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Biocombustíveis de açaí e babaçu são alternativa viável ao petróleo no Pará, defendem especialistas

No Fórum Varanda da Amazônia, em Belém, debate mostra que tecnologias estão prontas, mas burocracia e falta de energia nas regiões produtoras travam solução sustentável

Especialistas debateram os desafios da transição energética e a exploração da margem equatorial durante o Fórum Varanda da Amazônia, em Belém (Sofia Schuck)

Especialistas debateram os desafios da transição energética e a exploração da margem equatorial durante o Fórum Varanda da Amazônia, em Belém (Sofia Schuck)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 8 de outubro de 2025 às 18h00.

Última atualização em 8 de outubro de 2025 às 22h52.

*De Belém do Pará 

"O futuro da Amazônia não está no petróleo, e sim num plano de desenvolvimento regional com floresta em pé e economia de baixo carbono", destacou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, em entrevista à EXAME durante o Fórum Varanda da Amazônia, evento idealizado pela Fafá de Belém na capital do Pará e às vésperas do Círio de Nazaré.

Enquanto a região aguarda decisão do Ibama sobre a exploração da Margem Equatorial , especialistas debateram alternativas viáveis rumo à transição energética justa. 

A menos de 40 dias da COP30, o consenso é de que o Brasil tem uma oportunidade única de liderar a agenda climática em várias frentes.

"É hora de mostrar a capacidade brasileira de dialogar e colocar o Brasil, a Amazônia e até a humanidade em debate sobre o futuro do planeta. O mundo tropical produz mais da metade da comida— e só faz isso porque tem floresta. Cuidar desses ativos é nossa responsabilidade", disse André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

O Brasil é hoje o 8º maior produtor de petróleo do mundo, com 4,5 milhões de barris por dia, e exporta mais da metade dessa produção.

"A discussão não é sobre autossuficiência, nós já somos há bastante tempo. A questão é se queremos continuar expandindo e abrindo novos poços petrolíferos em plena crise climática", refletiu Suely.

Mas se não é petróleo, o que seria? Para os especialistas, a resposta pode estar na floresta: biocombustíveis produzidos a partir de ativos naturais como açaí, babaçu, dendê e coco.

A aposta é de desenvolvimento limpo e inclusivo, mas que ainda esbarra em entraves burocráticos, falta de acesso a energia para processar a matéria-prima natural e investimentos ainda 'tímidos' se comparados aos destinados aos combustíveis fósseis.

"É possível desenvolver sem destruir. Uma decisão sustentável na Amazônia pode ser uma alternativa limpa e viável, que envolva os povos tradicionais na produção e não afete a biodiversidade", defendeu Eliana Cabeza, servidora da Agência de Regulação do Estado do Pará (Arcon).

Alex Carvalho, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), defende que não é preciso escolher entre petróleo e renováveis. Segundo ele, a exploração do Bloco 59 geraria 52 mil novos empregos e R$ 2,7 bilhões na economia paraense.

"Não se trata de um ou outro. Precisamos ter um planejamento efetivo para a transição e que o Brasil seja pioneiro em biocombustíveis. Isso não exclui outras alternativas", argumentou.

Para Carvalho, o pragmatismo é necessário para tirar 45% da população da linha da pobreza.

"O Brasil é muito complexo, assim como a Amazônia. Temos a oportunidade da transição, mas preciso ter pé no chão para usarmos estas reservas com responsabilidade socioambiental", acrescentou.

Mas Suely discorda e reforça que investir em novas fronteiras de petróleo é incompatível com a realidade do clima.

"A única saída é ter um cronograma sério de descarbonização e redução de emissões. Não dá para conciliar a transição energética e a produção petrolífera", acredita ao lembrar que a demanda global deste combustível poluente deve cair após 2030.

O Observatório do Clima propõe um replanejamento da Petrobras, com US$ 111 bilhões de investimentos necessários para incorporar a realidade das mudanças climáticas.

"Não estou falando de parar a produção amanhã, mas fazer um planejamento voltado à redução progressiva. A Petrobras investe em renováveis, mas ainda é muito pouco perto do investimento em fósseis", cobrou Suely.

