Patrocínio:
Parceiro institucional:
EXAME conversou com especialistas e executivos das principais indústrias de bens de capital e eletroeletrônicos do país sobre as oportunidades em inovação verde (Germano Lüders/Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 28 de outubro de 2025 às 05h40.
O Brasil é a segunda nação mais inovadora da América Latina e Caribe, segundo o Global Innovation Index, e ocupa a 52ª posição no ranking global. Mas quando o assunto é tecnologia verde, o país tem trunfos únicos: uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, biodiversidade continental e vocação histórica para bioeconomia. Nos últimos anos, esses diferenciais têm impulsionado investimentos crescentes em inovações sustentáveis — de biocombustíveis a hidrogênio verde.
Muito do que é realizado hoje no país em pesquisa e desenvolvimento fica a cargo do setor privado. Em 2023, o gasto de empresas privadas e estatais com P&D chegou a R$ 68,5 bilhões, mais que o dobro do total investido por elas em 2000, de R$ 33,5 bilhões, de acordo com indicadores mais recentes do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Diógenes Breda, doutor em desenvolvimento econômico pela Universidade de Campinas e professor da Universidade Federal de Uberlândia, afirma que apesar das boas colocações e do avanço na comparação com anos anteriores, a indústria brasileira conta com uma capacidade limitada de inovação na comparação com outros países em desenvolvimento, como China e Coreia do Sul. As duas nações figuram entre os locais com maior número de pedidos de patentes em 2024: 1,65 milhão para a China, liderando o ranking, e 287 mil para a Coreia do Sul, na quarta posição. Isso acontece especialmente por conta do histórico da industrialização brasileira, que nasce com a produção pesada e de bens de consumo duráveis e uma precoce internacionalização.
“Em geral, as indústrias brasileiras operam importando licenças ou equipamentos de outros países. As subsidiárias de empresas estrangeiras não trabalham o desenvolvimento de pesquisas nos países onde estão instalados, mas sim concentram a inovação de ponta e estudos disruptivos nos seus países centrais”, explica.
Dentro desse investimento está o desenvolvimento de soluções verdes, como relacionadas a energias alternativas, transportes limpos, conservação e eficiência de energia, gestão de resíduos e agricultura sustentável. De 2012 a 2024, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) já concedeu 1.097 patentes verdes, sendo a maior parcela ligada a resíduos e energias limpas. No ano passado, o INPI reconheceu o pedido de 27 mil registros em todas as categorias.
De acordo com Anicia Pio, gerente do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, as inovações verdes têm avançado de maneira significativa no Brasil, especialmente tecnologias para biocombustíveis, hidrogênio verde e armazenamento de energia, mas também a captura e o armazenamento de carbono. “Temos uma oportunidade e um potencial gigantescos diante da necessidade de transição para uma economia de baixo carbono, podendo transformar esse movimento em uma alavanca para o desenvolvimento tecnológico nacional”, explica.
A matriz energética nacional, a biodiversidade e a bioeconomia são frequentemente citados por especialistas como diferenciais competitivos."Quando falamos da nossa matriz energética, ela é extremamente limpa na comparação com outros países. Nós temos muito a ensinar", destaca Jefferson Gomes, diretor de Desenvolvimento Industrial, Tecnologia e Inovação da Confederação Nacional da Indústria. "Passamos os últimos 50 anos com grandes dificuldades sobre energia e incrementamos nossa utilização de território. O Brasil aprendeu não de hoje, mas desde sempre, a utilizar seus recursos renováveis para resolver problemas", afirma.
Gomes ressalta que o contexto geopolítico atual — marcado por escassez de materiais estratégicos e dificuldades para empresas energointensivas — abre uma janela de oportunidade para o Brasil. "Energia de potência, qualidade e preço: nisso nós somos imbatíveis no mundo. Temos geradores eólicos no Nordeste que giram 40% do tempo no vazio, sem gerar energia, porque o Brasil não tem essa demanda. Se desenvolvermos tecnologia para baterias, o Brasil começa a se tornar extremamente atraente”, conta.
