Economia

Brasil se destaca entre emergentes, mas fiscal exige atenção, diz CEO do Barclays na América Latina

Para Raul Martinez-Ostos, economia brasileira é diversificada e consegue resistir a choques externos melhor do que outros pares -- mas é preciso resolver o desafio fiscal

 (Barclays/Divulgação)

(Barclays/Divulgação)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 6 de julho de 2025 às 12h10.

Última atualização em 6 de julho de 2025 às 12h13.

Raul Martinez-Ostos conhece bem os desafios econômicos da América Latina. Desde 2022, ele é CEO do banco Barclays para a região e vê os países latinos bem posicionados para aproveitar o novo fluxo de recursos para países emergentes. E avalia o Brasil como um destaque.

"A economia brasileira está com um desempenho forte e, o mais importante, as “regras do jogo” aqui funcionam bem em comparação com outros mercados emergentes", diz à EXAME em entrevista em São Paulo durante o Barclays Day in Brazil no final de junho. "O Brasil tem feito um bom trabalho em se diferenciar [entre emergentes], embora o desafio fiscal continue sendo crítico."

Para ele, o país tem sido "bem-sucedido em separar política de negócios". "O que tornou a economia resiliente e orientada para o crescimento", afirma.

O executivo, que está no banco inglês desde 2012, também tem experiência pública: de 1999 a 2003, foi porta-voz do Ministério da Fazenda do México. Por isso, mesmo com a posição otimista, alerta para a necessidade de consolidação da situação fiscal.

"Nossa área de research indica que há riscos macroeconômicos, especialmente em relação à posição fiscal do Brasil. Essa posição fiscal é o 'elefante na sala'", afirma. "O Banco Central tem sido restritivo para controlar a inflação, e a tarefa dos governos atual e futuros é alcançar a consolidação fiscal para impedir que a relação dívida/PIB continue crescendo."

Na conversa com a EXAME, ele aponta que os países da região têm tudo para atrair recursos. "Os investidores sabem disso e estão em busca de oportunidades", afirma. "Precisamos dar bons motivos para que eles permaneçam em nossos países, independentemente do ciclo econômico."

Sobre o futuro do Barclays no Brasil, Martinez-Ostos diz querer executar transações inovadoras nas quais a instituição agregue valor.

"Não queremos ser 'só mais um banco' para uma emissão de dívida ou IPO. Queremos ser o banco que traz soluções inovadoras para desenvolver o mercado, e os retornos e receitas devem ser consequência dessa estratégia", afirma.

Confira a íntegra da entrevista.

Costumamos ver uma diferença entre as  perspectivas de investidores locais e estrangeiros sobre os países. Como você vê os efeitos das tarifas de Trump e dos riscos geopolíticos na América Latina e, em particular, no Brasil?

Muitas vezes vemos que os locais podem ser mais negativos em relação à sua economia do que os estrangeiros, e acho que isso é um pouco verdade no caso do Brasil. A economia brasileira está com um desempenho forte e, o mais importante, as “regras do jogo” aqui funcionam bem em comparação com outros mercados emergentes. O Brasil tem sido bem-sucedido em separar política de negócios, o que tornou sua economia resiliente e orientada para o crescimento.

Nossa área de research indica que há riscos macroeconômicos, especialmente em relação à posição fiscal do Brasil. Essa posição fiscal é o “elefante na sala”. O Banco Central tem sido restritivo para controlar a inflação, e a tarefa dos governos atual e futuros é alcançar a consolidação fiscal para impedir que a relação dívida/PIB continue crescendo.

Vocês se dizem construtivos sobre o país...

Sim, apesar desses desafios, estamos construtivos em relação ao Brasil. É uma economia impressionante, bem gerida, com mercados internos muito fortes e mercados financeiros profundos, provavelmente entre os mais sólidos dos emergentes. As empresas brasileiras estão bem preparadas para enfrentar a incerteza macroeconômica global.

Uma parte crítica para reforçar os fundamentos macroeconômicos do Brasil é a disciplina fiscal, que deve estar na linha de frente — e o governo entende essa tarefa.

