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Não deu certo, não está dando certo, nem dará certo

Modelos de ajuste fiscal que priorizam a redução de despesas públicas são sempre os mais bem-sucedidos

Torres de transmissão em Brasília: somem sinais de que governança de estatais é prioridade (Ueslei Marcelino/Reuters)

Torres de transmissão em Brasília: somem sinais de que governança de estatais é prioridade (Ueslei Marcelino/Reuters)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 19 de setembro de 2025 às 20h58.

*Roberto Castello Branco, economista e ex-presidente da Petrobras

 

O governo atual acredita que o melhor caminho para o crescimento da economia envolve o aumento da participação do Estado. A recusa em cortar gastos públicos e a proibição de privatizar estatais são sinais claros dessa estratégia.

Os modelos de ajuste fiscal empregados no mundo sempre focaram em cortes de gastos ou elevação de impostos ou numa combinação dos dois, sendo os que priorizam a redução de despesas públicas os mais bem-sucedidos. O natimorto arcabouço fiscal é sui generis, não prescreve austeridade e sim a expansão de gastos e receitas.

Manobrando a contabilidade, ao excluir despesas do cômputo do resultado primário do Tesouro e perseguindo o aumento da arrecadação, o governo tenta a todo o custo a obtenção de um déficit primário zero, indicador enganoso de seu compromisso com a saúde das finanças publicas.

Os artifícios para evitar que gastos tenham impacto sobre o resultado primário estão erodindo a credibilidade desse indicador da política fiscal ao se transformar em prática costumeira das atuais autoridades econômicas.

Do ponto de vista econômico, o relevante é o que se passa no mundo real e não o número gerado pela contabilidade criativa. Os mercados observam a evolução da dívida e o sinal transmitido por ela não é bom, como evidenciado pela persistência de prêmios significativos incorporados nas taxas de juros de títulos públicos. A relação dívida/PIB atual de 77,8 % é, excetuando o ano da pandemia, a mais alta dos últimos quinze anos e deve prosseguir em sua escalada no futuro próximo.

Ao mesmo tempo, estamos convivendo com déficits gêmeos: um déficit fiscal de 7,9% do PIB e um déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos de 3,5% do PIB. O excesso de gastos públicos está transbordando para o setor externo, provocando desequilíbrio no fluxo de transações, apesar do superávit no comércio de bens.

Membros da equipe econômica tentam minimizar a gravidade do problema da dívida invalidando comparações internacionais. Ignoram a opinião do mercado manifestada através do alto nível das taxas de juros reais e demonstram despreocupação diante da seriedade dessa questão, numa indicação muito ruim da qualidade da execução da política econômica.

Alguns analistas criticam a taxa SELIC de 15%, julgando-a desnecessariamente elevada. Os críticos simplesmente desconhecem um fato fundamental: as taxas de juros são determinadas pelos agentes econômicos no mercado e não pelo Banco Central. Este consegue muito mal controlar a SELIC. Ademais, mesmo com uma “dose cavalar” de juros, as expectativas de inflação para o período 2026-2028 permanecem acima da meta do Banco Central.

Déficits e dívida não resultam necessariamente em crise, porém produzem múltiplos impactos negativos sobre o crescimento econômico.

O temor de que uma crise venha a se concretizar provoca a alta das taxas de juros via maiores prêmios de risco. Simultaneamente às dificuldades para o financiamento do capital de giro, isto provoca o aumento do custo de capital das empresas, não somente via empréstimos, mas também através do efeito sobre o custo do capital próprio, o que inibe a realização de projetos de investimento. Mesmo que não se recorra a endividamento torna-se muito difícil encontrar projetos cujos retornos esperados satisfaçam o exigido por acionistas para remunerar seu capital.

Os gastos do governo geralmente carregam ineficiências e tendem a retirar o espaço para os investimentos privados, bem mais eficientes, e promovem a má alocação de recursos e a queda da produtividade, contribuindo negativamente para o crescimento econômico no longo prazo.

Até agora o custo macroeconômico em termos de crescimento e desemprego ainda é relativamente baixo, porém não é por acaso que o número de pedidos de recuperação judicial e falências venha aumentando consideravelmente.

Parcela significativa dos gastos do governo brasileiro se destina à área social – superior a 20% do PIB, conforme estimativas - consumido com políticas públicas que não sofrem avaliação. Por exemplo, a correção automática de benefícios sociais pelo salário-mínimo, com ganho real sem nenhuma contrapartida de aumento de produtividade e o Bolsa Família sem nada em troca causam desestímulo ao trabalho e, no mínimo, ao ingresso no mercado de trabalho formal.

