Após ser votada na Câmara dos Representantes, a decisão pelo fim do shutdown deverá ser sancionada pelo presidente Donald Trump (ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP)
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Publicado em 11 de novembro de 2025 às 21h40.
O governo dos Estados Unidos aprovou o fim da paralisação dos serviços do governo federal na última segunda-feira, 10, que marcou o 41º dia de shutdown, no episódio mais longo da história americana. A decisão segue para a Câmara dos Representantes, que deve votar na quarta-feira, 12, e só então deverá ser sancionada pelo presidente Donald Trump — o último passo para encerrar o processo.
O impasse entre democratas e republicanos sobre o orçamento federal já afeta 40 aeroportos, que restringem partidas e chegadas por falta de controladores de tráfego aéreo, e começa a repercutir nos mercados internacionais. Economistas alertam que, mais do que uma crise administrativa, o shutdown representa um sinal de fragilidade institucional da maior economia do mundo, com potenciais efeitos sobre o câmbio, o comércio global e os investimentos em países emergentes, como o Brasil.
“Historicamente, essas paralisações tinham efeitos de curto prazo, mas o cenário atual é diferente. O governo americano enfrenta uma lacuna estatística sem precedentes — sem dados oficiais de emprego, inflação ou produção, o Federal Reserve fica no escuro para ajustar a política monetária”, explica Natalie Verndl, delegada do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP).
“Isso ocorre em meio a um ambiente de crescente risco fiscal, dívida elevada e juros longos pressionados, o que amplia a incerteza e a instabilidade institucional”, acrescenta.
‘Guerra orçamentária’
A falta de acordo no Congresso sobre os subsídios do sistema de saúde, defendidos pelos democratas e criticados por Donald Trump, vinha bloqueando o orçamento federal. A disputa transformou-se em uma “guerra orçamentária”, nas palavras de Verndl, e transmite ao mercado a sensação de um governo incapaz de assegurar o funcionamento básico de suas instituições.
O economista Gustavo Casseb Pessoti, conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), destaca que, embora shutdowns anteriores tenham custado pouco em termos de Produto Interno Bruto (PIB), o contexto de 2025 é mais vulnerável.
“O cenário combina inflação persistente, desaceleração do mercado de trabalho e juros altos. Um shutdown tão prolongado agrava esses fatores e mina a confiança dos investidores. Estima-se que a paralisação possa custar entre 10 e 15 bilhões de dólares por semana”, afirma.
Para economias emergentes, os efeitos vêm em cascata. A incerteza leva investidores a buscar ativos mais seguros, fortalecendo o dólar e pressionando moedas locais. “O real tende a se enfraquecer, o que encarece importações e eleva custos de produção no Brasil. Também há menor fluxo de capital estrangeiro e aumento da volatilidade nas taxas de juros internas”, observa Pessoti.
Os setores brasileiros mais expostos são os ligados a exportações e cadeias produtivas com os Estados Unidos. “Agroexportadores de carne, café e suco de laranja, além da indústria aeroespacial, como a Embraer, podem sentir os primeiros impactos”, diz Natalie Verndl. Segundo ela, atrasos em inspeções e certificações americanas podem desorganizar cronogramas logísticos e elevar custos.
O especialista em Investimentos do grupo Axia Investing, Felipe Sant’Anna, lembra que o impasse ocorre em um ambiente de polarização extrema e fragilidade política em Washington. “Todos os anos, democratas e republicanos negociam o teto da dívida, mas desta vez o nível de disputa e falta de diálogo é inédito. Isso deixa o governo e o mercado literalmente no escuro”, pondera. Para ele, a incerteza sobre dados oficiais de inflação e emprego dificulta projeções sobre juros e decisões de investimento.
Na visão de Sant’Anna, o impacto sobre o Brasil vai além do câmbio. “Vivemos um momento de boa performance da Bolsa, mas isso se deve mais à queda dos juros nos EUA e à super Selic de 15% do que a um ambiente interno robusto. O país precisa lidar com o novo xadrez global com pragmatismo — o alinhamento automático a potências rivais, como China e Rússia, não traz segurança diante de uma crise institucional americana.”
A continuidade da paralisação, segundo os analistas, eleva o risco de perda de credibilidade do sistema político americano e, por consequência, do próprio dólar como ativo de referência global. “Se a maior economia do mundo mostra incapacidade de manter suas funções básicas, o custo da confiança internacional aumenta”, resume Verndl.