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Do chocolate ao café: a aposta bilionária de gigantes de alimentos em agricultura regenerativa

À EXAME, Nestlé, Unilever, Dengo e Mondelēz contam como investem bilhões para transformar cadeias produtivas e posicionar o Brasil como líder mundial no setor

Com o sistema de plantio agroflorestal, os produtores de cacau diversificam a renda e contribuem para a conservação ambiental (Mondelez/Divulgação)

Com o sistema de plantio agroflorestal, os produtores de cacau diversificam a renda e contribuem para a conservação ambiental (Mondelez/Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 4 de setembro de 2025 às 13h00.

Mais do que apenas sustentar o que já existe, a agricultura regenerativa se propõe a ir além: reconstrói ecossistemas degradados, devolve vida e saúde ao solo e reestabelece ciclos naturais que foram interrompidos por décadas de práticas convencionais no campo.

Não existe receita pronta ou fórmula mágica. Cada produtor escolhe um caminho, mas as soluções passam por técnicas já conhecidas como plantio direto, uso de bioinsumos, substituição de monoculturas e integração de lavoura e pecuária em sistemas agroflorestais.

Em entrevista à EXAME, Marcelo Behar, enviado climático de bioeconomia da COP30, destaca os quatro componentes ideais: retenção de carbono, fixação de vida no solo, gestão do território conciliada com a natureza e redução de desigualdades.

"A ideia é você produzir mais, mas de uma forma que regenere. O Brasil já é um campeão mundial nesta agenda e os produtores rurais têm feito uma transição muito significativa", afirmou.

Este modelo regenerativo não é novo e tem raízes históricas: começou com os próprios povos indígenas e ancestrais há séculos, ao aliarem o manejo tradicional com a preservação ambiental.

O termo foi cunhado na década de 80 por Robert Rodale, com a promessa de transformar o agronegócio brasileiro em um protagonista na construção de um modelo produtivo "que alimenta o mundo enquanto regenera o planeta". 

Para o Brasil, onde a maior parte das emissões vem do uso da terra, a agricultura de baixo carbono representa um celeiro de oportunidades tanto ambientais quanto econômicas.

Em ano de COP30 em Belém do Pará, acelerar a transição para paisagens regenerativas tornou-se peça-chave rumo ao cumprimento das metas climáticas nacionais (NDCs) e também posiciona o país como vitrine de bioeconomia e soluções verdes para exportar ao mundo.

Um estudo pioneiro do Boston Consulting Group (BCG), em parceria com o Ministério da Agricultura e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), revelou este potencial bilionário no Cerrado: o bioma, responsável por 25% da soja consumida no mundo, é um hub de produção de alimentos onde as práticas regenerativas podem não só recuperar áreas degradadas como gerar um retorno financeiro de US$ 100 bilhões (R$ 520 bilhões) até 2050.

Essas práticas agrícolas conciliam aumento de produtividade com sustentabilidade -- e no melhor dos cenários, podem levar a recuperação de pastagens degradadas pelo desmatamento.

No fim das contas, todos ganham: o produtor com maior receita e produção, o meio ambiente com a regeneração de ecossistemas, e o país e as pessoas com um sistema mais resiliente e justo.

A boa notícia é que essa revolução verde não está acontecendo apenas nas fazendas. Grandes indústrias alimentícias também embarcaram na regeneração, movimentando bilhões de reais ao transformar cadeias produtivas. Mas afinal, no que elas estão apostando?

Nestlé aposta em programas na cadeia de cacau, café e leite 

A Nestlé é um dos exemplos: 41% do volume de suas principais matérias-primas no Brasil já vem de agricultura regenerativa, superando a meta global de 30% ainda em 2024.

Em 2021, anunciou investimentos globais de US$ 1,28 bilhão (R$ 6,66 bi) para impulsionar estas práticas e se comprometeu a reduzir pela metade suas emissões até 2030.

