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Earthshot Boulevard no centro do Rio foi inaugurado em 27 de outubro, dando início à programação que antecede a cerimônia no Museu do Amanhã. (Earthshot Prize)
Editora ESG
Publicado em 28 de outubro de 2025 às 20h39.
Última atualização em 28 de outubro de 2025 às 20h46.
O momento não poderia ser pior para o Rio de Janeiro. A cidade enfrenta nesta terça-feira, 28, a operação policial mais letal de sua história, com pelo menos 64 mortos, incluindo 4 policiais, enquanto se prepara para receber, entre 1º e 7 de novembro, mais de 50 eventos climáticos que antecedem a COP30.
Os encontros incluem a presença do Príncipe William, Michael Bloomberg, enviado especial do Secretário-Geral da ONU para Ambição e Soluções Climáticas e fundador da Bloomberg L.P., Ana Toni, CEO da COP30, e celebridades como Anitta e Shawn Mendes.
A megaoperação das polícias Civil e Militar contra o Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha desencadeou uma onda de retaliação que transformou a cidade em cenário de pânico. Dezenas de vias foram interditadas, universidades suspenderam aulas e o aeroporto do Galeão teve acesso bloqueado temporariamente por um caminhão atravessado na pista.
O contraste não poderia ser mais brutal: na manhã desta terça, pouco antes de o caos se instalar, autoridades municipais detalharam o sofisticado esquema de segurança e mobilidade para receber centenas de lideranças climáticas internacionais.
Para se ter ideia, o Fórum de Líderes Locais da COP30, um dos principais eventos da programação que deve reunir mais de 300 autoridades climáticas entre 3 e 5 de novembro no Complexo MAM e Vivo Rio, acontecerá a poucos quilômetros dos complexos onde hoje se desenrolou o confronto.
Já Earthshot Prize, premiação global criada pelo Príncipe William, realizado pela primeira vez na América Latina, está marcado para o Museu do Amanhã no dia 5, com 1.600 convidados confirmados.
Segundo EXAME apurou, a agenda do herdeiro do trono britânico previa chegada ao Brasil no próximo sábado, 1º de novembro. No início da semana, estariam programadas visitas turísticas a locais como o Maracanã e o Pão de Açúcar.
Já na terça-feira, 5, antes da cerimônia do Earthshot Prize à noite, o monarca visitaria áreas de manguezais - ecossistemas fundamentais para mitigação climática e que serão tema central dos debates da semana.
Procuradas pela reportagem, as assessorias da Prefeitura do Rio de Janeiro e da Bloomberg Philanthropies - que organiza entre outros eventos da agenda pré-COP, a Cúpula Mundial dos Prefeitos do C40 - afirmaram que não há previsão de mudança na programação ou posicionamento oficial até o momento.
Já a comunicação do Earthshot Prize informou estar acompanhando a situação na cidade e em contato com as autoridades locais, seguindo todas as recomendações de segurança.
Em nota, reafirmou que "a cerimônia de premiação, que tem como objetivo identificar, celebrar e apoiar soluções para reparar o planeta, está prevista para ocorrer no dia 5 de novembro, no Museu do Amanhã".
O plano operacional anunciado pela Prefeitura é robusto: inclui mais de 5 mil câmeras de monitoramento, 600 agentes de ordem pública por dia e integração entre forças municipais, estaduais e federais através do COR-Rio.
Contudo, a operação de hoje expôs a fragilidade desse esquema diante da capacidade de mobilização do crime organizado.
As interdições desta terça atingiram justamente as principais vias de acesso aos locais dos eventos: Avenida Brasil, Linha Vermelha, Linha Amarela e Boulevard Olímpico ficaram parcial ou totalmente bloqueadas. O VLT, que deveria ser uma alternativa de transporte para os participantes, teve estações estratégicas comprometidas.
A não alteração dos eventos, ao menos por enquanto, sugere uma aposta de que a situação se normalize nos próximos dias. Ou, simplesmente, a constatação de que cancelar seria um desastre diplomático e financeiro ainda maior.
O Rio investiu na imagem de cidade preparada para grandes eventos. O plano operacional apresentado hoje parece tecnicamente impecável. Prevê 400 garis por dia para limpeza urbana, hospitais de referência com mais de 1.200 leitos, ambulâncias avançadas em cada local, esquema especial de trânsito.
Contudo, a operação policial desta terça-feira colocou tudo em xeque em questão de horas. A Fiocruz antecipou a saída de funcionários às 15h30. A UFRJ suspendeu todas as atividades. O Sesc fechou unidades em toda a região metropolitana. A Câmara de Vereadores cancelou a sessão plenária.
Para os organizadores da pré-COP30, resta torcer para que a situação se normalize até o início dos eventos. E não se trata apenas de reputação. Os eventos da próxima semana são cruciais para toda a agenda climática brasileira.
A Cúpula Mundial de Prefeitos da C40 marca o 20º aniversário da rede e debate como cidades implementam ações climáticas. O Earthshot Prize distribui £5 milhões (R$ 31 milhões) para soluções inovadoras. Outro encontro, o "X, The Moonshot Factory", discute infraestrutura digital e possível instalação de data centers no Rio.
Outra agenda relevante, a iniciativa "Diálogos Locais", que deveria conectar comunidades locais com stakeholders internacionais em 23 pontos da cidade ao longo da semana, parece agora uma proposta ingênua.
São, portanto, oportunidades concretas de atração de investimentos, transferência de tecnologia e fortalecimento de parcerias internacionais. E tudo fica comprometido quando a cidade demonstra incapacidade de garantir condições mínimas de funcionamento.
O Rio tinha uma chance de ouro para mostrar ao mundo que é possível conciliar grandes eventos, sustentabilidade e qualidade de vida urbana. Mas colhe neste momento, os frutos de décadas de negligência com segurança pública e políticas sociais.
A operação de hoje - a mais letal da história do estado - é sintoma de uma estratégia fracassada que alterna entre omissão e confronto, sem jamais atacar as raízes do problema.
Para a agenda climática, a lição é dura: não existe resiliência urbana sustentável sem justiça social. Como tema transversal, as mudanças climáticas só vão amplificar as desigualdades estruturais que já paralisam a cidade.
A pré-COP30 começa sábado. A contagem regressiva agora não é apenas para os eventos climáticos, mas para saber quantos dias de normalidade a cidade conseguirá sustentar.