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Marina Silva, ministra de mudanças climáticas: "O que precisamos é do compromisso ético para transformar respostas técnicas em capacidade de ação" (Bloomberg Philantrophies/Divulgação)
Publicado em 6 de novembro de 2025 às 19h00.
Última atualização em 6 de novembro de 2025 às 20h03.
"Não basta só adaptar. É preciso transformar, sobretudo o modelo de desenvolvimento." A declaração da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, no encerramento do Fórum de Líderes Locais no Rio de Janeiro, sintetizou um recado urgente: a COP30 é a hora de transformar ideias em implementação -- e as cidades estão na linha de frente.
O Fórum promovido pela Bloomberg Philanthropies também contemplou a Cúpula Mundial de Prefeitos do C40 e culminou na Cúpula de Ação Climática na quarta-feira, 6, em um esquenta para as negociações em Belém e com a missão de formular uma agenda ambiciosa e colaborativa.
Esta é a primeira vez que a liderança subnacional é reconhecida oficialmente como pilar fundamental do processo da grande conferência do clima da ONU, mas conversas de corredor e bastidores chamaram a atenção durante o evento: muitos líderes locais não devem seguir para Belém nos próximos dias.
Ouvidos pela EXAME, alguns prefeitos brasileiros relataram os preços altos das hospedagens e a falta de clareza sobre seu papel como principal empecilho.
"O orçamento já é curto aos municípios, como vou justificar os gastos em Belém?", um deles refletiu.
Por outro lado, surgiu uma unanimidade: a presença no Rio era importante neste momento, principalmente para compartilhar soluções verdes a nível local e buscar formas de financiamento -- um dos principais gargalos para que as cidades consigam implementar ações de mitigação e adaptação climática.
Paralelamente, o encontro em solo carioca contou com algumas ausências de autoridades brasileiras, como do embaixador e presidente da COP30, André Correa do Lago, que estava confirmado na programação mas precisou embarcar de São Paulo para a Cúpula de Líderes em Belém.
Já a CEO executiva da COP, Ana Toni, marcou presença apenas na abertura, enquanto Marina Silva apareceu no último dia enquanto se dividia entre o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Summit Impact Assembly promovido pelo príncipe William no Pier Mauá.
Na terça-feira, 4, mais de 100 prefeitos assinaram uma carta que será entregue oficialmente na COP30 e que propõe o federalismo climático como base para uma transição justa e sustentável.
Enquanto o mundo se preocupa com o vazio de liderança dos Estados Unidos na COP30 e confirmação de ausência não só do presidente Donald Trump como de toda delegação da Casa Branca, o Fórum no Rio mandou um recado oposto: os líderes locais não vão recuar ou regredir da ação climática, mesmo com as políticas anti-clima vindas do governo federal.
O grupo coordenado por Gina McCarthy, ex-assessora climática da Casa Branca no governo Joe Biden, contou com pelo menos 35 representantes de governos subnacionais entre prefeitos e governadores. Na COP30, o número sobe para 100 e mira reforçar esse protagonismo.
A presença americana expressiva pode ser explicada, em parte, pelo fato de que a Bloomberg Philanthropies, um dos maiores fundos filantrópicos do mundo e promotora do evento, tem sede em Nova York. A organização, junto a iniciativas como a C40 Cities, apoia ativamente essa rede de governança local que resiste às políticas federais.
'Nossa liderança é maior que uma pessoa', disse Casey Katims, diretor executivo da Aliança Climática dos EUA, durante uma coletiva de imprensa. Na ocasião, foi lançado um relatório que demonstrou que os Estados dos EUA reduziram 24% as emissões.
Em entrevista à EXAME, Gina McCarthy expressou angústia por não ter representantes do governo federal dos EUA no Rio e decepção frente aos retrocessos de Trump.
"Mas nós sabíamos que este presidente é um negacionista climático. Não há surpresa nisso. E sabemos que ele está fazendo tudo o que pode para basicamente promover combustíveis fósseis em vez de energia limpa", disse.
Por outro lado, ela afirmou que estar aqui no Brasil não é uma decepção e que o foco está em representar estados e cidades que querem avançar e enfrentar os desafios.
"Nos sentimos realmente revigorados. Porque sabemos que a mudança acontece nos Estados Unidos de baixo para cima, não precisamos do governo federal", lembrou.
Em relação às expectativas, Gina se mostrou otimista e animada com as oportunidades tremendas no Brasil, mesmo que não vá na COP30.
"Você pode sentir a esperança e oportunidade começando a ser capturadas. É por isso que estamos aqui. Estamos focados nos EUA, mas esperançosamente também vamos continuar nossas alianças internacionalmente porque todos nós temos que trabalhar juntos", destacou.
