(Getty Images)
Publicado em 11 de outubro de 2025 às 09h40.
Por Socorro Neri*
Vivemos um momento decisivo das relações entre sociedade e natureza. As mudanças climáticas já não são previsão: são realidade. Enchentes, secas, ondas de calor e desastres ambientais estão cada vez mais frequentes. Diante desse cenário, não basta pensar em políticas ambientais. É preciso repensar a educação. A emergência climática exige não apenas políticas ambientais eficazes, mas uma mudança profunda na forma de ensinar — pois somente por meio da formação de cidadãos conscientes poderemos converter o alerta científico em transformação social.
A escola precisa ser o espaço onde nasce uma nova consciência. A formação de cidadãos preparados para lidar com a crise climática é tão estratégica quanto qualquer plano de mitigação ou adaptação. É nesse contexto que surge a ideia do cidadão climático: alguém que compreende a emergência, reconhece sua responsabilidade e age no dia a dia para transformar a realidade.
A Política Nacional de Educação Ambiental já prevê esse compromisso desde 1999. Mas o desafio atual é torná-lo efetivo em todas as etapas do ensino. Isso significa inserir mudanças climáticas, sustentabilidade e gestão de riscos nos currículos, dar formação adequada aos professores e transformar a própria infraestrutura escolar em espaço de aprendizado sustentável.
Não se trata de algo acessório. É tão essencial quanto aprender matemática ou português. O futuro exige que nossos jovens dominem também as linguagens da sustentabilidade e da resiliência climática.
O Parlamento tem papel central nessa transformação. Nos últimos anos, projetos de lei importantes tramitam no Congresso Nacional e apontam para a integração entre educação e meio ambiente. Alguns exemplos: PL 1236/2023 – inclui de forma sistemática conteúdos sobre mudanças climáticas e riscos socioambientais no currículo escolar; PL 5622/2023 – inclui a integração entre educação ambiental, saúde humana e justiça climática na Política Nacional de Educação Ambiental, tornando-a obrigatória em todos os níveis de ensino; PL 2841/2024 – cria o Programa Nacional de Fomento às Escolas Resilientes, incentivando hortas, manejo hídrico e adaptação dos espaços escolares; PL 2225/2024 – garante que toda criança e todo adolescente tenham direito de conviver com a natureza, obrigando o poder público a criar políticas que assegurem que o ambiente escolar promova acesso a espaços verdes, contato com o meio ambiente e benefícios da vida ao ar livre.
Além disso, a Lei 14.926/2024 já está em vigor. Ela atualiza a Política Nacional de Educação Ambiental para incluir, de forma obrigatória, conteúdos sobre mudanças climáticas, biodiversidade e gestão de desastres em todos os níveis de ensino. É um marco que transforma a pauta climática em dever pedagógico.
O Parlamento não é apenas palco de debates: é força motriz da regulação que faz a diferença no cotidiano das pessoas. Ao pautar e aprovar projetos como os mencionados, o Congresso Nacional pode garantir que cada escola no Brasil adote práticas sustentáveis, que cada professor receba formação para integrar clima e natureza no currículo, e que cada aluno, ao sair da escola, seja um agente potencial de mudança.
A escola não mudará sozinha. É o Parlamento que garante financiamento, diretrizes nacionais e obrigação legal. A legislação aprovada hoje será o que determinará se as próximas gerações estarão preparadas para viver em um país mais quente, mais instável e mais desigual.
O Legislativo precisa assumir esse protagonismo. É nele que se decide se o Brasil terá uma política educacional capaz de formar cidadãos aptos a enfrentar os impactos climáticos ou se permanecerá refém de improvisos diante das tragédias.
Ao propor que a escola deve formar cidadãos conscientes da crise climática que vivenciamos, sugiro o uso do termo “cidadão climático”, ainda que não consagrado no direito ou na doutrina corrente, mas dotado de força simbólica e pedagógica. O termo traduz a ideia de que o cidadão de hoje deve saber agir no mundo considerando as condições climáticas — conhecer, questionar, participar e adaptar.
O termo “cidadania climática” já aparece em legislações, como em Portugal, onde a Lei de Bases do Clima introduz essa noção constitucionalmente. O uso de “educação climática” também tem ganhado espaço no debate educacional como vetor de engajamento e conscientização. O conceito de “cidadão climático” ajuda a personificar essa nova forma de compromisso educativo.
Ser cidadão climático significa: compreender as causas e consequências das mudanças climáticas; reconhecer sua responsabilidade individual e coletiva; participar de decisões políticas e comunitárias sobre o futuro ambiental e adotar escolhas cotidianas sustentáveis.
Essa formação não é idealista — é urgente. A legislação que o Congresso Nacional aprova hoje e a escola que construímos agora determinarão se teremos cidadãos aptos a responder aos desafios climáticos ou meros espectadores da degradação.
A convergência entre educação e meio ambiente molda a geração que enfrentará a crise climática com inovação, participação e solidariedade. É hora de consolidarmos, no Brasil, a formação de um verdadeiro cidadão climático.
*Socorro Neri é doutora em educação, deputada federal (PP/AC), membro da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Segunda Vice-Presidente da Comissão Especial do Plano Nacional de Educação e coordenadora da Frente Parlamentar Mista da Educação no Congresso Nacional, à frente da Coordenação de Desenvolvimento e Valorização do Professor.