Economia

Análise: Dólar perde fôlego global com incorporação de risco EUA

A postura agressiva do governo Trump em temas como imigração, comércio exterior e política monetária tem contribuído para uma maior percepção de risco em relação aos EUA

Silvio Campos Neto
Silvio Campos Neto

Sócio da Tendências Consultoria

Publicado em 24 de junho de 2025 às 15h48.

Última atualização em 24 de junho de 2025 às 16h30.

Diferentemente do esperado até recentemente, o dólar entrou em trajetória de baixa global a partir do início do segundo mandato de Donald Trump. Esperava-se um fortalecimento adicional da moeda americana, expectativa fundamentada no cenário de taxas de juro ainda elevadas no país – perspectiva que permanece válida – e nos efeitos da maior aversão ao risco, estimulando a busca por proteção em ativos americanos. É exatamente esse pilar que tem se mostrado frágil, ao passo que há uma piora na percepção de risco em relação aos Estados Unidos e seus ativos. Assim, como não se espera mudança de postura do governo Trump, começa a se consolidar visão alternativa, na qual o dólar permaneceria mais enfraquecido em relação às principais moedas, algo que traz implicações também para a taxa de câmbio BRL/USD.

Ao longo dos últimos anos, o dólar demonstrou ímpeto consistente, tendo como elementos a sólida performance da economia americana, a normalização da política monetária do Federal Reserve e o ambiente global conturbado, diante da primeira guerra comercial de Trump e das crescentes tensões geopolíticas. A valorização do dólar nos últimos anos refletia também a fragilidade relacionada a outras moedas relevantes. Enquanto euro e iene sofrem com o baixo dinamismo de suas economias, a libra ainda se ressente dos impactos adversos do Brexit. A eleição de Trump em novembro de 2024 sugeria o reforço de alguns destes pilares, como estímulos ao crescimento de curto prazo, a manutenção dos juros elevados e o ambiente global de maior aversão ao risco. Não por acaso, em janeiro de 2025 o dollar index renovou seu pico histórico, considerando a série divulgada pelo Fed desde 2006.

Desde esse pico em janeiro, o índice dólar versus cesta recuou de forma contínua. Em maio, o indicador apresentou a quarta queda consecutiva, acumulando neste período um recuo de 4,9%. Ainda assim, o índice está 3,2% acima da média dos últimos cinco anos e 15,6% acima da média histórica. Ou seja, apesar da correção observada, o dólar permanece em níveis elevados ante a maioria das demais moedas, considerando o padrão histórico. Embora não se possa afirmar que a correção irá se aprofundar, tais comparações sugerem ainda haver gordura para ajustes adicionais nos próximos meses.

E o que estaria por trás deste comportamento inesperado do dólar? Uma das teorias mais utilizadas para estimar taxas de câmbio – a paridade descoberta de juros – condiciona os movimentos da variável ao diferencial de juros e prêmios de risco entre os países. Com as taxas de juro curtas e longas em patamares elevados nos Estados Unidos, alimentadas por uma situação fiscal cada vez mais adversa, seria razoável contar com a continuidade da valorização do dólar. Adicionalmente, em um ambiente global de maior nervosismo e turbulência, os prêmios de risco dos outros países normalmente subiam mais em relação aos EUA, tendo em vista que ativos americanos eram considerados de risco zero. Ocorre que tal situação mudou – pelo menos de forma temporária – com os sinais emitidos nestes primeiros meses de governo Trump.

A postura agressiva em temas como imigração, comércio exterior e política monetária, com decisões e declarações que colocam as instituições do país sob questionamento, tem contribuído para uma maior percepção de risco em relação aos EUA. Em paralelo, a proposta de reforma fiscal no Congresso, que prevê entre outras coisas a extensão de cortes de impostos e resulta em agravamento da delicada situação fiscal, potencializa o receio em torno dos ativos americanos. Com isso, não tem ocorrido a esperada migração de recursos para o financiamento da dívida, o que se traduz em combinação historicamente incomum de juros para cima e dólar para baixo. Rumores de desmonte de posições em ativos do país contribuem para ampliar tal dinâmica.

Não por acaso, os mercados têm registrado precificação de maior risco, por meio do comportamento do Credit Default Swap associado aos Estados Unidos. O patamar atual do CDS de cinco anos do país, ao redor de 50 pontos, é compatível com ratings bem inferiores, entre A- e BBB+. Há efetivamente uma mudança relevante de sentimento em relação aos Estados Unidos e seus ativos – mesmo que seja prematuro apontar um caráter definitivo para essa dinâmica.

Diante desse panorama, é preciso considerar os potenciais efeitos sobre a taxa de câmbio BRL x USD. A incorporação de um cenário de dólar globalmente mais fraco exige ajustes nas projeções, embora seja importante manter uma visão cautelosa, diante da persistência de fatores de incerteza externos e, principalmente, internos. Por aqui, ainda que o governo tenha demonstrado mais uma vez certo pragmatismo para sair do corner fiscal, a aproximação do ciclo eleitoral e a busca pela recuperação da popularidade geram preocupação – especialmente considerando que a situação fiscal permanece insustentável após 2026. Sendo assim, alteramos as expectativas para a taxa de câmbio ao final deste ano, de R$ 5,90/US$ para R$ 5,70/US$.

Silvio Campos Neto é economista e sócio da Tendências Consultoria

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