Governo estuda reduzir de 30 dias para dois dias o prazo para que os supermercados, bares e restaurantes recebem os valores das vendas feitas por meio do vale-refeição (VR) e vale-alimentação (VA) ( Rapeepong Puttakumwong/Getty Images)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 18 de junho de 2025 às 15h00.
O governo avalia a possibilidade de limitar a taxa de desconto — conhecida no mercado como MDR (Merchant Discount Rate) — abaixo de 4%, cobrada de bares, restaurantes e supermercados em transações com vale-refeição (VR) e vale-alimentação (VA), segundo técnicos da equipe econômica envolvidos na discussão ouvidos pela EXAME. O mercado de benefícios para alimentação dos trabalhadores movimenta R$ 150 bilhões.
O debate é conduzido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), responsável por regulamentar o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que define as regras para que as empresas ofereçam o VR e o VA aos trabalhadores. O Ministério da Fazenda também participa desse debate e defende que a taxa fique abaixo dos 4%. Segundo um dos técnicos, a possibilidade em discussão entre as pastas é que a taxa seja fixada em 3,5%. A decisão final sobre tema, entretanto, será tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em meio ao debate entre as pastas, o Ministério do Trabalho recebeu duas propostas das entidades que representam as empresas do setor. A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa os arranjos fechados como Alelo, Sodexo, Ticket e VR, sugeriu ao governo limitar a taxa de desconto em 4,99% e reduzir o prazo de repasse dos valores das vendas dos atuais 30 dias para 21 dias.
Já a Câmara Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (CBBT), que representa empresas de arranjos abertos como Caju, Flash e Swile, sugeriu ao governo fixar a taxa em 4,18% e reduzir o prazo para repasse aos lojistas para 25 dias no primeiro ano e, no quinto ano, diminuir para dois dias.
Uma reunião com representantes das empresas que participam de todas as cadeias desse setor foi convocada pelo Ministério do Trabalho para 24 de junho. Além da ABBT e da CBBT, são esperados representantes da Zetta, Abipag, Abrasel, das bandeiras de cartão, dos supermercados e dos restaurantes.
Além de debater a limitação da taxa de desconto e a redução do prazo para repasse das vendas aos lojistas, a expectativa é que a criação de regras para a interoperabilidade seja discutida na reunião.
A ideia do governo era publicar um decreto presidencial, até o fim de junho, com as novas regras para o setor. Entretanto, o imbróglio fiscal em curso, com o Congresso pressionando o governo por corte de gastos ao invés de elevação de impostos, tem adiado uma decisão sobre a taxa de desconto do VR e do VA. Segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não foi possível se reunir com a Fazenda para bater o martelo sobre o tema. Na prática, com a crise das contas públicas, o tema ficou em segundo plano, apesar desse debate ter começado em janeiro de 2025.
Quando um supermercado, um bar ou um restaurante faz uma venda no cartão, ele sofre uma taxa de desconto sobre o valor recebido. Essa taxa serve para remunerar os três elos da cadeia de cartões: a maquininha, o banco emissor do cartão e a bandeira (Mastercard, Visa e Elo são as maiores do país). A empresa de maquininhas é responsável por recolher a taxa e repassá-la aos demais.
No caso do setor de benefícios, as empresas tradicionais, como Alelo, Sodexo, Ticket e VR, atuam no mercado por meio de um arranjo fechado de pagamento e definem o próprio MDR.
Cada empresa tem liberdade para definir sua taxa de desconto e esses dados não são públicos. Com isso, as empresas de arranjos fechados são a bandeira e o emissor do cartão. A empresa de maquininha é apenas um instrumento tecnológico em que as vendas são processadas e é remunerada para isso.
Não existem dados públicos sobre o percentual médio do MDR cobrado no Brasil pelas empresas de benefícios.
Quem acompanha o mercado afirma que esse percentual pode ultrapassar os 7%. A ABBT afirma que a taxa entre os associados varia entre 3,5% e 4,5%. No caso do cartão de crédito, a taxa média de desconto era de 2,27% no quarto trimestre de 2024, segundo dados do Banco Central (BC). No mesmo período, no débito, o percentual era de 1,09%.
As empresas de arranjos fechados afirmam que têm custos superiores diante da necessidade de credenciar os estabelecimentos e da necessidade de fiscalizar se bares, restaurantes e supermercados cumprem as regras determinadas pelo Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). A venda de bebidas alcoólicas, por exemplo, é proibida por meio de VR e VA e, caso isso ocorra, o lojista pode ser descredenciado.
Além das empresas de arranjos fechados, atuam no mercado de VR e VA companhias de arranjos abertos. Nesse caso, essas empresas são apenas emissores do cartão e se organizam por meio do mercado tradicional de pagamentos em que há uma bandeira, um emissor e uma maquininha de cartão. Dessa forma, não são as empresas de arranjo aberto que definem o MDR.
Segundo executivos de mercado, quase metade do volume de benefícios de vale-refeição e alimentação são contratados pelo setor público. E os órgãos municipais, estaduais e federais, por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), têm garantia contratual de pagar as empresas de benefícios 30 dias após o crédito dos valores nos vale-refeições e vale-alimentações dos trabalhadores.
Na prática, a redução do prazo para repasse dos pagamentos aos lojistas afetaria significativamente o fluxo de caixa das empresas de benefícios. Alguns deles alertaram que a mudança desse prazo pode quebrar várias empresas. Com isso, se o governo optar pelas mudanças, avaliam executivos do setor, seria necessário um cronograma com prazos para garantir a saúde financeira das empresas.
O setor de VR e VA foi dragado para a crise dos alimentos após a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) alegar, em reunião com o presidente Lula e ministros em janeiro, que as empresas de benefícios cobram taxas dos lojistas que podem chegar a 15%, quando consideradas transações, taxas de administração, adesão e antecipação de recebíveis.
Segundo a Abras, essas taxas são repassadas aos preços dos alimentos, o que encarece o preço do produto final.
A proposta apresentada pela entidade prevê que o PAT seja operado diretamente pelo governo, eliminando as empresas de benefícios, via pagamento do valor do benefício em conta salário.
Segundo a entidade, esse modelo, sem um intermediário, representaria uma economia em taxas para os supermercados de R$ 10 bilhões por ano, "que poderiam ser revertidos para redução do custo da alimentação". Essa proposta é rechaçada tanto pela ABBT quanto pela CBBT.