qual o senhor considera mais urgente e por quê?
AE: Talvez a mais urgente seja a reforma trabalhista, pois é a chave para gerar emprego formal, melhorar a relação entre ativos e inativos e, a longo prazo, viabilizar tanto a reforma previdenciária quanto a educacional. Sem uma economia capaz de absorver trabalhadores com carteira assinada, nenhuma outra reforma será sustentável. A reforma tributária é crucial para melhorar a competitividade das empresas, embora deva ser feita com cuidado para não perder o superávit fiscal, enquanto se eliminam 150 impostos. A reforma previdenciária também é inadiável, devido à dinâmica demográfica e ao déficit crescente. A reforma educacional, embora mais lenta em impacto macroeconômico, é decisiva para a acumulação de capital humano e desenvolvimento de longo prazo.
IM: A que o senhor atribui uma virada tão rápida na economia argentina? O que faltou no governo Macri que Milei conseguiu fazer? Ou seja, por que Macri não conseguiu e Milei conseguiu?
AE: A diferença central é de diagnóstico e coragem política. Macri escolheu um caminho que nem sequer foi gradualista; seguiu na direção contrária, aumentando de 15 para 23 ministérios e nomeando um ministro da Economia de perfil keynesiano, sem vontade de reduzir gastos. Milei, por outro lado, aplicou desde o primeiro dia um ajuste drástico, com uma narrativa coerente de liberalização e saneamento do Banco Central. Além disso, o contexto social era diferente: em 2015 ainda havia margem para postergar ajustes; em 2023, a sociedade estava exausta e mais disposta a aceitar medidas drásticas, e não havia possibilidade de financiamento externo voluntário.
De todo modo, ainda estamos atravessando o rio e sentindo as pedras sob os pés descalços.
IM: O que a experiência argentina pode ensinar a outros países da América Latina que enfrentam desafios semelhantes de estagnação e populismo?
AE: A principal lição é que as ideias importam. Durante 80 anos, quando a Argentina adotou as ideias da liberdade — respeito à vida e à propriedade, abertura ao comércio e pouca intervenção estatal — chegamos a estar entre os dez países mais prósperos do mundo. Os 80 anos seguintes de corporativismo, mercantilismo e socialismo nos devolveram ao subdesenvolvimento, à corrupção e à pobreza em massa.