Patrocínio:
Parceiro institucional:
André Corrêa do Lago, presidente da COP30: "Licenciamento é questão interna complexa" (Leandro Fonseca/Exame)
Editora ESG
Publicado em 3 de junho de 2025 às 12h34.
Última atualização em 3 de junho de 2025 às 22h34.
Rio de Janeiro — A dez dias das negociações preparatórias de Bonn, na Alemanha, que devem definir os parâmetros técnicos da COP30, André Corrêa do Lago, presidente da Conferência, tem mantido uma postura cautelosa sobre controvérsias domésticas.
Na tarde de segunda-feira, 2, o diplomata atendeu brevemente um pequeno grupo de jornalistas quando chegou ao The Exchange Summit, evento realizado no Rio de Janeiro pelo Instituto Beja.
Na rápida conversa, trouxe o conceito de mutirão e outras mensagens repetidas à exaustão em cada comunicação da gestão da COP e também do presidente Lula. Evitou, contudo, ser mais crítico a temas como a repercussão do PL do licenciamento ambiental.
"A gestão do licenciamento é um tópico interno complexo", respondeu, quando questionado pela EXAME sobre a percepção internacional a respeito do PL e do Brasil como líder climático.
O presidente da conferência ainda enquadrou a polêmica como parte do debate democrático legítimo: "O mundo olha para isso como uma democracia em que as pessoas têm opiniões diferentes."
A postura de neutralidade contrasta com pressões crescentes sobre o país — e a presidência da COP — para assumir liderança efetiva na descarbonização.
Corrêa do Lago já enfrentou questionamentos semelhantes sobre a exploração da Margem Equatorial amazônica durante o Diálogo de Petersberg, evidenciando a dificuldade de conciliar a agenda climática mundial com interesses econômicos nacionais.
A abordagem evasiva parece caminhar na contramão da estratégia brasileira para a COP30, batizada de "mutirão global", que propõe colaboração ampliada entre diversos atores para reconectar discussões climáticas com soluções práticas implementáveis.
O conceito derivado de palavra guarani que significa trabalho coletivo, como André Corrêa do Lago lembrou na palestra que ministrou no evento, busca mobilizar capacidades distribuídas além de marcos regulatórios tradicionais.
"A ideia do mutirão é trazer de volta uma confiança de que a gente pode combater a mudança do clima e desestimular a desistência", detalhou o diplomata, explicando que
Cada um de nós individualmente e as empresas individualmente, as microempresas, as instituições, pequenos países, grandes países, todos têm capacidade de contribuir.
Em uma análise mais direta, o presidente da COP30 apontou o "negacionismo econômico" como o maior dos obstáculos estruturais à transição energética, outro assunto sensível, que pode impactar na credibilidade do Brasil enquanto anfitrião da Cúpula do Clima.
"Os países que investiram nessas áreas criaram emprego, melhoraram a economia. E isso é uma coisa que a gente tem de divulgar muito melhor", ressaltou, acrescentando também a necessidade de uma comunicação mais eficaz sobre benefícios econômicos da agenda climática.
O diplomata citou exemplos globais de sucesso. "Temos casos na China, na Europa, nos Estados Unidos, até no México", destacando países que transformaram investimentos verdes em vantagens competitivas.
"Mas infelizmente, na comunicação, nós andamos perdendo", ponderou, salientando que em sua percepção, narrativas negativas predominam sobre evidências de oportunidades econômicas.
EXAME também questionou Corrêa do Lago sobre possíveis sobreposições funcionais entre os enviados especiais nacionais e a tradicional função do Climate Champion, exercida na COP30 por Dan Ioschpe. Para o presidente da COP, os escopos são bem delineados.
"Enquanto o Climate Champion trabalha para o mundo inteiro, sobretudo como uma ponte com o setor privado, a estratégia dos enviados especiais veio responder às fragmentações internas brasileiras sobre políticas climáticas", pontuou
"Nós sabemos que o tema do clima ainda provoca algumas polêmicas, ainda divide de uma certa forma nossa sociedade", acrescentou o diplomata.
