(Renato_Pessanha/Getty Images)
Publicado em 6 de maio de 2025 às 15h34.
Por Alexandre Silveira*
São tão fascinantes os grandes avanços tecnológicos do nosso tempo — como a Inteligência Artificial, a exploração de Marte e o uso de robôs humanoides — que acabamos por condenar ao limbo da informação a dura realidade de tantas famílias que ainda não dispõem sequer de um prosaico ponto de eletricidade para acender uma lâmpada em suas casas.
Precisamos acolher com sensibilidade as demandas daqueles que ainda se encontram à margem de algumas conquistas elementares da vida moderna.
Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade de visitar uma senhora ribeirinha, que vive com a família a cerca de uma hora de lancha da Ilha de Marajó, no Pará. Eles moram em local de difícil acesso. A subsistência depende do rio, fonte de água, alimento e transporte. O encontro se deu a propósito do programa Luz para Todos, cuja origem remonta ao primeiro mandato do presidente Lula.
Na ocasião, entregamos àquela família um kit com placa solar, inversor e bateria. Constatei a alegria deles em poder contar, finalmente, com energia para refrigerar seus alimentos, assistir TV, acessar a internet e a educação a distância. Veio-me, então, a reflexão sobre o quanto aquilo era transformador, trazendo esperança de prosperidade e melhoria de vida.
Entretanto, agora, com o kit instalado, eles terão que, ao final de cada mês, pagar sua conta de energia elétrica, recheada de penduricalhos e subsídios. Mesmo estando isolada da rede elétrica, sem qualquer conexão com os postes e fios que hoje cobrem nossas cidades e áreas rurais, a empresa distribuidora de energia, com certeza, não irá se esquecer de cobrar a fatura, ficando com parte da renda daquela família. Caso não seja paga, o nome vai parar no SPC.
Como poderá ser transformador um equipamento autônomo para produzir energia se os beneficiados dificilmente terão condições econômicas de custear sua conta de energia no final do mês?
A transição energética do Brasil precisa ser completa. É fundamental não só produzir energia limpa e renovável, mas ser também inclusiva e melhorar o cotidiano daqueles que mais precisam. Com esse propósito, apresentamos, recentemente, nossa convicção do que deve ser modificado no setor elétrico brasileiro, centrado nas pessoas.
A gratuidade na conta de luz para quem consome até 80 kWh/mês de energia alcançará milhões de brasileiras e brasileiros, marginalizados pelo acachapante custo da eletricidade, que consome parte da renda, impedindo até colocar comida na mesa. Esse patamar de consumo equivale à utilização de seis lâmpadas, geladeira, ventilador, ferro de passar roupa, chuveiro e carregadores para celular.
A gratuidade é uma das principais medidas dessa proposta legislativa. O tema vem sendo debatido há mais de um ano, com os mais diferentes segmentos. O projeto pode ser agora aprofundado pela administração pública, autoridades reguladoras, parlamentares, associações, sociedade e empresas do setor.
Além da justiça tarifária, o texto contempla a liberdade do consumidor e o equilíbrio do setor elétrico. Temos a confiança de que o Congresso Nacional disporá de sensibilidade para aprová-lo de maneira célere.
Os números da excessiva conta de energia, diversos nomes complicados e cálculos incompreensíveis só significam, ao final, que o mais pobre tem de pagar as benesses concedidas ao longo do tempo para prósperos e bem-apadrinhados lobistas do setor. Eles alardeiam a transição energética como salvação da humanidade, mas feita com o dinheiro dos outros.
A tarifa social busca amparar a camada necessitada. Temos muito orgulho da nossa matriz limpa e renovável, construída a partir do esforço do nosso povo, mas é fundamental cuidar daqueles que mais precisam e querem oportunidade para prosperar, crescer e vencer. A transição energética começa pelos mais vulneráveis.
*Alexandre Silveira é ministro de Minas e Energia