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Estudos indicam que o Brasil detém o maior potencial global de geração de créditos baseados na natureza, com mais de 30 bilhões de toneladas de CO2 equivalente até 2050. (Agency/Getty Images)
Publicado em 7 de junho de 2025 às 18h12.
* Por Munir Soares
A sanção da Lei nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), inaugura uma nova etapa para a política climática nacional.
Ao permitir a interoperabilidade com créditos de carbono oriundos do mercado voluntário, desde que aderentes aos critérios definidos pelo SBCE, o Brasil dá um passo importante rumo à valorização de seus ativos ambientais e à construção de um mercado de carbono robusto e funcional.
A questão central que se coloca é: como transformar esse novo marco legal em um ambiente de negócios atrativo, eficiente e ancorado na integridade climática capaz de destravar o potencial brasileiro na geração de ativos ambientais?
Uma das respostas mais promissoras está na adaptação de um modelo já consolidado: os leilões centralizados, inspirados nos mecanismos de contratação de energia elétrica no Ambiente de Comercialização Regulado (ACR).
Essa abordagem pode oferecer os instrumentos necessários para alinhar demanda, reduzir riscos de mercado e mobilizar capital para projetos de médio e longo prazo, especialmente em setores como conservação, restauração ecológica e agricultura regenerativa.
O modelo de leilões da ANEEL provê lições valiosas. Nele, os contratos de compra de energia elétrica firmados entre geradores e distribuidoras são intermediados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), assegurando padronização, previsibilidade e segurança jurídica.
O SBCE pode se beneficiar de estrutura semelhante: leilões para aquisição de créditos de carbono verificados, com entrega futura e contratos padronizados por categoria de projeto, ano de entrega e tipo de uso (mercado interno, cumprimento de NDCs, exportação via Artigo 6 ou CORSIA considerando ajustes correspondentes).
A padronização contratual aumenta a segurança jurídica para investidores e desenvolvedores de projetos, favorecendo a previsibilidade das operações.
Com isso, tende a atrair maior volume de investimentos e a facilitar a integração do mercado de carbono com o setor financeiro, contribuindo diretamente para superar um dos principais gargalos atuais do setor.
A concentração da demanda, seja por parte de empresas reguladas no âmbito do SBCE, do governo federal ou de entidades interessadas em ITMOs, criaria liquidez e sinal de preço.
Isso é essencial para destravar investimentos em projetos de ciclo longo, como os de restauração ecológica, com altos custos iniciais e geração de créditos a partir de 5 a 10 anos após seu início.
Para que os leilões de carbono se tornem realidade, três pilares devem ser estruturados:
1. Governança institucional: é necessário definir o órgão operador dos leilões. A exemplo da CCEE no setor elétrico, uma entidade com atribuições técnicas e independência operacional deve ser incumbida de organizar, registrar e liquidar os contratos de compra e venda de créditos. Essa entidade deve operar sob supervisão de instâncias reguladoras, como o Ministério do Meio Ambiente ou o futuro Comitê Gestor do SBCE.
2. Padronização regulatória: será fundamental o desenvolvimento de contratos padronizados para negociação dos créditos. Esses contratos devem definir critérios de elegibilidade dos ativos, parâmetros de verificação, garantias de entrega, mecanismos de penalidade por inadimplência e cláusulas que assegurem conformidade com regras internacionais (ajustes correspondentes, rastreabilidade e rastreamento via registros). O arcabouço jurídico deve prever salvaguardas ambientais e sociais, integridade climática e compatibilidade com mecanismos internacionais como CORSIA e o Artigo 6 do Acordo de Paris.
3. Infraestrutura técnica: o leilão exige a articulação com registros e certificadoras internacionais aceitas no SBCE, sistemas de MRV e plataformas digitais de rastreamento de créditos, para garantir a integridade da informação e evitar dupla contagem.
Estudos indicam que o Brasil detém o maior potencial global de geração de créditos baseados na natureza, com mais de 30 bilhões de toneladas de CO2 equivalente até 2050 em setores como conservação florestal (REDD+), reflorestamento e agricultura regenerativa.
Estimativas projetam que os créditos brasileiros possam capturar de 15% a 20% do mercado global de soluções baseadas na natureza, podendo alcançar receitas de até US$ 2,4 bilhões anuais em 2030.
Por meio dos leilões, esse potencial pode ser efetivamente ativado.
Ao oferecer previsibilidade de preço e demanda, os leilões viabilizam o acesso a capital para projetos intensivos em investimento inicial e de retorno demorado, ao mesmo tempo que criam um sinal claro de política pública para atrair investidores institucionais, bancos multilaterais e instrumentos de blended finance.
Além disso, essa abordagem fortalece o papel do SBCE como elemento de coordenação entre o mercado doméstico e os compromissos internacionais do país.
Leilões com créditos com ajustes correspondentes podem ser o canal estruturado para o Brasil operar no mercado de ITMOs com integridade ambiental, evitando os riscos reputacionais da dupla contagem e consolidando a governança climática nacional.
A operacionalização dos leilões também deve considerar sua articulação com outras políticas públicas, como o Plano Clima e a Estratégia Nacional de Bioeconomia.
Os recursos arrecados podem contribuir com a adoção de metas climáticas mais ambiciosas além de orientar recursos privados para as iniciativas de conservação e restauração, essenciais para o cumprimento das metas previstas na NDC.
A adoção de critérios sociais e regionais nos leilões também pode impulsionar a geração de co-benefícios, como emprego rural, inclusão produtiva de povos indígenas e comunidades tradicionais, e resiliência climática de sistemas produtivos.
O desenho desses instrumentos pode incorporar metas específicas de impacto territorial, reforçando o papel do mercado de carbono como catalisador de desenvolvimento sustentável.
Leilões de créditos de carbono no SBCE oferecem uma oportunidade singular de estruturar um mercado previsível, transparente e ambientalmente íntegro.
Inspirado nas experiências bem-sucedidas do setor elétrico, esse modelo pode alinhar interesses públicos e privados, alavancar investimentos e posicionar o Brasil como líder na transição climática global.
Para isso, será necessário investimento técnico, segurança jurídica e, sobretudo, decisão política para construir uma institucionalidade à altura do desafio.
*Munir Soares é doutor em Energia e Mudanças Climáticas pela USP, sócio-fundador e CEO da Systemica