Breda conta que os instrumentos financeiros público e privado disponíveis hoje no Brasil ajudam a acelerar a criação das tecnologias verdes. “Ainda temos muitos setores prestes a descobrir soluções possíveis de patenteamento com chances de revolucionar o setor, seja o tratamento de doenças raras, seja o barateamento radical de algum processo já existente”, explica.
Na prática, algumas empresas já demonstram que inovação e sustentabilidade podem caminhar juntas — e de forma rentável. A EXAME conversou com algumas das gigantes de bens de capital e eletroeletrônicos sobre as opostas na indústria verde — e os frutos desses investimentos.
O Grupo Electrolux, fabricante de eletrodomésticos, já usa o desenvolvimento de tecnologias verdes como vantagem competitiva. Em 2024, os produtos mais eficientes em água e energia da companhia representaram 24% das unidades vendidas e 33% do lucro bruto global. "Sustentabilidade, para nós, é parte da performance e da inovação", afirma João Zeni, diretor de Sustentabilidade do Grupo Electrolux América Latina.
"Quando criamos um produto mais eficiente, que consome menos água e energia, estamos ajudando o planeta, mas também entregando valor para o consumidor. Isso se traduz em confiança na marca e em fidelização”, explica.
A estratégia da Electrolux se estrutura em três frentes principais: eficiência energética dos produtos, uso de materiais reciclados e economia circular. A linha Electrolux EcoPlus, que reúne os produtos mais sustentáveis da marca, incorpora tecnologias como o Inverter — que pode reduzir em até 47% o consumo de energia em refrigeradores, garantindo etiqueta A+++ pelo Inmetro — e o AutoSense, sistema de controle automático de temperatura por inteligência artificial que reconhece rotinas diárias e identifica momentos de maior uso, prolongando a vida dos alimentos em até 30%.
Com a venda de produtos EcoPlus em 2024, a Electrolux evitou, durante a vida útil prevista dos equipamentos, o consumo de mais de 1,4 bilhão de litros de água e 300 milhões de kWh de energia. "O consumidor brasileiro está ficando mais atento ao impacto das suas escolhas, e produtos que unem desempenho e eficiência têm uma aceitação crescente", diz Zeni.
João Zeni, diretor de Sustentabilidade do Grupo Electrolux América Latina: "Estamos ajudando o planeta, mas também entregando valor para o consumidor"
No campo de materiais reciclados, a fabricante utiliza anualmente cerca de 3 mil toneladas de plástico reciclado apenas nas operações brasileiras. Entre janeiro e setembro de 2025, já foram superadas 2,9 mil toneladas. Atualmente, mais de 100 modelos do portfólio possuem algum percentual de material reciclado em sua composição, e alguns chegam a ter mais de 50% de plástico pós-consumo.
"Esse é um ganho ambiental e econômico, que reduz a emissão de CO₂ e cria uma cadeia circular local", explica o executivo.
A empresa também mantém desde 2022 o Serviço de Coleta e Descarte Consciente, que já recolheu mais de 14 mil produtos, somando 680 toneladas de eletrodomésticos reciclados corretamente.
Os investimentos em infraestrutura sustentável também são expressivos. O Complexo Industrial de Gralha Azul, em São José dos Pinhais (PR), opera com energia elétrica 100% de fontes renováveis, possui sistema de reaproveitamento de água da chuva que reduz em cerca de 83% o uso de água potável e mantém gestão de resíduos com zero aterro. A unidade industrial também conta com painéis solares que suprem 10% da energia utilizada pelas operações.
Globalmente, o Grupo Electrolux reduziu em 36% as emissões operacionais (Escopos 1 e 2) desde 2021. A companhia estabeleceu metas ambiciosas aprovadas pela Science Based Targets initiative (SBTi): reduzir as emissões diretas e indiretas em 85% até 2033, em comparação com 2021, e as emissões de Escopo 3 em 42% no mesmo período. Até 2030, 35% dos plásticos e aços utilizados nos produtos serão reciclados, a meta mais ambiciosa do setor.
