Um novo medo assombra bares tradicionais de São Paulo e afasta apreciadores de bebidas alcoólicas: os casos de intoxicação com metanol.
Já são seis mortes no estado e 39 pessoas estão sob suspeita de contaminação, mas ainda há muitas lacunas no esquema que escancara um mercado clandestino. Mas afinal, o que está por trás? A resposta pode estar nas garrafas de vidro.
Nos balcões vazios da capital paulista nos últimos dias, consumidores evitam principalmente drinks com vodka, uísque e gin, visto que não há casos nem clareza sobre a possível adulteração de cervejas ou vinhos.
Em meio às operações de fiscalização, seis bares e distribuidoras foram interditados e centenas de garrafas apreendidas.
As investigações sobre as condições de ingestão e as causas das intoxicações ainda estão em curso, mas a principal hipótese aponta para adulteração em bebidas falsificadas que depois eram comercializadas em estabelecimentos.
À EXAME, o CEO da startup de logística reversa Green Mining, Rodrigo Oliveira, explica que as garrafas de vidro de 'uso único' tem total conexão com o problema. Isto porque, deveriam ser quebradas pelos bares e restaurantes após o consumo para serem recicladas e darem vida a novos produtos.
No entanto, o que acontece em muitos casos é a venda para agentes intermediários da cadeia, por preços elevados. Essas garrafas acabam nas mãos de falsificadores que as utilizam para revender bebidas adulteradas no mercado clandestino.
"Reciclar da forma correta não é apenas uma questão ambiental: é também uma medida de saúde pública e de proteção da vida. Cada garrafa quebrada e devidamente reciclada é uma falsificação a menos e uma tragédia evitada", destacou o especialista.
A declaração do especialista resume um lado pouco discutido da crise atual de intoxicação por metanol no Brasil: o elo perdido entre economia circular e segurança pública.
O mercado de bebidas falsificadas se tornou gigantesco e altamente lucrativo no país: um relatório divulgado recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela que a ilegalidade movimentou R$ 56,9 bilhões no Brasil em 2023, um salto de 224% em relação a 2017.
O valor oculto da garrafa vazia
No mercado formal da reciclagem, vidro quebrado vale pouco: entre R$ 0,06 e R$ 0,10 o quilo. Mas uma garrafa intacta, original, com rótulo e tampa, pode ser vendida no mercado paralelo por até R$ 2,00 a unidade.
A diferença é de cerca de 300% a mais e cria um incentivo econômico perverso que sustenta toda a cadeia da falsificação, destacam especialistas.
Neste cenário, falsificadores encontram matéria-prima abundante e barata para bebidas adulteradas com metanol, álcool tóxico que, uma vez metabolizado pelo organismo em formaldeído e ácido fórmico, causa intoxicação grave, cegueira irreversível e até morte.
Enquanto o Ministério da Saúde instalou uma "Sala de Situação" para monitorar a evolução dos casos e coordenar ações emergenciais e diversas autoridades atuam em conjunto, a causa "segue o vazio regulatório que permite a circulação descontrolada de embalagens inteiras pós-consumo", disse Rodrigo.
Reciclagem é saúde e segurança pública
"A rastreabilidade da cadeia de reciclagem é o que garante confiança e segurança. Quando sabemos exatamente de onde veio cada garrafa, quanto pesou, quando foi coletada e para onde foi destinada, temos a certeza de que aquele material não voltará para alimentar o mercado clandestino", complementou Rodrigo.
Desde 2018, a Green Mining implementa em bares e restaurantes de São Paulo um modelo que fecha o ciclo da embalagem de forma rastreável e transparente. Em seu portfólio de clientes, estão gigantes como Ambev e Diageo.
Batizado de Estação Preço de Fábrica, o projeto funciona assim: cada garrafa coletada é pesada individualmente, registrada em plataforma digital que usa tecnologia blockchain e enviada diretamente para reciclagem. O processo é auditável do início ao fim, garantindo que nenhuma embalagem escape ou acabe parando na ilegalidade.
