A Justiça é uma escultura localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes - Brasilia - DF - Distrito Federal- Foto: Leandro Fonseca data: 27/08/2024 (Leandro Fonseca)
Colunista
Publicado em 30 de maio de 2025 às 21h12.
Sempre me incomodaram as melosas declarações públicas de amor, porque me soam como expressão de uma pessoa que não sabe reconhecer o lugar do que é íntimo.
Mais recentemente, descobri que não estou sozinha na minha implicância. Theodore Dalrymple revela que, em sua condição de psiquiatra clínico, inúmeras vezes esteve diante de pais ausentes ou que abandonaram seus filhos, mas que tinham seus nomes tatuados nos braços, em letras graúdas. Ele condena o que ele chama de marcha do sentimentalismo, esse movimento que fez migrar a expressão das legítimas emoções humanas do plano privado para o público.
Não foi apenas em questões pessoais que o sentimentalismo cresceu em grande escala. No campo público, o sentimentalismo vem-se revelando uma agenda política, sempre descomprometida com o objeto da emoção, mas muito atrelada à construção pública de uma imagem de benevolência.
A expressão de sentimentalismo por parte de uma autoridade, em um tema que lhe compete por atribuição formal, faz instalar a empatia coletiva, e é “capaz de suprimir o pensamento, a reflexão, o questionamento e a racionalidade”, como analisa Dalrymple.
É o caso de magistrado de Tribunal Superior no Brasil que, tratando do delicado caso da judicialização de medicamentos de alto custo, argumentou que considerações acerca do impacto econômico do que é decidido (imenso e que recairá sobre a sociedade como um todo) não lhe competem, “por que cuido da justiça e não do cofre”.
Ou do juiz que afasta garantia oferecida pelo tomador de empréstimo em contrato, sob o fundamento de que o credor tem maior poder aquisitivo do que a outra parte, e não é correto que o peso da garantia recaia sobre um hipossuficiente. O argumento, emotivo e nada técnico, pega bem para quem o exprime. “Ó, que juiz humano!”, diz-se, e revoga-se a racionalidade. Pouco importa se o crédito para todos (os menos favorecidos incluídos) encarecerá depois em razão dessa decisão (e de tantas outras que a seguirão, por que faz-se jurisprudência e o mercado precifica decisões judiciais). Nada disso (a vida real) importa. O que importa é imagem de si mesma criada como benfeitor.
Procura-se seres humanos sensíveis na vida privada e autoridades racionais na vida pública. Um dia eles foram maioria. Precisamos saber onde estão. De nossa parte, precisamos nos atentar para o joguinho rasteiro de autoridades, que, no fim do dia, são apenas autointeressados e manipuladores descompromissados da opinião pública.