Como exemplo, citou especificamente o trabalho do ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, enviado especial do setor, que "já está fazendo um trabalho incrível, chamando vários especialistas para trabalhar de maneira muito profunda a contribuição da agricultura brasileira".
Publicada há poucos dias, a terceira carta oficial da presidência da COP30 abordou combustíveis fósseis pela primeira vez, lembrando que respondem por mais de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Questionado sobre critérios para transição energética, Corrêa do Lago reconheceu a enorme resistência de grandes produtores desenvolvidos, que argumentam que outras nações deveriam liderar a transição, enquanto descobridores recentes de reservas resistem a abandonar oportunidades econômicas imediatas.
Apesar das complexidades geopolíticas, o embaixador não sinalizou, pelo menos por enquanto, um horizonte de soluções objetivas.
"De fato, há vários países que gostariam que houvesse critérios mais específicos. O que acontece é que as regras da convenção e as regras do Acordo de Paris são baseadas na diferenciação entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos", explicou.
André Corrêa do Lago abriu sua apresentação no The Exchange Summit recorrendo ao histórico do Protocolo de Montreal.
"O buraco da camada de ozônio nos anos 1970 foi uma descoberta científica que assustou enormemente", relatou, explicando então como uma negociação multilateral bem-sucedida resultou na eliminação de 95% dos gases destruidores da camada de ozônio.
"Por meio de um acordo internacional, todos os países do mundo concordaram em banir aqueles gases, e para substituí-los, havia um sistema de financiamento e transferência de tecnologia para que o mundo inteiro pudesse mudar e usar produtos menos nocivos", detalhou para a plateia formada por brasileiros e estrangeiros.
A introdução estabeleceu um paralelo para, na sequência, admitir as diferenças substanciais nos desafios atuais, que ele e seu time devem enfrentar nos próximos meses.
"A questão climática envolve muito mais setores econômicos, muito mais necessidade de recursos e tecnologia", concluiu, apontando o que deve dificultar futuros consensos similares aos alcançados com ozônio.
Até 15 de junho, quando se iniciam as negociações preparatórias de Bonn, o Brasil apresentará a agenda de ação da COP30, tema da quarta Carta Aberta à comunidade internacional.
"A agenda de ação tem crescido significativamente nos últimos encontros e é onde surgem muitas das melhores soluções para combater mudanças do clima", afirmou Corrêa do Lago, em outro evento, na manhã de segunda-feira.
As três cartas já divulgadas pela presidência compõem progressiva especificação da pauta brasileira. A primeira comunicação trouxe conceitos estruturais do "Mutirão Global Contra a Mudança do Clima", a segunda introduziu mecanismos de governança para atores não estatais, e a terceira incorporou linguagem técnica específica sobre combustíveis fósseis.
Agora, as negociações preparatórias devem estabelecer parâmetros técnicos para discussões em Belém, com a presidência definindo três prioridades específicas: indicadores da Meta Global de Adaptação, Programa de Trabalho dos Emirados Árabes sobre Transição Justa, e Diálogo sobre implementação dos resultados do Balanço Global.
"Temos de devolver a confiança no combate à mudança climática", repetiu André Corrêa do Lago, na conclusão de sua fala no The Exchange Summit.
A máxima vale também a para a gestão brasileira da COP30. Embora muito respeitado e querido, André Corrêa do Lago tem sido alvo de críticas justamente pelo que alguns especialistas apontam como "uma atuação excessivamente diplomática e falta de liderança mais efetiva e marcante", comentou um deles, que prefere não se identificar.
A impressão, às vésperas da reunião de Bonn, torna mais desafiador converter a retórica do "mutirão global", especialmente considerando as aparentes contradições entre políticas energéticas nacionais e compromissos multilaterais assumidos pelo país.
E indica que o sucesso da presidência brasileira dependerá da capacidade de superar a postura evasiva, transformando Belém em uma plataforma efetiva para avanços climáticos globais.