Ao eliminar intermediários, o modelo remunera catadores com valores praticados pelas indústrias recicladoras — entre R$ 0,30 e R$ 0,62 por quilo de vidro —, cerca de cinco vezes mais do que no mercado informal.
Segundo o CEO, isso significa dignidade para trabalhadores da base da cadeia e segurança para a sociedade.
"O grande desafio da reciclagem no Brasil não é técnico, é de governança", explicou. "Não basta coletar. É preciso ter certeza de que aquela embalagem foi destruída e teve destino correto. Sem rastreabilidade, abrimos brechas para desvios que podem custar vidas", acrescentou.
Recentemente, a empresa também lançou um projeto pioneiro de créditos de carbono por meio da reciclagem e com potencial de movimentar R$ 2,8 bilhões por ano a partir de 26 mil toneladas de lixo desviadas de aterros e lixões.
O vácuo que alimenta a tragédia
Atualmente, não existe lei que obrigue a descaracterização de garrafas de vidro não retornáveis após o consumo.
Tampouco há restrição efetiva à venda em grandes quantidades das mesmas, prática que abastece diretamente os falsificadores. A legislação atual pune apenas quem adultera bebidas.
Para Rodrigo, este vácuo regulatório explica a recorrência das tragédias como esta do metanol. Em 2020, casos de intoxicação pelo produto tóxico em Minas Gerais já haviam acendido o alerta. Em 2023, aconteceram novas ocorrências em diferentes estados.
"Agora, 2025 tem o surto mais grave dos últimos anos. O padrão se repete porque a estrutura que o sustenta permanece intocada", ressaltou o especialista.
Economia circular como política de prevenção
A solução não está em criminalizar agentes da cadeia nem em burocratizar ainda mais a reciclagem.
A Green Mining acredita que está em transformar o que já funciona em casos isolados numa política nacional de gestão de embalagens. Entre as recomendações, estão:
- Obrigatoriedade de descaracterização: lei que determine a quebra imediata de garrafas não retornáveis em pontos de grande consumo, como bares, restaurantes e distribuidores, assegurando destinação direta à reciclagem;
- Rastreabilidade como padrão: sistemas digitais que registrem o ciclo completo da embalagem, da coleta à reciclagem, criando transparência e responsabilidade compartilhada entre todos os elos da cadeia;
- Valorização do catador: remuneração justa baseada em valores praticados pela indústria, eliminando intermediários que lucram com a opacidade e incentivando adesão ao modelo formal;
- Proibição de comercialização irregular: restrição legal à venda de grandes volumes de garrafas inteiras sem comprovação de destinação, cortando o fornecimento para falsificadores;
Segundo Rodrigo, as tecnologias no setor já existem e modelos bem-sucedidos estão em operação. "O que falta é vontade política para transformar inovação em regulação, experiência em escala, e emergência em prevenção estrutural", concluiu.
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lixão no Brasil reciclagem resíduos economia circular
(Recyclable waste pickers at the dump)
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Ponto de coleta de catadores, carroceiros em São Paulo - reciclagem - lixo -
Foto: Leandro Fonseca
Data: 27/06/2024
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fábrica de papel reciclado
reciclagem
economia circular
(Workers In Recycle Plant)
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Espaço Sustentável: em parceria com a Coca-Cola, o programa “Recicla, Galera” fomenta a reciclagem
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Bolsas cheias de folhas e restos orgânicos empilhadas no centro de compostagem de Staten Island da Cidade de Nova York, em 4 de janeiro de 2024
(lixo NY resíduo orgânico reciclagem)
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A startup brasileira Energy Source oferece soluções para reparo, reutilização e reciclagem de baterias
(jlr)
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
reciclar - reciclagem - lixo - aterro sanitario -
Foto: Leandro Fonseca
data: 13/04/2023
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
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(Insalubridade)
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
data: 13/04/2023
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
reciclar - reciclagem - lixo - aterro sanitario -
gas natural - biometano
Foto: Leandro Fonseca
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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gas natural - biometano
Foto: Leandro Fonseca
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ORIZON - Valorização de residuos - Fabrica da empresa em Paulinia - SP
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Foto: Leandro Fonseca
data: 13/04/2023
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Recicla Galera - projeto de parintins AM apoiado pela Coca-cola - reciclagem -