No segmento de mobilidade e autopeças, a Randoncorp posiciona a inovação como pilar estratégico. A companhia investe fortemente em P&D: foram R$ 212 milhões em 2024, com a finalização de 191 projetos. A receita líquida gerada por produtos lançados nos últimos cinco anos atingiu R$ 4,2 bilhões em 2024, correspondendo a 44,4% das vendas das empresas localizadas no Brasil.
César Augusto Ferreira, Chief Technology & Innovation Officer (CTIO) da Randoncorp, afirma que a inovação é o norte da estratégia e a essência da cultura corporativa. "Ao desconstruir o modelo exploratório linear, passamos a buscar soluções que ampliem a circularidade da cadeia produtiva, promovendo o reaproveitamento inteligente de materiais, a extensão da vida útil dos produtos e a regeneração dos recursos utilizados”, conta.
A estratégia de "tecnologia circular" da Randoncorp se materializa em diversas frentes. A empresa atua no desenvolvimento de tecnologias de propulsão alternativa, aplicação de materiais compósitos e uso de nanotecnologia. Um destaque é o e-Sys, sistema de recuperação de energia cinética aplicado ao transporte de cargas. A tecnologia pioneira permite redução de até 25% no consumo de combustível, além de ampliar a vida útil de componentes de fricção e desgaste.
Produção da Randon em Caxias do Sul (RS): companhia desenvolveu nanotecnologia aplicada à reciclabilidade de polímeros, reintegrando material na cadeia de produção (Germano Lüders/Exame)
No campo de materiais, a Composs, marca da Frasle Mobility, que integra o grupo, desenvolveu soluções em materiais compósitos estruturais que reduzem em até 60% a massa dos componentes em comparação com materiais convencionais. "Essa redução impacta diretamente na autonomia dos veículos e na diminuição das emissões de gases de efeito estufa", explica Ferreira.
A inovação mais disruptiva, no entanto, está na nanotecnologia aplicada à reciclabilidade de polímeros. Os polímeros nanoestruturados desenvolvidos pela NIONE, empresa da vertical de Tecnologia Avançada da Randoncorp, utilizam nanopartículas de nióbio e apresentam incremento significativo na vida útil.
"Esses materiais podem ser reintegrados em ciclos contínuos e sustentáveis de produção, mantendo suas propriedades funcionais mesmo após múltiplos processos de reciclagem", diz o executivo. "Essa inovação evita o descarte prematuro e transforma resíduos em matéria-prima de alto valor agregado.”
A Randoncorp também desenvolveu soluções patenteadas como o AT4T — sistema de navegação autônoma com tração 100% elétrica para ambientes controlados, que integra inteligência artificial e sensores inteligentes; o Randon Smart, solução de telemetria que contribui para redução do consumo de combustível e otimização de rotas; e o Randon Solar, que incorpora tecnologia de captura de energia fotovoltaica em implementos refrigerados. "Cada desenvolvimento é pensado para gerar impacto positivo, seja na redução de emissões, na eficiência energética, na circularidade de materiais ou na melhoria da qualidade de vida."
A Siemens adota uma abordagem dual em suas iniciativas de inovação verde: investe tanto na descarbonização de suas próprias operações quanto no desenvolvimento de soluções para que clientes acelerem suas transformações sustentáveis. "Como empresa de tecnologia, impactamos positivamente toda a sociedade por meio de nossas soluções digitais", explica José Borges Frias Jr., head de inovação da Siemens Brasil.
Globalmente, a Siemens reduziu 60% de suas emissões próprias (escopos 1 e 2) desde 2019. No Brasil, a redução atingiu 68% no mesmo período. A empresa opera com 100% da energia elétrica consumida proveniente de fontes renováveis nas sedes de São Paulo e Jundiaí, conquistou status de aterro-zero desde 2022 e mantém a recertificação ISO 50001 de eficiência energética em suas operações.
As tecnologias desenvolvidas pela Siemens evitaram 144 milhões de toneladas de CO₂ equivalente pelos clientes que utilizam suas soluções. A companhia certificou mais de 25 mil produtos com o selo EcoTech, que atesta critérios de circularidade, reciclabilidade e baixo impacto ambiental.
