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Organizações ambientais sobem o tom por veto integral ao PL do licenciamento

Observatório do Clima entrega ao governo análise detalhada que identifica retrocessos em 42 dos 66 artigos aprovados, enquanto Lula enfrenta pressões opostas às vésperas da COP30

Mobilização aponta que alterações na legislação ambiental podem afetar segurança hídrica e climática de mais de 70% da população brasileira. (Luoman/Getty Images)

Mobilização aponta que alterações na legislação ambiental podem afetar segurança hídrica e climática de mais de 70% da população brasileira. (Luoman/Getty Images)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 27 de julho de 2025 às 08h10.

Uma semana após a aprovação do projeto de lei do licenciamento ambiental no Congresso, a discussão ganhou nova dimensão.

A mobilização das organizações ambientais evoluiu de críticas pontuais para uma ofensiva coordenada que pressiona o presidente Lula pelo veto integral da proposta.

Um documento de 95 páginas, entregue na última quarta-feira (23) pelo Observatório do Clima ao governo federal, trouxe precisão técnica a um debate até então mais marcado por posições ideológicas.

A análise detalhada revelou que, dos 66 artigos da proposta, pelo menos 42 apresentam o que especialistas classificam como "retrocessos graves", revelando que a legislação aprovada pode estar mais distante do objetivo declarado do que seus defensores imaginavam.

"Em vez de estabelecer um marco legal sólido, o texto proposto cria um cenário de caos regulatório", aponta o parecer, que foi distribuído para a Presidência da República e 16 ministérios.

O timing não é casual: faltam pouco mais de cem dias para o Brasil sediar a COP30 em Belém, evento estratégico para reposicionar o país no cenário climático internacional.

Evidências técnicas pesam

Por trás dos números frios do levantamento técnico, revela-se uma narrativa que pode influenciar diretamente as decisões no Planalto.

Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, traduziu os aspectos jurídicos em argumentos políticos diretos:

"Em plena crise climática e no ano da COP 30, não há sequer uma menção ao clima no texto aprovado".

Constatação que, além da retórica partidária, é avalizada pela experiência e trajetória pessoal de Araújo, ex-presidente do Ibama, que conhece os meandros do licenciamento ambiental como poucos.

O tom da oposição subiu também em outras frentes. Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), classifica o texto aprovado como "um dos maiores ataques socioambientais dos últimos 40 anos".

Para a especialista em direito ambiental e defesa de povos tradicionais, o projeto "institucionaliza o racismo ambiental como instrumento de Estado" ao enfraquecer "a proteção aos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais".

Brumadinho e outros fantasmas

Conforme a nota técnica, pela nova legislação, empreendimentos como a barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, responsável pela tragédia de Brumadinho em 2019, seriam passíveis de licenciamento automático.

O argumento se baseia no fato de o estudo demonstrar que a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) - originalmente criada para empreendimentos de pequeno impacto segundo jurisprudência do STF - foi expandida no texto para atividades de médio porte.

"A extensa aplicação da LAC consolidada no texto aprovado implica a transformação da maioria das licenças ambientais do país em atos administrativos gerados automaticamente, emitidos com base apenas na autodeclaração do responsável pelo empreendimento", detalha o relatório.

Ainda mais controversa é a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que o Observatório do Clima batizou como "licença por pressão política".

Esta modalidade permitiria que empreendimentos de grande porte sejam aprovados por processos simplificados com base no critério subjetivo de "interesse estratégico".

Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, ressalta um dispositivo inserido no projeto, chamado por ela de "jabuti", que consiste em uma alteração que enfraquece proteções da Lei da Mata Atlântica ao facilitar o desmatamento de florestas maduras.

O mecanismo funciona permitindo que atividades antes sujeitas a licenciamento rigoroso no bioma passem por processos simplificados. O que, na prática, significa que áreas florestais que hoje têm proteção especial perderiam essa salvaguarda.

Segundo Ribeiro, com a mudança os índices de desmatamento na Mata Atlântica podem voltar ao patamar anterior à lei especial de 2006, cerca de 110 mil hectares devastados por ano.

Nesse cenário, cerca de 12% dos remanescentes florestais em relação à cobertura original estariam vulneráveis, colocando em risco "a segurança hídrica, climática e a saúde de mais de 70% da população nacional".

Qualquer aceleração no desmatamento do bioma teria impacto direto no abastecimento hídrico e climático das regiões mais populosas do Brasil.

Por fim, Alice Dandara alerta para outro risco sistêmico: "a proposta abre caminho para uma guerra fiscal ambiental entre estados e municípios, ao descentralizar de forma irresponsável decisões que deveriam estar amparadas por diretrizes nacionais uniformes".

O calendário como aliado

Além da formalização da oposição através do parecer técnico, essas organizações apostam numa vantagem de ocasião com a proximidade da COP: transformar questões que poderiam ser apenas regulatórias em argumentos de política externa.

Numa mudança de abordagem clara, em vez de disputar cada ponto da legislação, as entidades reforçam a questão como teste de credibilidade internacional.

Clarissa Presotti, especialista do WWF-Brasil, conecta diretamente a decisão sobre o veto à imagem internacional do país:

"É uma decisão que precisa estar à altura dos compromissos climáticos do Brasil e da confiança internacional que o país busca reconquistar, especialmente às vésperas da COP30".

A mudança de tom marca uma evolução na discussão. Há uma semana, quando EXAME ouviu as reações após a aprovação no Congresso, o cenário mostrava especialistas divididos entre críticas pontuais e reconhecimento de que o sistema atual precisava de reformas.

Na ocasião, Giulianna Coutinho, da Ambipar, sintetizou o sentimento compartilhado por alguns setores industriais e até ambientalistas mais moderados: "Hoje, você demora dois, três anos para conseguir licenciar um empreendimento porque o órgão público está atolado".

Agora, ao que parece, a disposição inicial para o diálogo desapareceu e, com os dados em mãos, ambientalistas adotaram a postura de confronto total.

"O texto não é passível de correções pontuais. Por isso, o veto integral é a única saída juridicamente segura", sentencia Presotti, sinalizando que as entidades não veem mais espaço para negociação.

Um dilema que define um governo

No centro desta pressão crescente está Lula, enfrentando um cabo de guerra que pode definir a marca de sua gestão na área ambiental.

De um lado, setores produtivos e ministérios como Casa Civil, Transportes e Agricultura defendem a sanção, argumentando que a proposta destravaria obras de infraestrutura essenciais.

Do outro, organismos ambientais e Marina Silva articulam pela rejeição total. A ministra do Meio Ambiente já havia sinalizado que o governo não sancionaria a lei, mas a resistência das pastas favoráveis ao texto gera conflito no Planalto.

O embate explica a estratégia do Observatório do Clima de enviar seu parecer para 16 diferentes órgãos federais, numa tentativa de influenciar o debate governamental.

"O único caminho sensato é o veto integral", reafirma Suely Araújo, argumentando que a legislação "não cumpre o papel de uniformizar as regras do licenciamento ambiental e ainda promove inúmeros retrocessos".

O desfecho, esperado para as próximas semanas, carrega o peso de uma escolha que afeta não somente o futuro do licenciamento ambiental brasileiro, mas já influencia a credibilidade internacional do país.

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