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André Corrêa do Lago, presidente da COP30, entre Ana Toni, CEO da conferência, e Túlio Andrade, estrategista-chefe do Brasil, após plenária sobre os documentos divulgados na madrugada desta sexta-feira. (Leandro Fonseca /Exame)
Editora ESG
Publicado em 21 de novembro de 2025 às 16h57.
Última atualização em 21 de novembro de 2025 às 17h04.
Um incêndio que forçou a evacuação da Zona Azul da COP30 na quinta-feira, 20, seguido de um rascunho de texto que ignora o compromisso de abandonar combustíveis fósseis, colocou as negociações climáticas de Belém em rota de colisão.
Nesta sexta-feira, 21, a União Europeia, por exemplo, ameaçou formalmente deixar a conferência sem acordo - um cenário raro e constrangedor para o Brasil, que assumiu a presidência da cúpula prometendo liderança climática.
A sequência de eventos expõe as principais fragilidades na condução brasileira do processo e reaviva dúvidas sobre a real capacidade do país de intermediar consensos entre potências econômicas e nações em desenvolvimento.
O incêndio que tomou o pavilhão central comprometeu as negociações para além da interrupção logística. Embora a organização tenha reaberto a Zona Azul ainda na noite do mesmo dia e feito enorme esforço para demonstrar normalidade, os bastidores contam outra história.
"Mesmo após a liberação do espaço, as reuniões técnicas sobre os textos não foram retomadas", revelou um negociador brasileiro à EXAME, sob condição de anonimato. "Perdemos ao menos seis horas".
O episódio se deu em momento dos mais inoportunos: faltavam horas para a divulgação de uma nova versão dos rascunhos - incluindo o esperado texto do Mutirão - que deveriam orientar a reta final da conferência.
Quando os documentos finalmente vieram a público, a reação foi imediata. A omissão frustrou um bloco de aproximadamente 80 países que esperavam ver o tema avançar em Belém, e não retroceder.
Negociadores confirmaram à EXAME que a reação foi generalizada e atravessou as tradicionais divisões entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento.
O chefe de clima da União Europeia, Wopke Hoekstra, não poupou palavras ao avaliar a proposta brasileira, declarando à AFP: "O que está na mesa agora é inaceitável. E, dado que estamos tão distantes de onde deveríamos estar, é lamentável dizer, mas realmente estamos diante de um cenário de falta de acordo."
A ministra do meio ambiente da Colômbia, Irene Velez: países produtos de petróleo travam acordo (Leandro Fonseca/Exame)
A ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, Irene Vélez, também fez duras acusações direcionadas espeficiamente para a liderança da COP30:
"A presidência não está disposta a abordar as questões que estamos tentando colocar na mesa. Estamos sendo forçados a abordar apenas o que já estava no primeiro rascunho. Isso não é aceitável."
Quando questionada sobre quais países estariam de fato obstruindo as negociações, a ministra não foi direta e mencionou países produtores de petróleo. E completou: "A causa raiz deste problema são os combustíveis fósseis. Como não estamos lidando com isso?"
O cerne da insatisfação está na ausência de qualquer menção ao compromisso firmado na COP28, em Dubai, de transição rumo ao abandono dos combustíveis fósseis.
O acordo de 2023, celebrado como histórico por finalmente nomear a causa central da crise climática, já havia sido omitido na COP29, em Baku, gerando forte crítica internacional.
A expectativa era que a presidência brasileira corrigisse o rumo em Belém. O que não aconteceu, visto que o tema de certa forma "desaparece" agora também da proposta apresentada pelo Brasil.
O acordo de 2023 já havia sido omitido em Baku. A expectativa era que Belém corrigisse o rumo. Não aconteceu.
Há ainda outra polêmica no rascunho: a proposta vincula recursos para adaptação à flexibilização de compromissos de mitigação. Ou seja, menos ambição climática em troca de dinheiro.
A tentativa de barganha foi recebida pelos europeus como chantagem diplomática."Isso está longe da ambição de que precisamos em mitigação", reagiu Hoekstra. "Qualquer linguagem sobre financiamento deve estar alinhada com o compromisso alcançado no ano passado."