"Quando olhamos do ponto de vista de emissões, 70% delas vem dos ingredientes que usamos em nossos produtos", explicou à EXAME Barbara Sollero, gerente-executiva de Agricultura Sustentável da Nestlé Brasil.

Pensando nisso, a companhia investe fortemente em programas de capacitação e apoio técnico para promover boas práticas nas cadeias de cacau, leite e café. Ao todo, são mais de 10 mil produtores parceiros, dentro de uma rede total de 48 mil fornecedores.

No setor leiteiro, o "Nature por NINHO" certifica e recompensa financeiramente agricultores. Já beneficiou mais de 100 produtores que alcançaram o status de "especialistas" no programa, relatando melhorias na saúde do solo, biodiversidade e impacto positivo nos recursos hídricos.

Na cadeia do cacau, através do "Nestlé Cocoa Plan", as fazendas contempladas aumentaram 18% a produtividade e 44% a rentabilidade em apenas um ano.

Quando o assunto é café, o Brasil é o maior produtor do grão e as mudanças climáticas colocam em xeque a produção ao mesmo tempo que exigem sistemas mais resilientes. Nesta cadeia, os produtores já demonstraram produtividade 14% maior e pegada de carbono 12% menor.

"O que os números têm nos demonstrado é que aqueles que estão investindo em eficiência também estão ganhando mais dinheiro", destaca a executiva.

Um dos destaques é o Nescafé Origens do Brasil, a primeira marca carbono neutro de café solúvel. Em uma parceria grandiosa com a organização SOS Mata Atlântica, cada unidade vendida leva ao plantio de uma árvore.

Globalmente, a Nestlé também lançou projetos com Cargill e ETG para reflorestar milhões de hectares em Gana e Costa do Marfim, com meta de reduzir mais de 500 mil toneladas de carbono em 20 anos.

Unilever investe R$ 32 milhões em maior projeto de regeneração 

A Unilever entende a sustentabilidade como parte inegociável do negócio há mais de 20 anos, destacou a Juliana Abreu, gerente de Sustentabilidade da companhia no Brasil.

A estratégia global da companhia é guiada por quatro frentes: clima, natureza, plástico e impacto social — sendo a agricultura regenerativa uma peça-chave.

Neste sentido, a empresa investirá R$ 32 milhões no seu maior projeto, o Renova Terra, voltado à cadeia de soja da maionese Hellmann's. O financiamento será alavancado por meio de uma parceria com a produtora nacional CJ Selecta.

A meta é ambiciosa: alcançar 45 mil hectares restaurados no Cerrado até 2030, cobrindo 90% do insumo usado pela marca no Brasil.

No mundo, o compromisso é implementar as práticas sustentáveis em 1 milhão de hectares de terras agrícolas até 2030. O Renova Terra será desenvolvido ao longo de cinco anos e meio, com atuação nas regiões do Sudoeste Goiano, Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas Gerais.

Além dos benefícios ambientais, o programa também busca fortalecer a resiliência e rentabilidade de 45 agricultores.

Embora esta seja a maior iniciativa, há outras em curso: a aveia, ingrediente usado em maior volume pela marca Mãe Terra, já engaja fornecedores no sul do Brasil.

Na Dengo, 100% dos sistemas são agroflorestais 

Já a Dengo adota uma estratégia ainda mais ousada: 100% da rede de produtores está em sistemas agroflorestais (SAF) desde a fundação da empresa em 2017. Isto significa que todas suas matérias-primas — cacau, frutas, castanhas e especiarias — já vêm com um "selo regenerativo".

Para produzir seu chocolate, a marca costuma comprar cacau entre 70% e 200% acima do preço de mercado, e o motivo é a sustentabilidade. Ao pagar mais caro por produtos locais, ajuda no desenvolvimento de comunidades e impulsiona uma economia justa.

Seus produtores estão majoritariamente na Bahia, com o sistema cabruca, e na Amazônia, com o cacau sombreado, mas também há outros sistemas biodiversos em diferentes regiões brasileiras.

