Desde 1988 a Constituição Federal reconhece a licença paternidade como um direito dos trabalhadores, porém, mais de 35 anos se passaram e ainda não houve regulamentação devida, o que na prática, faz com que pais tenham apenas cinco dias em casa para se dedicar à chegada de cada filho.
Essa omissão legislativa foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2023, e deveria ter sido sanada até 8 de julho de 2025, prazo que o Congresso teve para criar uma lei regulamentando um tempo de afastamento mais adequado. O Congresso, mais uma vez, falhou com as famílias brasileiras.
Apenas cinco dias de licença, ainda hoje em vigor, dizem muito sobre a persistente crença de que cuidar dos filhos é responsabilidade exclusiva das mulheres. A atual legislação não apenas exclui os homens do cuidado, como reafirma a sobrecarga materna e reproduz desigualdades estruturais entre os gêneros, especialmente no mercado de trabalho.
Ao não garantir tempo de qualidade para os pais, o Estado brasileiro negligencia o desenvolvimento infantil, a saúde mental familiar e a igualdade material entre homens e mulheres.
Pode parecer contraditório, mas a ampliação da licença paternidade também diz respeito à proteção aos direitos das mulheres. A baixa participação masculina no cuidado com os filhos, sobretudo nos primeiros dias de vida, não é um fenômeno isolado, mas resultado de uma estrutura social que atribui às mulheres o papel predominante no trabalho doméstico, o que infelizmente pode causar um afastamento emocional dos homens em relação aos filhos.
A manutenção de políticas públicas que reforçam essa assimetria, como é o caso da licença paternidade de apenas cinco dias, contribui para perpetuar desigualdades de gênero no âmbito familiar e profissional.
Como reconheceu o Supremo Tribunal Federal, a disparidade atual entre os prazos de licença de pais e mães produz efeitos negativos sobre a igualdade de gênero e sobre os direitos das crianças.
Há projetos de lei construídos com o apoio de diversos setores da sociedade, a exemplo da Coalizão Licença Paternidade (CoPai), que propõe 30 dias de licença paternidade obrigatória, com progressão para até 60 dias em cinco anos, permitindo adaptação gradual para empregadores e para o orçamento público.
A urgência de uma mudança cultural
Mudanças culturais profundas não se operam apenas por força de lei, mas por meio de políticas públicas consistentes, capazes de induzir novos comportamentos sociais.
A companhia do pai junto ao filho recém-chegado estimula vínculos afetivos, melhora o desenvolvimento cognitivo infantil, reduz divórcios, fortalece a saúde mental das famílias, e combate a evasão paterna, num país onde quase seis milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento.
Pesquisas de neurociência indicam que o cérebro dos pais muda fisicamente com o envolvimento direto no cuidado da criança, especialmente nas regiões relacionadas à empatia, cognição social e regulação emocional. Ou seja: cuidar do bebê traz mudanças cerebrais que os tornam os pais mais pacientes, acolhedores e responsáveis.
A equidade só virá com coragem política
A Câmara dos Deputados aprovou recentemente um requerimento de urgência para votação de um projeto de lei que propõe apenas 15 dias de licença paternidade. Esse projeto está ultrapassado, desconectado das demandas atuais e não representa um avanço real. Tratar 15 dias como "progresso" é manter a paternidade no lugar do simbólico, e não do prático.
A sociedade brasileira precisa exigir mais. Trinta dias é o mínimo. E não se trata apenas de quantidade, mas de um novo significado para a paternidade: a de quem cuida, compartilha e se compromete.
Nesse cenário, merecem especial destaque os outros projetos de lei que de fato equilibram justiça social e responsabilidade fiscal, oferecendo uma transição adaptada à realidade das empresas e do sistema previdenciário.
Ao adotar um texto consistente com as evidências científicas e com o princípio constitucional da igualdade, o Congresso tem a oportunidade de não apenas regulamentar um direito previsto há 35 anos, mas de estabelecer um novo marco civilizatório no cuidado parental no Brasil.
O Congresso está diante de uma escolha histórica. Pode seguir adiando a equidade parental, ou pode finalmente reconhecer que a igualdade de gênero começa no berço. A licença paternidade não é concessão. É responsabilidade, justiça e cuidado.
*Cláudia Abdul Ahad Securato é professora da Saint Paul Escola de Negócios; sócia do escritório Securato & Abdul Ahad Advogados.