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John Elkington, pai da sustentabilidade: 'Negacionismo nos prepara para uma crise muito maior'

Em entrevista à EXAME, o criador do conceito "Triple Bottom Line" alerta para o contexto geopolítico de retrocessos e vê o Brasil com 'futuro fantástico', mas com desafios a poucos meses da COP30

John Elkington, cientista: "Não é mais possível alcançar a agenda de sustentabilidade sem IA" (Divulgação)

John Elkington, cientista: "Não é mais possível alcançar a agenda de sustentabilidade sem IA" (Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 15 de julho de 2025 às 15h30.

Última atualização em 15 de julho de 2025 às 15h49.

Aos 75 anos, John Elkington poderia estar aposentado, mas sente que "está apenas começando". O britânico já consolidou seu legado de cinco décadas como "pai da sustentabilidade", após criar o conhecido "Triple Bottom Line" em 1990.

O conceito revolucionou o desempenho de empresas ao aliar três pilares: social (pessoas), ambiental (planeta) e econômico (lucro). Em 2004, o termo evoluiu para ESG e incluiu a governança corporativa.

"Eu sinto que os próximos 10 a 15 anos serão os mais excitantes da minha jornada e que veremos mais mudança para o bem e mal nos próximos 10 a 50 anos do que nos últimos 50 da minha carreira profissional", disse em entrevista exclusiva à EXAME, durante sua passagem ao Brasil no Seminário Nacional de Distribuição de Energia Elétrica (SENDI).

Para John, o mundo está caminhando para um cenário ainda mais dramático do que as mudanças climáticas já anunciadas. O contexto geopolítico global é de rejeição da ciência e retrocessos  impulsionados por Trump, frisa. "Estamos nos preparando para um conjunto desafiador de uma série de crises ao redor de uma crise muito maior", alertou.

No entanto, ele caracteriza como uma 'traição' deixar este futuro incerto e nebuloso na mão dos jovens, como costumam ditar por aí ou pregam alguns ambientalistas mais experientes. "Nós temos que trabalhar juntos e apoiá-los. Conforme eu envelheço, quero passar mais tempo com essa geração e fazer coisas interessantes no aspecto cultural, educacional e criativo", afirmou.

Para driblar a tripla crise planetária, o cientista acredita na educação como um investimento único e o mais importante em qualquer sociedade. "Não só para os jovens, como também para reeducar as pessoas mais velhas para serem menos conservadoras e mais interessadas no futuro", disse.

A escrita moldou sua vida profissional, e ele conta estar neste momento escrevendo seu 22º livro. Entre suas obras renomadas, estão “O Guia do Consumidor Verde”, "Canibais de Garfo e Facas (que apresentou o Triple Bottom Line) e "Cisnes Verdes: a explosão do capitalismo regenerativo". 

O perigo do negacionismo

O que mais preocupa o veterano da sustentabilidade é a crescente onda de negacionismo científico, especialmente entre líderes políticos.

"Não é apenas sobre Trump e os que estão com ele, há outros políticos particularmente de direita ao redor do mundo indo na direção contrária à ciência", afirmou.

Enquanto o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU nos indica que estamos caminhando para pelo menos 3 °C de aquecimento global até o fim do século e  uma série de eventos extremos catastróficos, John lamenta a postura dos Estados Unidos, segundo maior emissor global de gases estufa e que deixou o Acordo de Paris no mesmo dia da posse do novo presidente.

"Trump acredita que a melhor forma de lidar com a crise climática é destruir a base científica que nos alerta sobre sua existência. Muitas crianças cobrem os olhos com as mãos e acham que, por não verem o mundo, ele deixa de existir", refletiu.

O especialista prevê que as consequências do negacionismo serão alarmantes: as mudanças climáticas se tornarão ainda mais difíceis e muito mais rápidas e o mundo enfrentará dificuldades para lidar com repercussões sociais e políticas.

Brasil tem 'futuro fantástico', mas há desafios

A poucos meses de sediar a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP30) em Belém do Pará, John vê o Brasil com um 'futuro fantástico' ao mesmo tempo em que enxerga um cenário de contrastes e desafios.

"Amo o país pela sua criatividade, inovação, riqueza natural e cultural, mas há desafios estruturais que podem comprometer todo seu potencial em soluções", disse.

O cientista se refere aos ativos nacionais que, se geridos com sabedoria, podem gerar uma enorme oportunidade para o Brasil em recursos naturais essenciais para a transição energética. Mas se manter as trajetórias e políticas atuais, John alerta que não haverá transformação efetiva.

"Se você olhar para os impactos do aquecimento global na Amazônia até o final deste século, a região vai basicamente virar uma savana. Isso significa que o ciclo da água de todo o setor hidrelétrico brasileiro vai começar a desaparecer", exemplifica.

Neste sentido, John critica a "abordagem militar" frequentemente sugerida no bioma para combater o desmatamento e evitar o corte de árvores. Em vez disso, propõe uma visão mais construtiva.

"A forma mais inteligente seria pensar sobre como podemos investir nas soluções que vão criar a economia sustentável necessária através da região amazônica, a tornando incubadora para modelos escaláveis para o resto do mundo", frisou.

O papel da tecnologia e IA

John também reconhece o potencial das tecnologias emergentes para combater a crise climática, mas adverte sobre os riscos de uma transição mal planejada e não acredita em usá-las como 'solução mágica'.

"Nenhuma inovação sozinha resolverá todos os problemas ambientais. Não é surpresa que haja uma grande atenção voltada para energias renováveis, veículos elétricos e drones. De fato, todos esses setores estão evoluindo mais rápido do que prevíamos", observa.

"Se nós as usarmos com as mentalidades atuais, vamos ter exatamente os mesmos problemas. E alguns novos", complementou.

Entre as mais promissoras, John destacou o advento da inteligência artificial.

"Não é mais possível alcançar a agenda de sustentabilidade sem IA. Precisamos da capacidade de pensar em uma escala muito diferente"

Por outro lado, o especialista admitiu que também há o risco de aprofundar desigualdades. "As disparidades de riqueza impulsionadas pelas diversas revoluções tecnológicas estão contribuindo para uma crescente polarização social", acrescentou.

'Recall' do Tripé da Sustentabilidade

Recentemente, John fez um "recall" do Triple Bottom Line (tripé da sustentabilidade) e reconheceu problemas que precisavam ser corrigidos para uma reformulação do conceito.

Diferentemente do que muitos pensaram em um primeiro momento, o principal motivo não foi o greenwashing, mas sim uma mentalidade equivocada que ele chamou de "trade-off" dentro das empresas.

Nela, os três pilares "econômico, social e ambiental" passaram a ser tratados como elementos separados e negociáveis entre si, como se fosse possível 'sacrificar' um para alcançar o outro. Segundo o cientista, a ideia impedia soluções integradas que beneficiem todas as dimensões simultaneamente e seria nociva aos negócios.

Já o "recall" visa então restaurar a intenção original do conceito e promover resultados positivos em todos os pilares.

Sobre uma possível "recessão do ESG" no mundo, John mantém uma perspectiva equilibrada e disse perceber um recuo de investidores que antes afirmavam priorizar o desempenho ambiental, social e de governança das empresas.

"Agora, os mesmos estão sob forte pressão. Mas é inevitável: o setor cresceu rápido demais, impulsionado por uma 'enxurrada' de dinheiro que, na verdade, não compreendia a real agenda de transformação", concluiu.

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