A economia brasileira também é bem diversificada e não depende tanto da economia dos EUA como, por exemplo, o México. Isso dá mais liberdade para resistir a choques externos. No entanto, é muito importante implementar a estratégia de consolidação fiscal. Nossa previsão é que a economia brasileira cresça acima de 2% em 2025, após três anos muito fortes.

Você mencionou a dependência do México em relação aos EUA. O momento agora parece mais estável, mas como vocês se prepararam para o impacto das ameaças diretas de Trump, dado que o hub do Barclays na região está no México? 

Para nós, as ações de Trump não foram uma surpresa. Desde o início de sua campanha, ele foi muito claro sobre suas prioridades: controle de fronteiras, segurança e combate ao tráfico e consumo de drogas nos EUA.

Conhecendo-o como negociador, prevíamos que essas seriam partes integrais de suas primeiras negociações. Quando ele iniciou com as tarifas, dada a alta prioridade de segurança e imigração, seu foco inicial foi nos países vizinhos: Canadá e México.

Essa foi a mensagem-chave quando as tarifas começaram. À medida que a situação se desenrolava e após discussões com o governo mexicano, Trump percebeu a disposição para cooperar. A situação evoluiu para uma posição em que o México é um parceiro comercial-chave, junto com o Canadá, dentro de um dos acordos de livre-comércio mais fortes, o USMCA. Esse acordo vem se adaptando, e segurança e imigração serão componentes cruciais da sua renegociação.

Depósito de aço no México: para CEO do Barclays na América Latina, no médio prazo relação entre México e EUA deve se intensificar, apesar das volatilidade de curto prazo com as tarifas de Trump (Julio Cesar AGguilar/AFP/Getty Images)

E no médio prazo?

No médio prazo, espero que o bloco norte-americano se torne ainda mais forte e melhor posicionado globalmente. Embora o México dependa dos EUA, os EUA também precisam do México, especialmente porque o México atua como “fábrica” para muitas indústrias. Nomes importantes do setor financeiro, como Mark Rowan, da Apollo, acreditam que México e EUA continuarão sendo parceiros para sempre, pois estão entrelaçados. Acredito que, neste novo equilíbrio, após a resolução da questão das tarifas, o México estará em uma posição relativamente melhor como parte da estratégia comercial norte-americana.

Desafios e volatilidade vão persistir. No curto prazo, isso é doloroso para as empresas. A economia dos EUA deve desacelerar em 2025, enfrentando ventos contrários como força de trabalho, consumo e endividamento, com juros ainda elevados. Isso terá um impacto significativo na economia mexicana.

Nossa previsão é que a economia mexicana desacelere fortemente em 2025, crescendo 0,7%, com alguns até prevendo recessão — embora eu não acredite nisso. Essa desaceleração deve se amenizar gradualmente em 2026, com a recuperação da economia dos EUA. A correlação entre as economias americana e mexicana é extremamente alta.

A América Latina tem registrado baixas taxas de crescimento por décadas, especialmente se comparada à Ásia. O que seria necessário para a região atingir um ritmo de crescimento mais alto e sustentável?

Há consenso entre os economistas de que o essencial é reduzir a distância entre os objetivos do governo (do ponto de vista de políticas públicas) e o setor privado. Isso envolve criar um ambiente no qual investidores locais e internacionais possam coexistir e colaborar. É preciso definir projetos, torná-los financiáveis e atrativos em diversos setores, e compreender o papel do governo na criação de um ambiente que gere retornos necessários para os investidores.

Temos trabalhado ativamente nisso na região. Por exemplo, recentemente tivemos um jantar com três estados brasileiros e uma cidade, que apresentaram seus projetos. Foi interessante ver o foco deles em construir as bases para que bancos, investidores e outros atores participem de projetos nos setores de saneamento, infraestrutura, energia elétrica, turismo e imóveis. O mesmo ocorre no México e em países como Panamá, Colômbia, Peru e Chile.

Se não conseguirmos fomentar parcerias público-privadas de alguma forma, as economias não poderão crescer. Os governos precisam entender seu papel, e o setor privado deve suportar períodos de volatilidade. Precisamos observar novas empresas e oportunidades, analisar com cuidado e focar onde podemos agregar valor. O clima é muito positivo, mas definitivamente precisamos redobrar o esforço em novas oportunidades.

