(Getty Images)
Panorama Econômico
Publicado em 7 de julho de 2025 às 14h24.
Última atualização em 9 de julho de 2025 às 12h46.
O valor da diversificação
Diversificação é um dos princípios centrais em investimentos. Teoria e prática demonstram que, ao distribuir recursos entre diferentes ativos, é possível reduzir riscos sem comprometer o retorno esperado. Em termos simples: como o futuro é incerto e não se sabe quais ativos terão melhor desempenho, diversificar é distribuir os investimentos para reduzir riscos. Quando um ativo performa mal, outro pode compensar. E quanto mais distintos forem os fatores que afetam cada ativo, maior essa compensação potencial.
Home Bias e concentração
No Brasil, o viés de concentração patrimonial em ativos domésticos, o home bias, é acentuado. Seja por conveniência, familiaridade ou pela atratividade histórica de investimentos pós-fixados ao CDI/SELIC, a consequência é a mesma: um portfólio menos diversificado.
O problema é que, quando se observa o histórico, o mercado brasileiro — tanto em renda fixa quanto variável — teve desempenho inferior ao de diversos mercados desenvolvidos, especialmente os EUA.
Essa concentração é ainda mais crítica ao considerarmos que a renda do investidor, presente e futura, também está exposta à economia e à moeda local. Em outras palavras, ao investir só no Brasil, você está apostando duplamente na mesma coisa.
O tempo e os enganos do retrovisor
No curto prazo, a concentração de ativos é facilmente percebida como arriscada: os retornos variam fortemente ano a ano. Mas, mesmo em prazos médios, como janelas móveis de retorno de 10 anos, os riscos são evidentes. A análise de retornos anualizados em dólar de diferentes índices globais — como o SPX500 (EUA), MSCI World ex-USA (desenvolvidos ex-EUA), MSCI Emerging Markets (emergentes), MSCI Brazil (Brasil) e MSCI ACWI (Mundo) — deixa isso claro.
Elaboração: Butiá Investimentos Fonte: Bloomberg
Entre o fim dos anos 1990 e meados dos anos 2000, o mercado americano dominava, impulsionado pela narrativa das empresas “.com”. Valuations extremos eram justificados pelo avanço da internet e pela liderança americana nesse setor.
Quem observava o retrovisor via uma década de retornos excepcionais nos EUA, e muitos investidores entraram nesse momento, convencidos pela narrativa de disrupção digital. No entanto, os que investiram na virada do milênio, com base nesse histórico recente, enfrentaram, na década seguinte, retornos significativamente inferiores aos de mercados emergentes.
Por outro lado, justamente os emergentes, que vinham de uma década fraca, entregaram os melhores retornos nos anos seguintes. O Brasil, por exemplo, teve desempenho superior ao dos EUA em várias janelas até o início dos anos 2000, impulsionado por preços deprimidos no fim dos anos 1980 e pela estabilização pós-Plano Real — um caso clássico de reversão à média após extremos.
No período seguinte, de aproximadamente 2005 a 2015, observava-se que, nos 10 anos anteriores, os investimentos mais rentáveis haviam sido os de mercados emergentes, especialmente o Brasil.
Quem investiu nesses ativos durante essa janela foi influenciado por uma narrativa dominante: os emergentes estavam ganhando espaço no cenário global, impulsionados pelo crescimento acelerado da China, pela urbanização, industrialização e pelo boom de commodities. A tese era de que haveria uma convergência de produtividade e renda com os países desenvolvidos, com os emergentes se tornando os grandes motores do crescimento mundial.
Nesse contexto, o otimismo com o Brasil chegou ao auge, ilustrado por eventos como a capa “Brazil Takes Off”, da The Economist, em 2009. No entanto, quem concentrou seus investimentos nesse cenário de entusiasmo com os emergentes viu, na década seguinte, um desempenho muito inferior ao dos EUA, que retomaram a liderança em retorno, apesar de estarem então desfavorecidos no retrovisor.
De 2015 a 2025, novamente o mercado americano dominou, com retornos excepcionais impulsionados por empresas líderes em tecnologia e, mais recentemente, em inteligência artificial. A narrativa agora é de excepcionalismo americano — mais uma vez, após anos de desempenho superior.
Quando a história se repete
Esses ciclos mostram um padrão: o desempenho passado cria a narrativa dominante, que, por sua vez, atrai fluxos e encarece os ativos, diminuindo o retorno esperado futuro.
Quem investe após essa valorização, muitas vezes, já pegou o bonde andando e corre o risco de embarcar exatamente no topo do ciclo.
O risco das narrativas, a força da reversão
Narrativas surgem para explicar o passado. Justificam, racionalizam, seduzem. Mas o mercado é cíclico, e o preço dos ativos tende a se reverter após extremos. Quando muitos investidores se concentram nas mesmas teses, quando os fundamentos são deixados de lado, quando o otimismo já está precificado — é aí que a reversão acontece.
Os dados de 2025 até junho mostram sinais de potencial reversão: os EUA estão ficando para trás este ano na performance em dólar frente a outras regiões, em parte pela desvalorização cambial.
Narrativas alternativas começam a ganhar força: Europa mais fiscalmente ativa, China mais competitiva em IA, e questionamentos sobre o endividamento e hegemonia institucional americana.
Será que os próximos 10 anos serão novamente dos EUA ou apresentarão reversão? É um bom questionamento.
E quando a concentração funciona?
Vale reconhecer que há argumentos legítimos a favor da concentração, desde que se acerte o alvo e se tenha paciência para suportar o tempo. Warren Buffett e Charlie Munger, por exemplo, sempre defenderam alocações concentradas em ativos de altíssima convicção.
E, de fato, os EUA apresentaram superioridade clara em janelas de 30 anos.
Mas quantos investidores conseguem manter sua tese durante uma década de desempenho ruim, enquanto todas as narrativas jogam contra? Mesmo que você esteja certo no longo prazo, o psicológico pode não aguentar. E, claro, há sempre a chance de que as bases que sustentavam a tese — instituições, inovação, crescimento populacional — mudem no caminho.
Conclusão: diversificar é resistir à sedução da narrativa
Narrativas são perigosas porque se baseiam em retrospectiva e seduzem com lógica convincente. Mas elas frequentemente surgem no auge de um ciclo. Ao se deixar levar por elas, o investidor compra caro e com expectativas infladas, frequentemente colhendo retornos fracos nos anos seguintes.
Este exemplo de diversificação geográfica poderia ser estendido a outras dimensões de diversificação de portfólio. Diversificar é um ato de humildade diante da incerteza. É aceitar que o futuro não se dobra às nossas convicções.
E é, por isso mesmo, a decisão mais racional quando o objetivo é proteger capital e maximizar retornos consistentes ao longo do tempo.
Mini Bio
Matheus Virgílio de Moura Lima e Almeida é sócio e portfolio manager na Butiá Investimentos, responsável pelas estratégias de renda variável. Economista pela PUC-MG, possui as certificações CFA, CAIA e CGA. Acumula experiência em instituições financeiras, fundos de pensão, consultoria empresarial e gestão de investimentos. Atua como gestor de portfólio dos fundos de ações e de multimercado na Butiá Gestão de Investimentos.