Foto: Leandro Fonseca
data: 02/072023
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Reciclagem
(Reciclagem)
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Centro de reciclagem do vidro no Amazonas
(eureciclo vidro amazonas)
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Centro de coleta e processamento de resíduos pós-consumo SustentaPET: ação, que fomenta a economia circular da cadeia de reciclagem, foi criada numa parceria entre a Coca-Cola Brasil e a engarrafadora Coca-Cola FEMSA Brasil
(SustentaPET_crédito Divulgação)
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Entre o lançamento de cápsulas compostáveis e a reciclagem, a Nespresso quer manter o preço dos produtos inalterados
(brejo-nespresso-sustentabilidade-previas-40)
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"Sabemos da importância da reciclagem das cápsulas e que ainda não somos perfeitos nessa missão: reciclamos cerca de 25% do total produzido no mundo" (Nani Rodrigues / Nespresso)
(nani-rodrigues-nespresso-sustentabilidade-16)
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Tecidos de difícil reciclagem acabam em aterros sanitários e lixões a céu aberto
(Nature in danger)
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Cooperativa de reciclagem: os clientes da eureciclo pagam para a startup gerenciar a coleta seletiva
(PRIMA-3)
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eureciclo: mais de 200 mil toneladas de material encaminhadas para reciclagem só no ano passado
(JBS 2)
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Reciclagem de latas de alumínio
(Reciclagem de latas de alumínio)
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A men works in the recycling of plastic bags at CoopFuturo, a sorting collective which receives rubbish from the local government collection service and then sells the material to specialized recycling companies, in Rio de Janeiro, Brazil, on May 21, 2019. - Brazil is the fourth biggest producer of plastic rubbish in the world, beaten only by the United States, China and India, according to a recent report by the World Wildlife Fund (WWF). But the Latin American country recycles just 1.28 percent of the 11.4 million tonnes it generates every year, which the report said was well below the global average of nine percent. (Photo by CARL DE SOUZA / AFP) (Photo credit should read CARL DE SOUZA/AFP via Getty Images)
(BRAZIL-ENVIRONMENT-PLASTIC-RECYCLING)
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Gerdau adotou matriz de produção que tem a reciclagem de sucata ferrosa como principal matéria-prima
(Gerdau-0823)
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Centro de reciclagem da engarrafadora de bebidas Coca-Cola Femsa, em São Paulo: 700.000 garrafas PET processadas por dia
(LIXO 1)
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Fábrica da Basf, no interior de São Paulo: a reciclagem de resíduos no país já superou 80% — Germano Lüders (/)
(Fábrica da Basf, no interior de São Paulo: a reciclagem de resíduos no país já superou 80% — Germano Lüders (/))
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(Reciclagem de garrafas PET da Coca-Cola)
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Reciclagem de lixo em Santana de Parnaíba (SP), parte de projeto
da Unilever e do Pão de Açúcar: as empresas devem protagonizar
o combate ao desperdício | Fabiano Accorsi /
(IDEIAS 1)
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Cooperativa Vila Lata, em
São Paulo: reciclagem de garrafas da Diageo, Pernod Ricard e Heineken | Fotos: Divulgação /
(Programa Glass is Good – Trabalho da Cooperativa Vila Lata, São Paulo – SP)
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Pilhas de lixo plástico comprimido em um centro de reciclagem chinês.
(lixo-china)
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Coleta de plástico para reciclagem em favela de Mumbai, na Índia.
(India-plastico)
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Reciclagem da embalagem PET do Guaraná Antarctica.
(Reciclagem-de-PET2)
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Garrafas de plástico se acumulam em uma fábrica de reciclagem na China.
(plastico-montanha)
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Exposição `Caminhos da Reciclagem´, no Distrito Federal (Wilson Dias/ABr)
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Reciclagem
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Reciclagem
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Resíduos vendidos por empresas recicladoras terão IPI zero
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A capital paulista coletou cerca de 103 toneladas por dia em 2009, 7% do resíduos passíveis de reciclagem.
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