As taxas de juros nos EUA afetam o fluxo de capital para mercados emergentes. Como avalia a política monetária nos EUA?

Eu dividiria a resposta em duas partes: política monetária e reação dos investidores. Em relação à política monetária, a expectativa é de que as taxas nos EUA permaneçam altas por um período prolongado. Será interessante observar como os demais bancos centrais vão reagir.

Vimos um grande volume vindo para o Brasil e outros países neste ano, e o Brasil parece bem-posicionado em relação a outros emergentes. Como vê o país?

A realidade é que há um certo aumento de cautela em relação aos EUA como classe de ativo, por conta de possíveis desafios com a dívida e riscos geopolíticos nos próximos anos. Há um movimento global de risk-off em relação aos EUA. O volume de liquidez global é enorme, e se os EUA se tornarem um ativo mais arriscado — mesmo que as pessoas não saiam dramaticamente — esse movimento beneficia os mercados emergentes. O Brasil tem feito um bom trabalho em se diferenciar, embora o desafio fiscal continue sendo crítico.

E a América Latina, em geral?

O Brasil e outras economias latino-americanas estão relativamente bem-posicionadas em relação a outros emergentes, apesar dos seus riscos e preocupações. Os investidores sabem disso e estão em busca de oportunidades. Precisamos dar bons motivos para que eles permaneçam em nossos países, independentemente do ciclo econômico. Este é um período em que há mais cautela com os EUA e os investidores estão em busca de retornos em mercados emergentes — uma grande oportunidade para nós.

Em suas conversas no Brasil, quais setores ou projetos específicos você tem observado?

No Brasil, nossos setores de foco incluem infraestrutura, energia e eletricidade. Na agenda de sustentabilidade, muito importante para o Brasil, estamos profundamente comprometidos com metas ambiciosas, vendo o país como oportunidade de ganhar relevância.

No setor financeiro, vemos grande valor em apoiar bancos brasileiros, que são muito sólidos e bem capitalizados. Podemos contribuir em captação de capital e crescimento estratégico. O setor imobiliário é uma área na qual temos sucesso na região, especialmente no México, e que se relaciona com infraestrutura.

No quesito parcerias com grandes investidores globais, temos relações fortes com fundos como CDPQ, GIC, CPP (fundos de pensão canadenses) e fundos soberanos presentes no Brasil. Podemos ajudá-los a identificar oportunidades. Em mineração somos um dos grandes players no setor e, em transporte, somos, de longe, o principal banco em cobertura de companhias aéreas, um setor desafiador, mas cheio de oportunidades.

Qual é a ambição e o objetivo da operação da Barclays no Brasil?

As pessoas muitas vezes se fixam demais em número de funcionários. Nossa equipe de América Latina — incluindo profissionais em Nova York, México e Brasil — está muito focada no Brasil. Do ponto de vista de produto, temos todos os recursos necessários.

Se eu tivesse que definir um plano de médio prazo, diria que queremos executar transações inovadoras nas quais realmente agregamos valor. Não queremos ser “só mais um banco” para uma emissão de dívida ou IPO. Queremos ser o banco que traz soluções inovadoras para desenvolver o mercado, e os retornos e receitas devem ser consequência dessa estratégia.

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Em quais áreas?

Queremos ser o banco associado à sustentabilidade quando se fala em Brasil e COP30. Queremos que os governos, estaduais e federal, entendam que o Barclays pode trazer caminhos positivos de crescimento para o país. Também queremos que o Brasil reconheça o Barclays como um líder em negociação e formação de mercado de títulos brasileiros.

Entendemos e respeitamos o sucesso dos bancos locais e internacionais já estabelecidos aqui. Nossa abordagem é diferente, até um pouco disruptiva; não teremos 400 banqueiros no país no curto prazo, mas seremos muito focados em áreas específicas, como necessidades climáticas. Nossa estratégia é sermos reconhecidos por apoiar negócios muito interessantes ao longo do tempo. Já realizamos diversos negócios nos setores de infraestrutura, mineração e transporte .

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