"Mais de 90% das soluções Siemens permitem que clientes acelerem sua transformação digital e sustentável", afirma Frias Jr.
O investimento global em P&D da Siemens atingiu 6 bilhões de euros em 2024, com mais de 45 mil patentes ativas — sendo 47% relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. No Brasil, a empresa estruturou programas como a Trilha Greenlight, que capacita fornecedores em práticas ESG. O programa já treinou mais de 200 empresas, impactou 50% do volume de compras e alinha 100% dos contratos a critérios ESG.
Fábrica da Siemens em Jundiaí: fabricante investiu 6 bilhões de euros em inovação, pesquisa e desenvolvimento no último ano e conta com 45 mil patentes ativas (Germano Lüders/Exame)
"A Trilha Greenlight tem o objetivo de ampliar o impacto ESG para além das operações diretas da Siemens, fortalecendo toda a cadeia de valor", explica o executivo. "O programa promove treinamentos, diagnósticos e planos de ação com foco em descarbonização, eficiência energética, gestão de resíduos, economia circular, diversidade e governança ética."
Um exemplo prático do impacto das tecnologias Siemens é a parceria com a Greylogix para criar uma cervejaria-modelo 100% sustentável. A fábrica opera com energia renovável (eólica e solar), reduz o consumo de água de 10 litros para seis por litro de cerveja produzido, alcançou emissão zero de carbono na produção e custo zero de eletricidade durante testes com uso exclusivo de energia solar. O projeto incorpora a tecnologia gêmeo digital, que simula os processos em ambiente virtual, automação avançada e economia circular, com uso de containers remanufaturados.
A Siemens também investe em projetos estratégicos como o Tech4Amazonia, com provas de conceito em bioeconomia e rastreabilidade; parcerias com Instituto de Pesquisas Tecnológicas, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, SENAI e universidades para pesquisa aplicada em IA e hidrogênio verde.
"A Siemens busca liderar a transição sustentável combinando os mundos real e digital, com a inovação como motor de competitividade", resume Frias Jr. "A sustentabilidade é integrada ao negócio como diferencial estratégico e não como obrigação regulatória. Atuamos como habilitadores tecnológicos."
Gomes explica que cada indústria enfrente desafios e oportunidades distintas até a conquista da sua patente. A média é de nove meses até o registro com a INPI, mas para indústrias como cosméticos e beleza, o processo pode levar até quatro anos. “Isso já é um obstáculo para grandes empresas, mas a grande parte dos negócios no Brasil nem sabe as etapas até solicitar a sua patente”, afirma.
Outros desafios ainda esbarram na dificuldade de levar o financiamento até mais empresas e em dar escala aos recursos públicos. “Quem sabe acessar o sistema conta com outras dificuldades, como a falta de recursos para a produção. A fabricação e testagem em escala para assegurar a patente pode custar algo na casa dos três dígitos. Como uma deep tech vai chegar a esse recurso?”, questiona o diretor da Confederação da Indústria.
De acordo com Anicia Pio, é preciso ampliar os investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento, garantindo que esse recurso consiga dar maior escala a continuidade aos projetos. Entre 2002 e 2023, o país investiu cerca de 1,2% do seu PIB em projetos inovadores, de acordo com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, mas numa quantia ainda consideravelmente menor do que outras nações com o cenário de P&D mais avançado, como Portugal, Canadá e Alemanha. Outra solução, segundo Pio, é diminuir a burocracia até a conquista da patente. “Apesar de existirem iniciativas como o trâmite prioritário para patentes verdes, é necessário viabilizar que tecnologias que aumentem a eficiência de processos e reduzam o consumo de materiais virgens sejam implementadas mais rapidamente”, explica.
Incluir empresas além do grande porte na conversa é outro desafio para o Brasil, país em que 90% dos negócios no país são micro ou pequenas empresas e que correspondem a cerca de 30% do PIB nacional. “Precisamos garantir o financiamento para a inovação, de modo que possam participar da transição para uma economia de baixo carbono, com instrumentos que democratizem o acesso, como linhas de crédito diferenciadas, parcerias tecnológicas e capacitação”, disse.