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Brasil recebe a COP30 em novembro e se posiciona como vitrine de soluções verdes (Getty Images)
Repórter de ESG
Publicado em 29 de setembro de 2025 às 18h00.
Última atualização em 29 de setembro de 2025 às 18h24.
Fruto da COP28 em Dubai, o Acelerador de Transição Industrial (ITA) nasceu com a missão de impulsionar a descarbonização da indústria e o Brasil foi escolhido para contemplar o primeiro programa com foco em acelerar tecnologias e soluções verdes neste ano em que sedia a grande conferência do clima da ONU.
Com 15 projetos já selecionados no país, sendo 11 públicos e quatro ainda não divulgados, a iniciativa global atua como intermediadora para destravar investimentos que somam mais de US$ 18 bilhões em setores de difícil abatimento de emissões como produtos químicos, aço e alumínio, cimento e aviação.
A parceria com o governo federal foi oficializada em julho de 2024 junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Rodrigo Rollemberg, Secretário de Economia Verde do ministério, destacou a sinergia das iniciativas com a "ambição e progresso da neoindustrialização verde em curso".
"O país tem condições econômicas fundamentais para ser líder em muitos desses setores do ponto de vista sustentável", destacou em entrevista à EXAME, Marc Moutinho, o português que lidera o programa do ITA no Brasil desde 2023.
Entre os diferenciais estão a matriz elétrica majoritariamente renovável, abundância de recursos naturais e potencial para bioeconomia.
"É possível falar de algumas soluções a nível internacional, mas no final do dia, para criar as condições para viabilizar estes projetos, é preciso pensar em adaptar ao contexto e especificidades de cada país", destacou Marc, ao explicar a filosofia que guiou a criação do programa brasileiro e o motivo para ter se mudado para São Paulo nos últimos meses visando se aproximar da realidade local.
Segundo o executivo, o objetivo da organização não é investir diretamente, e sim criar condições para que aconteçam.
"Nosso sonho é conseguir decisões de investimento até a COP30. O desafio é que isso está fora do nosso controle direto – quem decide são empresas e os financiadores. Mas estamos otimistas", reforçou.
Na conferência do clima, o ITA deve apresentar trabalhar em três frentes: foco nos projetos e progressos já alcançados até agora, em desafios que permanecem e em algumas soluções que têm desenvolvido para destravar os recursos no ecossistema de inovação.
Para o líder do ITA, dois setores se destacam no Brasil como mais promissores rumo à economia de baixo carbono: o de fertilizantes verdes e combustível sustentável de aviação (BioSAF).
"Não há lugar melhor no mundo para tentar desenvolver uma indústria doméstica de fertilizantes de baixas emissões", frisou Marc.
Hoje o Brasil é altamente dependente da importação deste produto, enfrentando riscos econômicos e ambientais. Além disso, vive um paradoxo: "É um cenário bastante único, onde se a solução cinza já é mais cara do que deveria ser, a 'verde' já está chegando mais perto devido às vantagens que o país tem", complementou.
O projeto da Atlas Agro em Uberaba (MG), primeiro selecionado pelo ITA, é um dos exemplos bem-sucedidos. Mas existem desafios e a questão econômica pesa na conta.
"O mercado existente no Brasil tem preços muito voláteis, porque depende do externo. Isso cria uma situação em que o projeto teria dificuldade em se pagar e cumprir as suas obrigações financeiras", explicou.
Segundo Marc, a solução que o ITA desenvolve para driblar o problema é adaptar o conceito de "contrato por diferença" – instrumento usado para fomentar energia renovável na Europa – para criar estabilidade de receita no setor brasileiro de fertilizantes.
"Estamos desenvolvendo um instrumento financeiro que ajudaria a criar precisamente esta estabilidade de receita. Já desenhamos o conceito e estamos interagindo com instituições e também o governo para partir para a implementação", contou.
O próximo passo envolveria contrapartida direta do governo, bancos públicos como BNDES, bancos multilaterais e capital privado.
O segundo setor prioritário, o de combustível sustentável de aviação, enfrenta um obstáculo: barreiras regulatórias que não reconhecem a sustentabilidade real de projetos brasileiros, ao mesmo tempo que há um enorme potencial.