O modelo da Dengo vai além da produção: aproximadamente 60 toneladas de carbono são fixadas por hectare, gerando valor em créditos.

"A Mata Atlântica do sul da Bahia é um dos cinco hotspots de biodiversidade do mundo e nós ajudamos na sua proteção. Temos todo um cuidado, visitamos as fazendas e produtores, acompanhando as métricas e resultados", contou Andresa Silva Adami de Sá, gerente-executiva de redes da companhia.

Mondelēz investe mais de R$ 5 bilhões para reflorestar 

A fabricante Mondelēz demonstra seu compromisso com a agricultura regenerativa por meio do programa Cocoa Life, uma iniciativa global que revoluciona a cadeia produtiva do cacau desde 2012. Sua meta é ter 100% desta matéria-prima vinda deste modelo até o final de 2025.

Com um investimento robusto de mais de 1 bilhão de dólares (R$ 5,46 bi), a empresa vai além da sustentabilidade e quer promover boas práticas que restauram ecossistemas degradados.

"Desenvolvemos pequenos produtores para a aplicação de um modelo que possibilite o crescimento do cacau com outros cultivos, contribuindo para o reflorestamento de espaços antes degradados", explicou Maria Claudia Souza, diretora-sênior de assuntos corporativos e governamentais da Mondelēz Brasil em entrevista ao Melhores do ESG 2025.

O programa capacita agricultores na implementação de sistemas agroflorestais que restauram a biodiversidade local.

Já há resultados tangíveis: no Brasil, mais de 1.900 produtores contemplados pela iniciativa alcançaram um aumento médio de 40% na produção e de 35% na renda familiar.

Desafios na ordem de bilhões

Apesar dos projetos promissores em curso, os executivos são unânimes ao apontar gargalos estruturais que limitam a expansão da agricultura regenerativa no Brasil.

Barbara Sollero, da Nestlé, identifica três obstáculos principais: a falta de métricas para mensurar impacto, políticas de incentivo e estruturas de financiamento com créditos mais competitivos para os pequenos e médios agricultores. 

"Os produtores que participam das nossas iniciativas recebem um valor diferenciado pela venda da matéria-prima. Mas não é o suficiente para financiar essa transição", ressaltou Barbara.

Para Andresa, da Dengo, o problema é ainda mais complexo: "Fazer cultivos desta ordem com sistemas biodiversos e de agricultura sustentável não é barato, e o produtor muitas vezes não consegue nem implementar no campo". Ela aponta também a falta de pesquisa e desenvolvimento, assistência técnica adequada e incentivos governamentais.

Já Juliana Abreu, da Unilever, vê o engajamento no campo como ponto crítico, ao mesmo tempo que se faz necessário assegurar uma maior rentabilidade neste modelo para que se alcance escala.

A exemplo do Cerrado, seriam necessários investimentos estimados em US$ 55 bilhões (R$ 286 bilhões), com retorno de até 19% no marco de 2050 para a transição de 32,3 milhões de hectares com potencial para regeneração.

COP30: a grande vitrine brasileira

Com a COP30 à vista, as executivas também enxergam uma oportunidade histórica para o Brasil se consolidar como líder mundial na agenda.

"Somos um país com forte vocação agrícola e importância global na produção de alimentos, com potencial de impulsionar políticas públicas, parcerias e investimentos que acelerem a mudança para modelos mais sustentáveis", avalia Juliana, da Unilever.

A Nestlé já sente essa responsabilidade: cerca de 25% das matérias-primas que são usadas pela companhia globalmente vêm do Brasil. "Já lideramos essa transformação", destaca Barbara.

Para Andresa, da Dengo, a COP é muito mais do que uma conferência e ganha relevância pela urgência de buscar soluções que revertam a crise climática. "A Amazônia e o Brasil são grandes players desta agricultura de baixo carbono. Somando nesta equação tecnologia, capacidade produtiva e agro, temos o país como o grande líder de iniciativas", concluiu.

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