Há 32 anos desde criação da Convenção do Clima no Rio de Janeiro (Eco-92) e há 10 anos do histórico Acordo de Paris, mais de 300 líderes locais, governadores e autoridades globais deixaram claro que a COP na Amazônia deve marcar "a virada definitiva de promessas".
Simon Stiell, Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), diz que "é hora colocar a mão na massa. Passar das promessas aos projetos”.
O novo relatório síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), divulgado na semana anterior ao fórum, mostra que pela primeira vez as emissões globais estão diminuindo — em 10% até 2035.
O avanço ainda não é suficiente, mas aponta para a mudança: somente as cidades do Pacto Global de Prefeitos poderiam reduzir mais de 4 gigatoneladas de CO2 anualmente até 2050, se os planos atuais forem financiados e implementados.
"As promessas inspiram esperança, mas ações geram resultados", enfatizou o secretário executivo da UNFCCC.
Um dos anúncios positivos foi um investimento de R$ 10 mi para apoiar projetos verdes nas cidades.
Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, trouxe a perspectiva de quem executa políticas públicas no território e foi direto: "Como é que a gente transforma a poesia em verbo? Precisamos de recursos. O Sul Global precisa".
O prefeito carioca destacou que a colaboração entre níveis de governo, exemplificada pelo Pacto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, é fundamental para destravar o financiamento, estimado em 1.3 trilhão de dólares anuais e uma das prioridades na agenda brasileira da COP.
"Para fazer uma grande obra de drenagem, resolver um problema de saneamento em uma comunidade carente, fazer obras de contenção de encostas — se tem recurso federal, somos capazes de realizar muito", afirmou.
Esta foi a mensagem do Rio de Janeiro: a necessidade de driblar o desafio de financiamento climático para as cidades.
Igor Normando, prefeito de Belém, fez um apelo sobre o que espera da COP30.
"Se fala de Amazônia, mas não se discute o povo amazônida. Essa COP será o momento para os colocarmos no centro do debate: os povo da floresta, aqueles que vivem e preservam", declarou.
Normando também enfatizou que preservação ambiental exige prática transversal e que também é sobre desenvolvimento econômico e saúde.
O prefeito também cobrou a comunidade internacional sobre o financiamento para projetos que garantam acesso a saneamento básico, saúde, desenvolvimento, geração de emprego e renda "como uma forma fundamental de garantias para que esses povos possam sobreviver”.
"Neste momento, a capital da floresta se torna a capital do mundo", disse.
Marina Silva apresentou o histórico brasileiro como demonstração dos resultados das políticas climáticas. [grifar]O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, criado há 23 anos, reduziu o desmatamento em 83% por quase uma década, evitando o lançamento de 5 bilhões de toneladas de CO2.
“Essa é a maior contribuição já dada por um país para redução de perda de biodiversidade e redução de CO2”, disse.
A ministra lembrou que as políticas foram desmontadas no governo Bolsonaro e retomadas com Lula.
"Em dois anos de reimplementação, já reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% e conseguimos evitar lançar na atmosfera 700 milhões de toneladas de CO2", relatou.
Nos últimos dias, uma nova boa notícia: a perda de vegetação no bioma caiu 11% e consolidou quatro anos de queda.
O ministro das Cidades, Jader Filho, evocou as tragédias recentes no Rio Grande do Sul e em Petrópolis para reforçar a urgência da implementação com o protagonismo local.
"Como não tratar os temas que vamos discutir agora sem ouvir os prefeitos, sem ouvir os governadores, sem ouvir os líderes locais? São eles que sabem quais são os verdadeiros caminhos para alcançar as verdadeiras metas de solução para o nosso planeta", afirmou.
Jader também reforçou que os municípios e Estados podem contar com o apoio do governo federal para encontrar soluções ambientais e investimentos.
"Estamos em um momento decisivo. Cidades, estados e regiões fazem parte da base sobre a qual se sustenta o Acordo de Paris — e são a ponte entre a ambição e os resultados reais que melhoram a vida das pessoas. O mundo está observando", disse Simon Stiehl na Cúpula de Ação Climática do Rio.
Para Eduardo Paes, o grande desafio da COP30 é justamente sair do discurso para a ação, enquanto a ministra Marina Silva frisou que o mundo já tem a maior parte das respostas técnicas. "O que precisamos é do compromisso ético para transformá-las em capacidade de ação.", concluiu.
++ Leia mais: Roadmap Baku-Belém é divulgado, mas aposta em implementação voluntária frustra
Agora, os olhos se voltam para Belém com a Cúpula de Líderes, onde o foco deixa de ser local e passa a ser nos Chefes de Estado. Até domingo, pelo menos 50 autoridades devem desembarcar para discutir as principais estratégias que precisam avançar para o efetivo combate à crise climática.
Na segunda-feira, 10, começa oficialmente a COP30, momento em que se passa a ter "poder de decisão" nas negociações que colocam em xeque o futuro do planeta.