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Jorge Arbache, professor de economia da Universidade de Brasília: "O que realmente rege o mundo são interesses políticos e de mercado, infelizmente não o que é 'bom para o clima'" (Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 25 de julho de 2025 às 09h00.
Última atualização em 25 de julho de 2025 às 16h24.
Enquanto a China transformou sua dependência energética em uma das maiores indústrias exportadoras de energia limpa do mundo,o Brasil segue desperdiçando "oportunidades bilionárias" na economia verde.
A diferença está na visão estratégica: os chineses enxergaram um negócio onde os demais países poderiam encarar apenas como um problema ambiental ou uma ‘vulnerabilidade’.
É a avaliação de Jorge Arbache, professor de economia da Universidade de Brasília e um dos grandes especialistas em finanças climáticas.
"A China ganha muito dinheiro vendendo para o resto do mundo uma solução que nasceu como estratégia militar. O problema do Brasil é não enxergar a sustentabilidade como uma agenda de negócios", destacou em entrevista exclusiva à EXAME.
Como reflexo, o país asiático lidera em renováveis e em tecnologias da transição energética e o Brasil importa massivamente seus painéis solares, baterias e carros elétricos.
Mas não precisava ser assim, frisou o especialista. Isto porque, o país tem potencial para ser líder mundial em pelo menos três frentes: biocombustíveis, energia renovável competitiva e o que chama de "Power Shoring", conceito que ele mesmo desenvolveu ainda em 2022.
"Não temos falta de tecnologia, capacidade ou recursos naturais. O que precisamos é de uma visão e de coordenação nacional para transformar a agenda de forma robusta", explicou.
O Power Shoring estabelece a “exportação de soluções verdes" para empresas intensivas em energia e que precisam descarbonizar. É o caso de indústrias pesadas como aço, alumínio, mineração e petróleo.
Para Jorge, o Brasil é o melhor país para liderar a estratégia e atrair capital ao fornecer muita energia renovável abundante e barata para o resto do mundo. Enquanto a política ainda não existe, outros países da América Latina como o México já estão investindo na ideia, lamentou o economista.
Já no setor de biocombustíveis, o Brasil enfrenta obstáculos que têm pouco a ver com competitividade e muito com interesses geopolíticos. "Temos uma capacidade quase que singular de contribuir para a descarbonização do transporte internacional", exemplificou Jorge.
Mesmo com cinco décadas de experiência com etanol, uma infraestrutura consolidada e vantagens naturais únicas, o especialista explica que ainda há muita resistência -- especialmente da Europa. "Alguns países ainda não entendem esta solução sustentável como uma rota válida", acrescentou.
Os argumentos europeus contra os biocombustíveis brasileiros vão desde o insumo ser proveniente de desmatamento até pela competição com a produção global de alimentos, visto que estes combustíveis são provenientes de fontes renováveis como biomassa, plantas e resíduos orgânicos muito abundantes no agronegócio.
Na visão do economista, "se trata apenas de uma narrativa, não de fatos".
"O que realmente rege o mundo são interesses políticos e o mercado, não o que é 'bom para o clima'. Na hora do vamos ver, bloqueiam", complementou.
Dados recentes reforçam o potencial dos biocombustíveis na transição para uma economia de baixo carbono. Até 2028, a demanda global deste insumo para o setor de transportes deverá crescer pelo menos 30% ao substituir fontes fósseis, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).
Por outro lado, até 2030, haverá um déficit global de aproximadamente 20% neste suprimento para ser utilizado na aviação, transporte marítimo e rodoviário pesado.
Neste cenário, o Brasil pode ser protagonista: um estudo da Universidade de São Paulo com a Fapesp revela que o país já possui mais de um terço da demanda de combustível sustentável e tem a oportunidade única de reduzir até 800 milhões de toneladas de CO₂ até o final desta década sem comprometer a produção de alimentos.
A Lei do Combustível do Futuro, sancionada em outubro de 2024 pelo presidente Lula, estabelece marcos regulatórios para fomentar o mercado no país, com programas nacionais para diesel verde, combustível sustentável para aviação (SAF) e biometano.
Segundo Jorge, o Brasil possui vantagens geográficas únicas para a economia verde, mas isso também pode se tornar em um problema dentro do contexto geopolítico.
"Todos os potenciais que estamos falando estão ancorados em geografia favorável. Não é possível produzir biocombustíveis na Europa, por exemplo. Mas a nível internacional, ninguém é amigo de ninguém e podem puxar nosso tapete", acredita o especialista.
O economista prevê que essa tensão pode aumentar com o estresse hídrico global. "O lugar onde mais tem água no mundo é a Amazônia. Eu diria que não é impossível que em um futuro próximo a região se torne ponto de alta vulnerabilidade para o Brasil."
Com a COP30 se aproximando em Belém do Pará, Jorge defende uma "mudança radical no discurso brasileiro". Em vez de esperar doações e investimentos internacionais, o país deveria focar em "soluções de mercado" -- o que está intrinsicamente conectado com a sua visão de impulsionar a agenda de sustentabilidade com a de negócios.
"Não devemos esperar que os países ricos financiem a conta da crise do clima. Eles já disseram que está ficando difícil e na prática estão dizendo: esqueçam", disse ao se referenciar ao financiamento climático necessário na casa dos US$ 1,3 trilhão anuais para as nações mais vulneráveis lidarem com os efeitos mais severos das mudanças climáticas.
Em relação à exploração de petróleo na margem equatorial, Jorge reflete e diz que os recursos são necessários para o financiamento da própria transição energética.
"Aquilo é como se fosse uma poupança. São centenas de bilhões de dólares que estão enterrados lá", argumentou. "E a pergunta é: o Brasil pode se dar o luxo de não usar essas centenas de bilhões para financiar o seu desenvolvimento?"
O economista também acredita que a agenda climática voltará com força, mesmo após a série de retrocessos políticos e medidas dos Estados Unidos sob a administração de Trump.
No entanto, virá com uma nova roupagem. "Veremos a volta do reconhecimento e importância da sustentabilidade, mas não com o mesmo discurso. Daqui para a frente, será com a premissa de segurança nacional", concluiu.