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Belém, sede da COP30: africanos cobram e ONU pressiona por resposta urgente sobre acomodações. (Rafael Medelima/COP30/Flickr)
Editora ESG
Publicado em 31 de julho de 2025 às 16h50.
Última atualização em 1 de agosto de 2025 às 11h12.
Uma reunião de emergência agitou os corredores do Secretariado da Convenção do Clima das Nações Unidas na última terça-feira, 29, e representou mais um capítulo de uma tensão que se arrasta — e agrava — há meses.
O encontro, solicitado pelo Grupo Africano de Negociadores, teve por objetivo tratar da questão que os organizadores da COP30 tentam contornar desde que Belém foi confirmada como sede: os preços de hospedagem, que atingiram patamares que ameaçam transformar a conferência climática mais importante do ano em privilégio de poucos.
Belém contra o tempo: 100 dias, R$ 7,2 bi e desafios que persistem para receber a COP30A partir do anúncio da escolha da capital paraense, proprietários de imóveis e hoteleiros locais viram uma oportunidade única de maximizar lucros.
O resultado chegou aos gabinetes internacionais na forma de cotações que alcançam até US$ 700 por pessoa por noite. Um valor que dois representantes da ONU revelaram à Reuters para ilustrar a dimensão do problema que enfrentam.
O montante supera em quase cinco vezes a ajuda de custo diária de US$ 149 que a organização oferece, deixando nações em desenvolvimento em posição insustentável para participar das negociações.
Também em entrevista à Reuters, Richard Muyungi, líder do Grupo Africano de Negociadores, declarou: "Não estamos prontos para reduzir os números [de negociadores]. O Brasil tem muitas opções para termos uma COP melhor. Por isso, estamos forçando que o país forneça respostas melhores, em vez de nos dizer para limitar nossa delegação".
Muyungi carrega em suas palavras o peso de representar um continente que historicamente sofre as maiores consequências das mudanças climáticas, mas enfrenta barreiras sistêmicas para influenciar as decisões globais sobre o tema.
E uma das maiores delas é justamente a menor capacidade de arcar com custos elevados de participação.
Atuando em conjunto, as esferas federal e estadual do governo dizem estar operando em várias direções, testando alternativas que vão do convencional ao inédito, em uma sucessão de medidas para equilibrar a limitada capacidade hoteleira de Belém com a magnitude do evento que se aproxima.
"Estruturamos uma estratégia instituindo comitês específicos para acompanhar todos os processos relacionados à COP30, que inclui alinhar prioridades, somar esforços e viabilizar a infraestrutura necessária", disse Valter Correia da Silva, secretário extraordinário da COP30, sobre a complexa operação logística.
O esforço já se desenrolou por diversas fases. Passou pelo anúncio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a rede hoteleira, tentativa de criar um teto de tarifas que se mostrou insuficiente diante da demanda. E também pela antecipação da Cúpula de Líderes, estratégia para diluir a concentração de participantes.
Agora, alternativas mais ousadas ganharam espaço. Bruno Chagas, secretário de Estado de Cultura do Pará, detalha os números: "Só de hotel nós teremos quase 15 mil leitos. Com o Airbnb, saímos de 700 leitos que estavam disponíveis pré-COP para 17 mil leitos", explica.
"E temos esses cruzeiros com cerca de 5 mil opções nos padrões A e B, que eram a principal demanda", complementa Chagas, referindo-se à contratação emergencial dos navios MSC Seaview e Costa Diadema por R$ 263 milhões; saída que poucos anos atrás seria impensável para uma conferência climática.
Sobre os limites do poder público diante da especulação imobiliária, o secretário pondera:
"Temos certa dificuldade de agir pelos preços abusivos, porque existe a livre-iniciativa, mas seguimos dialogando tanto da parte do governo estadual quanto do federal."
Em entrevista à EXAME por e-mail, Helder Barbalho, governador do Pará, acrescenta que, além dos "hotéis flutuantes", houve reforma de escolas no padrão hostel, a construção da Vila COP30 para chefes de Estado, ampliação da rede hoteleira com novos empreendimentos internacionais e modernização das instalações atuais por meio de incentivos fiscais.
"Com programas como o Capacita COP30, permitimos ainda que o setor produtivo tenha mão de obra qualificada ao mesmo tempo que milhares de pessoas ganham novas oportunidades de emprego e renda antes, durante e depois da conferência da ONU", avalia o governador.
Barbalho lembra também que, embora o governo do Pará não tenha recebido denúncias formais, há ações educativas em curso para monitorar preços e orientar sobre direitos e obrigações.
A crise habitacional não faz distinção econômica. Representantes de seis países, incluindo outras nações europeias, confirmaram à Reuters que ainda não garantiram acomodações devido às tarifas elevadas.
Um porta-voz do governo holandês revelou que o país avalia reduzir pela metade sua tradicional delegação de 90 pessoas.
Para a Polônia, o cenário é mais crítico. "Não temos acomodação. Provavelmente teremos de reduzir a delegação ao osso. Ou, em um cenário extremo, talvez tenhamos que não comparecer", declarou Krzysztof Bolesta, vice-ministro do Clima polonês.
Em uma conversa com a imprensa internacional na tarde desta quinta-feira, 31, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, disse: "revoltados com a falta de sensibilidade sobretudo com nações mais pobres, países pediram que a conferência não aconteça em Belém".
De acordo com ele, é fato que em outras COPs o custo de oportunidade aplicado às tarifas tenha sido cerca de três vezes acima de valores praticados em outras ocasiões.
"Contudo, aqui chega a dez, 15 vezes mais. Creio que os hotéis não tenham percebido a crise que está se gerando", ponderou o diplomata. "Mas há um esforço grande coordenado pela Casa Civil, para convencer a baixar os preços, visto que a legislação brasileira não pode impor isso", explicou.
A pressão internacional forçou o Brasil a assumir um compromisso público durante a reunião de emergência.
Segundo Richard Muyungi, os representantes brasileiros se comprometeram a fazer uma nova análise e verificar possíveis medidas adicionais para garantir a participação de todos os países nas negociações climáticas.
O prazo é apertado: 11 de agosto. Nessa data, em nova reunião com o Secretariado da ONU, o Brasil deverá apresentar alternativas concretas que possam reverter o cenário de exclusão que se desenha.
Em nota, a Secretaria Extraordinária da COP30 afirma que "uma nova reunião está agendada para o próximo dia 11 de agosto, com o objetivo de dar continuidade ao diálogo sobre o conjunto de ações para a realização da COP30".
De acordo com o texto, estarão em pauta não somente a questão de acomodação, mas também transporte, segurança, alimentação e outros aspectos essenciais para o sucesso da conferência.
A Secretaria afirma ainda que "o plano de acomodação está sendo implementado em fases, com prioridade, nesta etapa, para as delegações que participarão diretamente das negociações oficiais da COP30. E que atualmente, estão disponíveis 2.500 quartos individuais com tarifas fixadas entre US$ 100 e US$ 600".
Por fim, o documento explica que 15 quartos individuais por delegação foram reservados para os 73 países classificados pelas Nações Unidas como Países Menos Desenvolvidos (LDCs) e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEIDs), com tarifas entre US$ 100 e US$ 200. E 10 quartos individuais por delegação, com tarifas entre US$ 220 e US$ 600, foram disponibilizados para os demais países.