Embora o desemprego esteja no menor nível da série histórica, a qualidade dessa recuperação e o efeito da Selic sobre o crédito mantêm o risco de endividamento em alta (marchmeena29/Getty Images)
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Publicado em 18 de novembro de 2025 às 20h53.
A combinação de juros elevados e um mercado de trabalho com grande participação da informalidade preocupa economistas e deve continuar pressionando o orçamento das famílias brasileiras no próximo ano. Embora o desemprego esteja no menor nível da série histórica, a qualidade dessa recuperação e o efeito da Selic sobre o crédito mantêm o risco de endividamento em alta.
Entre abril e junho de 2025, a taxa de desemprego caiu para 5,8%, o menor resultado desde 2012, segundo a PNAD Contínua Mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 31 de julho. No mesmo período, a informalidade atingiu 37,8%, o equivalente a 38,7 milhões de trabalhadores, mesmo com o aumento no número de empregados sem carteira assinada (13,5 milhões) e de autônomos com CNPJ.
Apesar de ser a segunda menor taxa já registrada, o volume de brasileiros fora das relações formais segue elevado e afeta a previsibilidade de renda e capacidade de poupança.
Com a Selic em 15%, o custo do crédito permanece alto e reduz a margem de manobra das famílias, especialmente as de renda variável e com orçamento mais apertado. Para a economista e educadora financeira Lai Santiago, parte do problema está no descompasso entre a percepção popular sobre juros e o impacto real no dia a dia.
“Existe uma consciência de que juros altos pesam no bolso, mas pouca clareza sobre como a Selic repercute no cotidiano. Formalmente, a Selic elevada encarece o custo do crédito nas instituições financeiras, que repassam esse custo para o consumidor, e contribui para que parte da renda familiar seja consumida apenas no serviço da dívida. Mas, para o consumidor médio, esse encadeamento não é necessariamente transparente”, explicou.
A economista destaca que a compressão do orçamento pela tomada de créditos junto ao sistema bancário torna mais difícil lidar até mesmo com pequenos deslizes de consumo. Isso interfere no poder de compra das famílias e, consequentemente, no dinheiro que circula na economia brasileira.
“Como os juros praticados no mercado hoje estão exorbitantes, é mais difícil para uma família ajustar o peso dos empréstimos no orçamento, o que permite menos espaço não só para guardar para imprevistos e compras essenciais, mas também para que as pessoas sejam absolutamente humanas e escorreguem com uma compra impulsiva”.
Para 2026, analistas projetam que a dinâmica entre juros altos e informalidade seguirá determinante para a saúde financeira das famílias, ainda que o mercado de trabalho esteja aquecido. Sem melhora consistente na renda e na formalização, o risco é de que mais brasileiros dependam de crédito caro para atravessar o mês, mantendo elevado o nível de vulnerabilidade econômica.
O cenário preocupa também pela natureza estrutural do endividamento. Segundo Santiago, o problema vai além da ideia de consumo excessivo.
“O endividamento é um problema estrutural complexo e multifatorial. Não é um problema de consumo desenfreado, na grande maioria dos casos. São muitas as causas... a inflação persistente de bens essenciais, os juros elevados, associados a linhas de crédito automáticas/acessíveis de alto custo, com uma comunicação mais agressiva, instabilidade de renda e informalidade.”
Sem renda estável, consumidores informais reduzem compras planejadas, evitam parcelamentos longos e priorizam apenas itens essenciais, o que limita a recuperação das vendas em segmentos como vestuário, eletrodomésticos e móveis, setores tradicionalmente sensíveis ao crédito. Somado a isso, consumidores comprometidos com dívidas caras, especialmente as de crédito rotativo e empréstimos pessoais, têm menos espaço para gastos discricionários e tendem a postergar compras maiores.