Diante da repercussão, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, convocou pela manhã uma sessão informal de balanço dos documentos publicados. O tom foi de apelo urgente à cooperação.
"Sabemos quantos obstáculos existem para colocar o Acordo de Paris em prática e como é difícil chegar a consenso", afirmou em seu pronunciamento. "Mas não podemos esquecer que o consenso, que às vezes exaspera analistas, delegados e tantas pessoas, é a força deste regime."
Embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30: diplomata corre contra o tempo para criar consenso para um acordo final (Leandro Fonseca/Exame)
O embaixador pediu ainda que as delegações mantivessem a coesão nos momentos finais. "Precisamos preservar este espírito de cooperação, não com a lógica de quem vai ganhar ou perder. Se não fortalecermos o Acordo de Paris, todos irão perder."
Por fim, lembrou que a solução não passa pela vontade do Brasil apenas: "Não se trata do que o país anfitrião quer ou não: a presidência precisa chegar a um acordo que seja bom para todos nós."
Observadores veteranos que acompanham o circuito completo das negociações climáticas - das reuniões técnicas preparatórias às COPs - já alertavam que o Brasil não tem os pesos político e financeiro necessários para comandar esta agenda, até porque sua própria economia ainda depende fortemente do petróleo.
Logo, o desdobramento das negociações, combinado aos problemas de infraestrutura e segurança que marcaram a conferência, expôs algo mais: o hiato entre a ambição e os compromissos cobrados de outros países e suas práticas e decisões internas.
Algumas dessas contradições podem ser evidenciadas por episódios recentes.
Como anfitrião e presidente do G20 no Rio de Janeiro, realizado simultaneamente à COP29 de Baku em novembro passado, o Brasil articulou uma declaração final que evitou mencionar explicitamente o abandono dos combustíveis fósseis - alinhando-se, na prática, aos petroestados.
Já em agosto deste ano, nas negociações para o Tratado Internacional do Plástico em Genebra - que terminaram sem acordo -, a postura brasileira novamente foi criticada por ambientalistas, que acusaram o país de ter se alinhado a nações petroleiras para bloquear limites à produção.
E há exatos 20 dias, quando faltavam três semanas para a abertura da COP30, o governo brasileiro autorizou a Petrobras a perfurar na Margem Equatorial - decisão que gerou manchetes internacionais e minou a narrativa de liderança climática que o país tentava construir.
Na última quarta-feira, 19, o presidente Lula retornou à conferência numa tentativa de reforçar as credenciais climáticas brasileiras.
Sua chegada ocorreu uma semana após a ONU enviar uma carta formal ao governo cobrando soluções urgentes para falhas de segurança, infraestrutura precária e problemas estruturais que marcaram a COP30.
Lula aproveitou o momento para reafirmar a importância de sediar a conferência em Belém, mas também para defender a transição energética.
"Se o combustível fóssil é uma coisa que emite muitos gases, nós precisamos começar a pensar como viver sem combustível fóssil e construir a forma de como viver. E falo isso com muita vontade, porque sou de um país que tem petróleo", declarou, num discurso que pareceu alimentar perspectivas promissoras.
Conflitos e impasses são esperados em uma conferência que reúne mais de 190 países com interesses divergentes, todos precisando chegar a um consenso. A própria arquitetura das COPs, na qual decisões exigem unanimidade e cada nação possui poder de veto, torna o processo naturalmente complexo e lento.
Desde o início da cúpula de Belém, havia alertas sobre o andamento das negociações. Agora, porém, o cenário se agravou. E não somente com a transição energética apenas citada como necessária, sem metas concretas, cronogramas ou atribuição clara de responsabilidades. Outros temas fundamentais também permanecem em discussão sem avanços significativos.
Assim, o que se desenha não é apenas uma COP com conquistas menos evidentes do que o esperado, mas com o risco real de conclusão sem resultados substantivos - um desfecho que frustraria as expectativas globais depositadas na urgência da agenda climática e na liderança brasileira.