Aguardam aprovação do Congresso propostas governamentais para fornecimento de energia elétrica gratuita bem como de botijões de gás de cozinha e isenção de imposto de renda para até R$ 5 mil por mês. Outras provavelmente virão no contexto de campanha eleitoral para as eleições de 2026.

Tais políticas, juntamente com outras em funcionamento, além de pressionarem o orçamento publico ajudam a criar uma cultura de dependência do Estado, removendo incentivos ao trabalho e à produtividade.

Estamos caminhando rumo à europeização dos benefícios sociais, com todos os males que isso pode acarretar, excessivo endividamento publico, rigidez orçamentária, baixo crescimento econômico, problemas sociais, radicalização política. Há 20 anos, o PIB da União Europeia era aproximadamente igual ao dos EUA, hoje representa menos de 60%.

A França, atualmente às voltas com uma crise política, tem gastos sociais de 32% do PIB, dívida se aproximando de 120% do PIB, lento crescimento econômico e escolhas político-eleitorais convergindo para dois partidos, um de extrema direita, outro de extrema esquerda.

O Estado do bem-estar social faliu na Europa Ocidental e o bom senso diz que não se copia o que deu errado. Da mesma forma, a regulação excessiva das novas tecnologias, marca europeia defendida por muitos no Brasil, só tem servido para criar um ambiente hostil à inovação e ao crescimento econômico, o que é inaceitável.

Não é através da distribuição generalizada de benefícios que se constrói uma sociedade próspera. Nem tampouco com o investimento de muitos bilhões de dólares em empresas estatais. Como afirmou Ronald Reagan, “um emprego é a melhor política social”, o que significa crescimento econômico sustentável com capacidade de gerar empregos de boa qualidade.

A gestão de empresas estatais, bancos públicos e companhias não financeiras, utilizada ativamente para alavancar a presença do Estado na economia definitivamente não é a solução, tal como evidenciado no passado.

Os desembolsos do BNDES voltaram a crescer, e a instituição passou inclusive a competir com outros bancos estatais, como Banco do Brasil e Caixa, no financiamento da agropecuária. Letras, isentas de imposto de renda, emitidas pelo BNDES, estão competindo com títulos semelhantes de emissão da iniciativa privada diminuindo espaço para esta no mercado de capitais. A BNDESpar, subsidiária do BNDES, não só cessou a venda de ações de sua carteira como retornou à política de adquirir participações em empresas concorrendo com veículos de investimento privado.

As estatais não financeiras voltaram a apresentar prejuízos, destacando-se entre elas os Correios. A empresa registrou prejuízos de R$ 2,6 bilhões em 2024 e de R$ 4,4 bilhões no primeiro semestre de 2025, quase a metade da receita semestral de R$ 8,9 bilhões. Fora de dúvida são valores consideráveis para uma empresa prestadora de serviços, cujos riscos operacionais no curto prazo são tipicamente baixos.

A ausência de competição faz com que empresas estatais costumem desprezar os interesses de seus acionistas – a sociedade - e de seus clientes. De forma consistente com a sistemática falta de transparência nenhuma explicação foi dada sobre como e porque os Correios estão perdendo nosso dinheiro.

Na Petrobras existem vários elementos para preocupação: (a) o afrouxamento da governança; (b) o abandono da meritocracia substituída pela politização: (c) a despreocupação com custos e a eficiência da alocação de capital e (d) o retorno à prática de recorrer a endividamento para pagar dividendos generosos para servir a política fiscal do governo.

A Petrobras vem apresentando bons lucros, beneficiando-se da reestruturação levada a efeito entre 2016 e 2022 e da persistência de níveis confortáveis de preços do petróleo.

Contudo, seus acionistas não podem ficar satisfeitos com o desempenho recente da companhia. O lucro é uma variável contábil, influenciada por lançamentos contábeis que às vezes não impactam o caixa, que sobretudo não leva em consideração o custo do capital do acionista.

O nível de 6% no retorno do capital empregado divulgado pela própria Petrobras referente ao primeiro semestre deste ano certamente não remunera o capital do acionista, significando que a empresa começa a consumir o capital, ao empregá-lo de forma não produtiva.

O modelo que privilegia o Estado como indutor do desenvolvimento econômico nunca deu certo, não está dando certo, nem dará certo. O Estado não cria riqueza, transferências de renda não produzem desenvolvimento econômico. É possível ignorar a ciência econômica, mas ela jamais nos ignorará: o Brasil precisa de profundas reformas.

É fundamental flexibilizar do orçamento publico, reduzir drasticamente os gastos do governo, rever o sistema de incentivos, eliminar barreiras à competição e privatizar empresas. Estes são desafios para o governo que assumir em 2027, pois o atual, seja pelas preferências ideológicas, seja porque já gastou ¾ de seu mandato remando na direção oposta, não fará nada do que propomos.