Patrocínio:
Parceiro institucional:
(Agência SP)
Colunista
Publicado em 14 de julho de 2025 às 16h00.
Por Mônica Dias Pinto*
Dados recentes da nova edição do Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) escancaram uma realidade incômoda e inaceitável para o Brasil: o analfabetismo funcional ainda é um tema para nos preocuparmos. A constatação é que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos permanecem na condição de analfabetos funcionais, um patamar idêntico ao de 2018.
Ou seja, um percentual expressivo de brasileiros e brasileiras, mesmo "sabendo ler e escrever" não consegue aplicar essas habilidades para resolver problemas do cotidiano e/ou compreender textos complexos. E infelizmente, observa-se que entre os adolescentes e jovens de 15 a 29 anos, o analfabetismo funcional oscilou negativamente, entre 2018 e 2024, passando de 14% para 16%.
Por outro lado, o estudo também revela alguns avanços. Por exemplo, o maior percentual de pessoas funcionalmente alfabetizadas se encontra nas faixas de 15 a 29 anos (84%) e 30 a 39 anos (78%), evidenciando o efeito positivo das políticas de inclusão e valorização da escola para crianças e jovens realizadas nas últimas duas décadas. Assim, são milhões os brasileiros hoje na faixa de 15 a 39 anos que se beneficiaram das políticas de inclusão massiva da população na escola.
Ou seja, observamos que se ampliou o número de adolescentes e jovens alfabetizados, que conseguem utilizar a leitura e a escrita em seu dia a dia. Porém, também temos evidências de que ainda há muito trabalho a fazer, para garantir esse direito essencial para todos os adolescentes e jovens.
O que significa estar em condição de analfabetismo funcional? Significa que determinada pessoa, mesmo frequentando a escola ou tendo concluído a Educação Básica, tem dificuldade para compreender plenamente textos complexos, realizar operações matemáticas, utilizar habilidades de leitura e escrita para efetuar atividades necessárias para a vida cotidiana. No século XXI, o analfabetismo funcional implica em barreiras determinantes para a inserção digna no mundo do trabalho, para o exercício pleno da cidadania e para a capacidade de navegar em um mundo cada vez mais complexo e informacional.
Infelizmente, ao analisarmos o perfil dos adolescentes e jovens analfabetos funcionais, constatamos que são, em sua maioria, negros, indígenas, com deficiência e pertencentes a famílias de renda mais baixa. Convivemos no Brasil ainda com uma construção histórica, que naturaliza o fracasso escolar de determinados indivíduos, como se fosse aceitável que adolescentes e jovens passem e saiam da escola sem aprender o que é esperado, sem o direito a uma educação integral.
Por isso, é urgente investir na implementação efetiva nos territórios de políticas e estratégias voltadas à educação integral com qualidade e equidade, a alfabetização na idade certa, à recomposição das aprendizagens, ao letramento digital, viabilizando que esses adolescentes e jovens desenvolvam competências e habilidades para se situar e se posicionar no mundo, fazer suas escolhas, aprender, ser feliz e ter uma transição positiva para o mundo do trabalho.
É essencial garantir investimentos em infraestrutura escolar, carreira docente de qualidade e condições de trabalho para gestores e professores que atuam, em especial, nas periferias, áreas remotas, ribeirinhas, áreas indígenas e quilombolas.
Adolescentes e jovens de 15 a 29 anos vivem e viverão em um século repleto de mudanças exponenciais, no qual é necessário aprender a lidar com diferentes pontos de vista, posicionar-se com argumentos para defender ideias, princípios e valores, prevenir e solucionar conflitos, lidar com a lógica digital das Inteligências Artificiais (IA) e buscar alternativas para lidar com as mudanças climáticas. Que futuro precisamos oportunizar para as próximas gerações?
A pandemia da Covid 19, inegavelmente, impôs desafios enormes à educação formal, e talvez pouco tenhamos aprendido com ela. Crianças e adolescentes ficaram por longo período sem acesso aos estudos e ao convívio com a comunidade escolar. Estudos comprovam os impactos desse período nefasto na saúde mental e emocional, dos estudantes, como também em suas aprendizagens. Muitos tiveram suas trajetórias escolares descontinuadas precocemente. Sem contar as fragilidades educacionais pré-existentes, que a crise sanitária apenas exacerbou, em especial para os estudantes em maior situação de vulnerabilidade social.
Vale destacar também que o Inaf 2024 traz uma inovação metodológica por meio da qual foi possível explorar a relação entre o nível de alfabetismo dos indivíduos e a interação que estabelecem com o mundo digital. Por meio de testes em celulares, constatou-se que apenas 13% dos participantes da pesquisa conseguiram cumprir todas as etapas para a compra de um tênis em uma loja virtual; somente 4% conseguiram concluir o processo de escolha de um filme mediante os critérios estabelecidos e explicar as razões de sua escolha e apenas 17% realizaram com êxito todas as etapas para efetuar a inscrição em um festival de música por meio de formulário on-line.
Coordenado pela organização social Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, a edição 2024 do Inaf é uma correalização da Fundação Itaú, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, UNESCO e UNICEF. O que significa uma reunião de instituições empenhadas em promover um diagnóstico consistente sobre a questão, bem como contribuir para aprofundar, a partir daí, propostas efetivas para avançarmos com a velocidade e qualidade necessárias. Os resultados apurados nos convocam a adotar ações concretas, com grande senso de urgência.
Governos, sociedade civil, universidades, investidores sociais, empregadores têm papéis e responsabilidades a assumir, para que o Brasil oferte educação básica com qualidade e equidade para todos, bem como promova oportunidades de educação ao longo da vida, em especial para àqueles que, recorrentemente, não tiveram acesso – ou tiveram de forma limitada - à educação na infância e adolescência.
O Brasil não pode admitir uma parcela tão significativa de sua população à margem de um direito tão básico, que compromete o bem-estar e a vida de indivíduos, o desenvolvimento social e econômico da nação. É hora de transformar as evidências trazidas pelo Inaf em insumos para mudanças urgentes e efetivas em nossas práticas educacionais. O presente e o futuro do Brasil dependem disso.
O UNICEF trabalha em parceria com governos, organizações sociais, doadores, fundações do setor privado e toda a população para enfrentar os desafios da educação e garantir o direito de aprender de cada criança e adolescente, sem exceção, por meio de três estratégias principais:
Para suas ações com foco na promoção e na garantia do direito de aprender, o UNICEF Brasil mantém uma parceria estratégica com Grupo Profarma e Instituto Claro e uma parceria com Fundação Itaú. Para ações de Busca Ativa Escolar, o UNICEF conta também com a parceria estratégica de BRK e EDP e com a parceria de B3 Social.
*Mônica Dias Pinto é chefe de Educação do UNICEF no Brasil