(Getty/Getty Images)
Publicado em 31 de maio de 2025 às 07h00.
*Por Devanir Silva
Nos últimos anos, a ascensão das plataformas digitais transformou profundamente o mercado de trabalho, dando origem a novas formas de ocupação e relação contratual. No Brasil, mais de 1,5 milhão de pessoas atuam como motoristas e entregadores por aplicativos, segundo dados do IBGE. Embora essas ocupações respondam por parcela crescente da renda de muitas famílias, cerca de 70% desses trabalhadores não contribuem regularmente com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), permanecendo à margem da rede formal de proteção.
Essa realidade não é exclusiva do Brasil. Trata-se de um fenômeno presente em diversos países, especialmente na América Latina, onde a informalidade estrutural é uma característica marcante do mercado de trabalho. Aqui, a predominância de microempreendedores individuais, pequenas empresas e profissionais autônomos torna ainda mais urgente o debate sobre proteção previdenciária em novos modelos laborais.
Estamos diante de uma mudança significativa na estrutura do trabalho. A chamada “pejotização” atinge desde ocupações operacionais até profissionais com formação superior. Hoje, é comum que jovens recém-formados se tornem “PJs de si mesmos”, numa lógica que reduz custos para empresas, mas fragiliza a proteção social do trabalhador. É nesse contexto que se insere a necessidade de soluções inclusivas e adaptadas à nova realidade.
Uma das alternativas em debate é o desenvolvimento de micro pensões, sistemas de previdência de capitalização com regras simplificadas e contribuição flexível. Modelos como esse podem oferecer cobertura para aposentadoria e riscos como invalidez ou falecimento, mesmo a quem possui renda intermitente. Sua implementação pode ser potencializada com o uso de tecnologias como aplicativos móveis, automação de contribuições via smart contracts e ferramentas de gestão digital de contas individuais.
A participação das próprias plataformas digitais no financiamento desse sistema é outro ponto relevante. A contribuição compartilhada entre trabalhador e empresa – já adotada em alguns países – pode aumentar a sustentabilidade do modelo e a adesão voluntária. Além disso, incentivos fiscais direcionados às contribuições dos trabalhadores e das plataformas ajudariam a ampliar a atratividade da proposta.
Vale destacar que a previdência complementar não se propõe a substituir o regime geral, mas a complementar lacunas existentes, principalmente em cenários de informalidade. Por isso, uma abordagem combinada entre previdência de longo prazo e coberturas securitárias para riscos diários (como acidentes ou invalidez) torna-se fundamental. Ao aliar essas frentes, o país avança rumo a um modelo de proteção mais completo e resiliente.
Por fim, a criação de soluções como as micro pensões cumpre também um papel pedagógico. Estimula o planejamento financeiro e a cultura de poupança, elementos essenciais em uma sociedade que envelhece rapidamente. Não se trata apenas de um mecanismo financeiro, mas de uma ferramenta de inclusão e cidadania.
A consolidação de um novo pacto previdenciário – mais flexível, híbrido e compatível com a realidade digital – será essencial para que ninguém fique de fora da proteção social. É hora de enxergar a previdência não apenas como um dever estatal ou uma responsabilidade individual, mas como parte de um compromisso coletivo com a dignidade do trabalho em todas as suas formas.
Devanir Silva é diretor presidente da Abrapp – Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar