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Intoxicação por metanol: a raiz do problema está nas garrafas — e tem a ver com reciclagem

Crise expõe vácuo na gestão de embalagens pós-consumo e importância da rastreabilidade na cadeia: "Reciclar não é apenas uma questão ambiental: é saúde pública", diz CEO da Green Mining à EXAME

Enquanto o vidro quebrado vale entre R$ 0,06 e R$ 0,10 o quilo no mercado formal de reciclagem, garrafas intactas são vendidas por até R$ 2,00 a unidade e alimentam a falsificação de bebidas (Freepik)

Enquanto o vidro quebrado vale entre R$ 0,06 e R$ 0,10 o quilo no mercado formal de reciclagem, garrafas intactas são vendidas por até R$ 2,00 a unidade e alimentam a falsificação de bebidas (Freepik)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 2 de outubro de 2025 às 16h03.

Última atualização em 2 de outubro de 2025 às 17h25.

Um novo medo assombra bares tradicionais de São Paulo e afasta apreciadores de bebidas alcoólicas: os casos de intoxicação com metanol.

Já são seis mortes no estado e 39 pessoas estão sob suspeita de contaminação, mas ainda há muitas lacunas no esquema que escancara um mercado clandestino. Mas afinal, o que está por trás? A resposta pode estar nas garrafas de vidro. 

Nos balcões vazios da capital paulista nos últimos dias, consumidores evitam principalmente drinks com vodka, uísque e gin, visto que não há casos nem clareza sobre a possível adulteração de cervejas ou vinhos.

Em meio às operações de fiscalização, seis bares e distribuidoras foram interditados e centenas de garrafas apreendidas.

As investigações sobre as condições de ingestão e as causas das intoxicações ainda estão em curso, mas a principal hipótese aponta para adulteração em bebidas falsificadas que depois eram comercializadas em estabelecimentos.

À EXAME, o CEO da startup de logística reversa Green Mining, Rodrigo Oliveira, explica que as garrafas de vidro de 'uso único' tem total conexão com o problema. Isto porque, deveriam ser quebradas pelos bares e restaurantes após o consumo para serem recicladas e darem vida a novos produtos.

No entanto, o que acontece em muitos casos é a venda para agentes intermediários da cadeia, por preços elevados. Essas garrafas acabam nas mãos de falsificadores que as utilizam para revender bebidas adulteradas no mercado clandestino.

"Reciclar da forma correta não é apenas uma questão ambiental: é também uma medida de saúde pública e de proteção da vida. Cada garrafa quebrada e devidamente reciclada é uma falsificação a menos e uma tragédia evitada", destacou o especialista.

A declaração do especialista resume um lado pouco discutido da crise atual de intoxicação por metanol no Brasil: o elo perdido entre economia circular e segurança pública.

O mercado de bebidas falsificadas se tornou gigantesco e altamente lucrativo no país: um relatório divulgado recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela que a ilegalidade movimentou R$ 56,9 bilhões no Brasil em 2023, um salto de 224% em relação a 2017.

O valor oculto da garrafa vazia

No mercado formal da reciclagem, vidro quebrado vale pouco: entre R$ 0,06 e R$ 0,10 o quilo. Mas uma garrafa intacta, original, com rótulo e tampa, pode ser vendida no mercado paralelo por até R$ 2,00 a unidade.

A diferença é de cerca de 300% a mais e cria um incentivo econômico perverso que sustenta toda a cadeia da falsificação, destacam especialistas.

Neste cenário, falsificadores encontram matéria-prima abundante e barata para bebidas adulteradas com metanol, álcool tóxico que, uma vez metabolizado pelo organismo em formaldeído e ácido fórmico, causa intoxicação grave, cegueira irreversível e até morte.

Enquanto o Ministério da Saúde instalou uma "Sala de Situação" para monitorar a evolução dos casos e coordenar ações emergenciais e diversas autoridades atuam em conjunto, a causa "segue o vazio regulatório que permite a circulação descontrolada de embalagens inteiras pós-consumo", disse Rodrigo.

Reciclagem é saúde e segurança pública

"A rastreabilidade da cadeia de reciclagem é o que garante confiança e segurança. Quando sabemos exatamente de onde veio cada garrafa, quanto pesou, quando foi coletada e para onde foi destinada, temos a certeza de que aquele material não voltará para alimentar o mercado clandestino", complementou Rodrigo.

Desde 2018, a Green Mining implementa em bares e restaurantes de São Paulo um modelo que fecha o ciclo da embalagem de forma rastreável e transparente. Em seu portfólio de clientes, estão gigantes como Ambev e Diageo.

Batizado de Estação Preço de Fábrica, o projeto funciona assim: cada garrafa coletada é pesada individualmente, registrada em plataforma digital que usa tecnologia blockchain e enviada diretamente para reciclagem. O processo é auditável do início ao fim, garantindo que nenhuma embalagem escape ou acabe parando na ilegalidade.

Ao eliminar intermediários, o modelo remunera catadores com valores praticados pelas indústrias recicladoras — entre R$ 0,30 e R$ 0,62 por quilo de vidro —, cerca de cinco vezes mais do que no mercado informal.

Segundo o CEO, isso significa dignidade para trabalhadores da base da cadeia e segurança para a sociedade.

"O grande desafio da reciclagem no Brasil não é técnico, é de governança", explicou. "Não basta coletar. É preciso ter certeza de que aquela embalagem foi destruída e teve destino correto. Sem rastreabilidade, abrimos brechas para desvios que podem custar vidas", acrescentou.

Recentemente, a empresa também lançou um projeto pioneiro de créditos de carbono por meio da reciclagem e com potencial de movimentar R$ 2,8 bilhões por ano a partir de 26 mil toneladas de lixo desviadas de aterros e lixões.

O vácuo que alimenta a tragédia

Atualmente, não existe lei que obrigue a descaracterização de garrafas de vidro não retornáveis após o consumo.

Tampouco há restrição efetiva à venda em grandes quantidades das mesmas, prática que abastece diretamente os falsificadores. A legislação atual pune apenas quem adultera bebidas

Para Rodrigo, este vácuo regulatório explica a recorrência das tragédias como esta do metanol. Em 2020, casos de intoxicação pelo produto tóxico em Minas Gerais já haviam acendido o alerta. Em 2023, aconteceram novas ocorrências em diferentes estados.

"Agora, 2025 tem o surto mais grave dos últimos anos. O padrão se repete porque a estrutura que o sustenta permanece intocada", ressaltou o especialista.

Economia circular como política de prevenção

A solução não está em criminalizar agentes da cadeia nem em burocratizar ainda mais a reciclagem.

A Green Mining acredita que está em transformar o que já funciona em casos isolados numa política nacional de gestão de embalagens. Entre as recomendações, estão:

  • Obrigatoriedade de descaracterização: lei que determine a quebra imediata de garrafas não retornáveis em pontos de grande consumo, como bares, restaurantes e distribuidores, assegurando destinação direta à reciclagem;
  • Rastreabilidade como padrão: sistemas digitais que registrem o ciclo completo da embalagem, da coleta à reciclagem, criando transparência e responsabilidade compartilhada entre todos os elos da cadeia;
  • Valorização do catador: remuneração justa baseada em valores praticados pela indústria, eliminando intermediários que lucram com a opacidade e incentivando adesão ao modelo formal;
  • Proibição de comercialização irregular: restrição legal à venda de grandes volumes de garrafas inteiras sem comprovação de destinação, cortando o fornecimento para falsificadores;

Segundo Rodrigo, as tecnologias no setor já existem e modelos bem-sucedidos estão em operação. "O que falta é vontade política para transformar inovação em regulação, experiência em escala, e emergência em prevenção estrutural", concluiu.

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