Embora o BioSAF continue sendo o caminho mais competitivo em relação a outras rotas tecnológicas ainda muito caras, a Europa, maior mercado emergente, não aceita o produto.
"O argumento do bloco é que eles não querem facilitar nada que possa vir do desmatamento na produção de biocombustíveis para atender às necessidades nacionais. A regulamentação europeia tem restrições muito severas", descreveu Marc.
Para Marc, parte do trabalho da organização neste sentido é em "como alavancar esses biorrecursos de uma maneira verdadeiramente sustentável" e conseguir "uma harmonização maior em termos de definições de terras degradadas, certificação de BioSAF, para essencialmente facilitar o acesso do produto brasileiro ao mercado europeu e viabilizar investimentos".
Como organização independente ligada à ONU, o ITA se posiciona como mediador necessário. "Nosso foco é em entender como conseguimos chegar a um meio do caminho que atende ambos os lados", frisou Marc.
Um dos exemplos é o projeto da Acelen na Bahia, a partir do cultivo de biomassa em terras degradadas. "Neste caso não há desmatamento e o bioinsumo ajuda a regenerar e restaurar áreas verdes", complementou.
Um diferencial brasileiro frequentemente subestimado é a possibilidade de eletrificação industrial, devido a seu potencial em energias renováveis.
O hidrogênio verde é relevante para vários setores – fertilizantes, aço, produtos químicos, combustíveis marítimos e de aviação.
Além disso, Marc destaca a biomassa e biometano como soluções complementares.
No setor de alumínio, o Brasil já tem vantagem competitiva clara. Enquanto a intensidade média global é de 14,8 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio, o Brasil registra 4,2 toneladas devido ao uso de hidroeletricidade. Os projetos da Alcoa e CBA visam reduzir ainda mais – para 0,6 e menos de 2 toneladas, respectivamente.
Nos casos bem-sucedidos, os processos industriais substituem as caldeiras movidos a combustíveis fósseis pelas elétricas na refinaria de alumina.
A estratégia do ITA é "sempre procurar estas oportunidades onde as circunstâncias aumentam a competitividade da solução verde" – como no caso dos fertilizantes, onde o produto importado já é caro, ou da eletrificação, onde a matriz renovável brasileira traz vantagens.
Após o sucesso do modelo brasileiro, o ITA lançou sua segunda parceria regional no Oriente Médio e Norte da África em novembro de 2024, com programas nos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito. Outros países estão sendo avaliados, "particularmente economias emergentes, com alto potencial para este tipo de indústria", contou Marc.
Mas o Brasil segue na vanguarda como referência e liderança global. A aposta é que esse potencial se converta, até novembro em Belém, nos primeiros bilhões concretos em decisões de investimento.
"Como primeiro laboratório global do ITA, podemos mostrar ao mundo que a descarbonização da indústria pesada não é apenas necessária, mas viável e financiável", concluiu o executivo.
O programa brasileiro do ITA concentra-se em cinco áreas consideradas de "difícil abatimento" – setores onde a eletrificação não resolve o problema das emissões: produtos químicos, aço e alumínio, cimento e aviação.
A metodologia envolve quatro etapas: mapear projetos em desenvolvimento no país, selecionar casos alinhados com a visão do ITA, fazer "engajamento muito profundo com eles para entender realmente quais são os desafios para então chegar a fase final de investimento", e trabalhar com todos os atores relevantes para criar condições externas.
Dos 15 projetos apoiados, 11 já foram divulgados publicamente e representam US$ 17,5 bilhões em potencial de investimento.
Os primeiros quatro foram selecionados em 2023: Atlas Agro (fertilizantes verdes em Uberaba-MG), Fortescue, European Energy e Green Energy Park.
Em maio de 2024, o ITA anunciou mais sete projetos, adicionando US$ 7,5 bilhões ao portfólio. São eles:
Produtos químicos e aviação:
Cimento
Alumínio
Outros quatro projetos já foram selecionados mas aguardam autorização das empresas para divulgação. "Idealmente, vamos divulgá-los ainda antes da COP", revelou Marc.
Embora o programa brasileiro termine no ano que vem, a ideia é que as soluções desenvolvidas – como o contrato por diferença para fertilizantes ou os esforços de harmonização regulatória para BioSAF – permaneçam no ecossistema.