Donald Trump e Xi Jinping devem se encontrar na Coreia do Sul nesta quinta-feira (30) (Montagem/AFP)
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Publicado em 27 de outubro de 2025 às 20h44.
Após meses de escalada tarifária e discursos inflamados, Estados Unidos e China parecem caminhar para uma nova trégua comercial. O presidente Donald Trump afirmou que as duas maiores economias do mundo estão “prontas para alcançar um acordo”, em meio à sua turnê pela Ásia. A declaração vem dias antes de um aguardado encontro com o presidente Xi Jinping, previsto para ocorrer na Coreia do Sul nesta quinta-feira (30).
O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, afirmou à imprensa que os dois países chegaram a uma “estrutura substancial” para discussão entre os líderes, o que inclui a suspensão temporária das tarifas de 100% sobre produtos chineses e um adiamento dos controles de exportação da China. Também deve entrar na pauta o acordo para a transferência da operação do TikTok para controle norte-americano, além de temas sensíveis como Taiwan, fentanil e exportações agrícolas.
Para o jurista Cláudio Finkelstein, coordenador de Direito Internacional Econômico da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o conflito atual reflete o colapso do sistema multilateral de comércio. “O modelo regido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) já não existe. A imposição unilateral de tarifas pelos Estados Unidos rompeu a lógica que sustentava a governança global desde o pós-guerra”, afirma.
Ele lembra que, embora o abandono desse modelo tenha começado ainda no governo de Barack Obama, foi com Trump que as práticas unilaterais atingiram “níveis pré-Primeira Guerra Mundial”.
Mesmo assim, Finkelstein acredita que a interdependência econômica entre os dois países deve forçar uma reaproximação. “São economias que não sobrevivem distantes por muito tempo. O governo americano provavelmente vai se declarar vencedor e propor novas bases para o comércio global. Dali, pode surgir um novo marco para as relações multilaterais”, pondera.
Oportunidade para países emergentes
Na avaliação da economista Simone Deos, conselheira do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP), o próprio reconhecimento de Trump de que tarifas de 100% “não são sustentáveis” revela um pragmatismo forçado pelas pressões domésticas. “Quanto maiores as tarifas, maior o impacto na inflação americana. Mesmo com a tentativa de reindustrialização, substituir produtos chineses por americanos encarece a produção. O custo acaba recaindo sobre o consumidor”, explica.
Ela aponta que, para países emergentes, o redirecionamento das exportações chinesas pode gerar efeitos ambíguos. “A curto prazo, há uma tendência de queda nos preços de produtos industrializados, o que ajuda a conter a inflação. Mas é essencial que o Brasil aproveite essa oportunidade de forma estratégica, investindo em valor agregado e tecnologia — não apenas aprofundando o papel de fornecedor de commodities.”
Felipe Sant’Anna, especialista em investimentos do grupo AXia Investing, também vê espaço para uma acomodação entre as potências. “A fala de Trump é mais política que financeira. Ele sabe que é melhor ter a China como aliada do que como inimiga. As bolsas reagiram positivamente, mostrando que o mercado aposta em uma negociação”, diz.
Para o Brasil, no entanto, a disputa exige cautela. “Somos muito eficientes em perder oportunidades. Precisamos aproveitar o momento para fortalecer a indústria e reduzir a dependência de exportações primárias. Mas também é fundamental evitar desgastes diplomáticos com os Estados Unidos, que podem retaliar aliados de Pequim”, alerta Sant’Anna.
Mesmo com a perspectiva de um acordo, especialistas concordam que as tensões sino-americanas não serão resolvidas a curto prazo. O comércio global caminha para um novo equilíbrio, menos baseado em cadeias de valor altamente integradas e mais focado na segurança produtiva de cada país. Como observa Simone Deos, “a pandemia e a guerra comercial revelaram a fragilidade desse modelo globalizado. A tendência agora é de reconstrução — lenta, mas inevitável — das bases da economia mundial.”