Açaí e bioativos da floresta como combustível

O açaí, símbolo da economia paraense, deve se tornar um dos protagonistas para uma economia de baixo carbono a partir da produção de energia limpa e inclusiva. 

É também o caso de outros bioativos da floresta como óleos de coco babaçu e dendê, que já têm tecnologia disponível para virar combustível. A discussão se torna ainda mais relevante em meio ao fortalecimento das cadeias de sociobiodiversidade amazônicas.

Na terça-feira, 7, o governo do Pará inaugurou o primeiro parque de bioeconomia do mundo em Belém e quer impulsionar pequenos negócios para ganharem escala e visibilidade no mercado.

Para André, a questão não é capacidade técnica, mas decisão política.

"Será que não podemos produzir biocombustível suficiente para substituir diesel? Temos tecnologia de etanol para substituir gasolina, condição de biodiesel e o primo mais moderno dele que é o HVO. Já temos três ou quatro alternativas para o combustível sustentável de aviação", frisou.

O problema, segundo o ambientalista, está em onde o Brasil escolhe investir.

"Será que poderíamos pensar numa alternativa para gerar os royalties que são justos e sustentáveis para desenvolver a região? Royalties com outra alternativa que não seja pela exploração de petróleo", questionou Guimarães.

O presidente da Fiepa também defendeu o protagonismo local e falou sobre a importância de desenvolvimento das cadeias regionais. "Chegou o momento e a COP30 é de extrema oportunidade. A floresta precisa ficar em pé, mas nós também precisamos". 

Burocracia e falta de energia travam biocombustíveis

A Lei do Combustível do Futuro, sancionada em 2024, estabelece metas de descarbonização e prevê que produtores e importadores de gás natural comecem a injetar biocombustíveis (a exemplo do biometano) na rede de distribuição.

O gasoduto que poderia receber essa produção fica em Barcarena, município da região metropolitana de Belém. Mas há um entrave: a regulação é federal, e biocombustíveis produzidos localmente, não podem ser injetados diretamente na rede, explicou Cabeza.

"Existe uma especificidade grande de como chegar, pois quem regula é a Agência Nacional do Petróleo (ANP)", lembrou a executiva. Segundo ela, é preciso coordenação entre governo federal e estadual para garantir que a "trafegabilidade deste biocombustível não encareça pela distância e seja factível".

O gás natural, apesar de ser combustível fóssil, pode funcionar como ponte na transição. Os especialistas lembram que este libera 27% a menos de gases estufa em comparação ao diesel e pode ser utilizado na rede sem afetar a infraestrutura. 

Outro gargalo é a falta de acesso a energia nas próprias regiões produtoras. A Amazônia ainda consome 1,4 bilhões de litros de combustível fóssil por ano em termelétricas que funcionam a diesel visando atender comunidades remotas.

Rodolpho Zahluth, da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, aponta uma contradição: enquanto se debate exploração de petróleo offshore, populações tradicionais queimam diesel para ter luz — e o açaí não consegue ser processado.

"O pescador ainda fala em fábrica de gelo, não tem eletricidade para ligar o freezer. Como podemos ter uma cadeia consistente de bioeconomia se não há energia para gerar este produto?", questionou.

Para o secretário, a transição energética na Amazônia não é apenas sobre substituir combustíveis, mas sobre inclusão.

Entenda o debate sobre a Margem Equatorial

O Bloco 59, localizado na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, está em processo de licenciamento ambiental no Ibama. A Petrobras pretende fazer perfuração exploratória para verificar se há ou não petróleo na região. Segundo os ambientalistas, sua posição é considerada estratégica: uma vez liberado, será difícil negar outros blocos da região.

Entre a perfuração e a produção, a Petrobras estima seis anos para entrar em operação, mas a média histórica é de dez anos. Do ponto de vista empresarial, a perfuração tende a sair, mas depois será necessária outra licença de produção.

Embora o petróleo corresponda a 0,5% das emissões brasileiras e o desmatamento seja responsável pela maior parte, organizações ambientais argumentam que expandir a produção de fósseis contradiz compromissos climáticos globais, especialmente considerando que a demanda global deve cair após 2030.

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