A região de Vaca Muerta já produz mais de 440 mil barris por dia e deve ultrapassar a marca de 1 milhão até 2027, patamar comparável a países da Opep (Cristian Martin/Getty Images)
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Publicado em 4 de setembro de 2025 às 19h52.
O governo uruguaio planeja propor a construção de um gasoduto que cruza o território do país para levar gás natural do megacampo de xisto Vaca Muerta, na Argentina, até o Brasil. O projeto, que deve ser apresentado a investidores e governos vizinhos, tem previsão de início até 2030 e busca posicionar o Uruguai como rota estratégica na integração energética da região.
A proposta uruguaia surge em um momento em que a Argentina estuda diferentes alternativas para escoar a produção de Vaca Muerta. O Paraguai já negocia com a Argentina um gasoduto orçado em US$ 1,9 bilhão que também chegaria ao Brasil. Paralelamente, a Argentina trabalha na expansão do gasoduto Néstor Kirchner, cuja segunda fase pode alcançar a fronteira de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.
Estrategicamente, o Brasil enfrenta a necessidade de diversificar suas fontes de gás natural, diante do declínio da produção boliviana, que há décadas é a principal fornecedora. A entrada do gás argentino poderia não apenas reduzir essa dependência, mas também garantir preços mais competitivos, em linha com a ampliação da oferta regional.
Existe, ainda, espaço para que empresas brasileiras participem da cadeia de fornecimento de equipamentos e serviços – inclusive com apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que já estuda financiar parte da infraestrutura ligada à Vaca Muerta.
Competitividade
Do ponto de vista uruguaio, a estabilidade política e a infraestrutura já conectada à Argentina são trunfos para atrair confiança internacional. A ministra da Indústria e Energia, Fernanda Cardona, destacou à imprensa que o país também pretende usar parte do gás importado para reforçar sua indústria doméstica.
Nelson Rocha, diretor da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), avalia que o impacto sobre a competitividade do gás dependerá do custo final do projeto, mas vê vantagens em relação ao gás natural liquefeito (GNL), mais caro.
“O gás vindo por gasoduto pode ser mais competitivo do que o GNL importado, desde que a amortização dos investimentos seja viável. Essa conta precisa ser feita para ver o que é mais interessante para o Brasil”, afirma. Ele lembra que, apesar de ser um combustível fóssil, o gás natural deve ser considerado uma fonte de transição energética, especialmente em um país cuja matriz elétrica já é majoritariamente renovável.
Riscos
Na visão de Rocha, os efeitos sobre a balança comercial também tendem a ser positivos. “No curto prazo, o Brasil se beneficia pela venda de produtos e serviços ligados à construção. No longo prazo, pode reduzir a importação de gás mais caro, o que melhora a balança comercial”, explica.
Para ele, o projeto pode configurar uma situação “ganha-ganha”, favorecendo a integração regional e a harmonização de regras regulatórias, embora ressalte os riscos geopolíticos e a necessidade de avaliar cuidadosamente o custo total da obra.
Entre os riscos envolvidos no processo, o fraturamento hidráulico – técnica que sustenta a exploração em Vaca Muerta – é alvo de críticas ambientais, sendo associado à contaminação de água e solo e à emissão de metano, um potente gás de efeito estufa. Nelson Rocha reconhece os desafios, mas defende que o gás deve ser usado como combustível de transição.
“Não se troca de uma hora para outra uma matriz fóssil por uma limpa. É preciso conviver com fontes intermediárias, e o gás é menos poluente que alternativas como o diesel”, afirma.
O papel do Brasil deve, segundo o diretor, incluir não apenas a análise estratégica e econômica, mas também condicionar qualquer participação financeira a salvaguardas ambientais. “Se o BNDES for o banco financiador, precisa exigir cláusulas que reduzam riscos climáticos e ambientais, como mecanismos de prevenção contra vazamentos e contaminação de água”, pondera.
Considerada a segunda maior jazida de gás de xisto do mundo, a região de Vaca Muerta já produz mais de 440 mil barris por dia e deve ultrapassar a marca de 1 milhão até 2027, patamar comparável a países da Opep.