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Ao menos seis mortos e 750 feridos: tornado no Paraná reforça urgência de ações de adaptação climática no Brasil. (Ari Dias/AEN/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 8 de novembro de 2025 às 17h18.
Última atualização em 8 de novembro de 2025 às 18h02.
A última carta oficial da presidência da COP30, semanas antes do início formal da Conferência, trouxe um chamado pela adaptação climática.
"À medida que a era dos alertas dá lugar à era das consequências, a humanidade se depara com uma verdade profunda: a adaptação deixou de ser uma escolha", escreveu o embaixador André Corrêa do Lago no documento, marcando a primeira menção explícita ao tema.
De fato importante, sobretudo para nações menos desenvolvidas e pequenos estados insulares, a pauta não teve grande destaque na agenda da Cúpula de Líderes.
Embora tenha sido abordada em uma mesa-redonda presidida pelo presidente Lula, com a participação do primeiro-ministro da Irlanda, do chefe da União Africana e outros líderes, a adaptação recebeu bem menos destaque se comparado a combustíveis fósseis e desmatamento.
Contudo, um fato novo pode adicionar mais urgência ao assunto: o tornado que atingiu o estado do Paraná neste sábado, 8, deixando ao menos seis mortos e mais de 750 feridos, e que pode ter consequências também para os Estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
EXAME conversou com especialistas para avaliar a influência dos acontecimentos recentes no Paraná na COP30, considerando a modesta atenção que o tema recebeu na Cúpula de Líderes.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, avalia que eventos como o tornado no Paraná evidenciam uma urgência que a agenda política ainda não reflete adequadamente. Para ela, esses episódios reforçam uma realidade global imposta pelo 1,5°C de aquecimento global.
Tornado no Paraná: imagem aérea mostra devastação da cidade (Ari Dias/AEN/Divulgação)
"Estamos vendo o sul do país recebendo eventos extremos potencializados pela mudança do clima. Mas isso está acontecendo mundo afora: enchentes no Paquistão, cidades nos Estados Unidos debaixo d'água, episódios na Europa", lista a especialista.
"O que a gente precisa normalizar é a adaptação, não os desastres", afirma. E a mensagem, segundo ela, precisa ressoar entre os negociadores, que têm uma extensa agenda de adaptação pela frente.
Analisando a dinâmica por outro ângulo, Claudio Ângelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, aponta que a pouca atenção ao tema nos últimos dois dias se justifica pelo fato de ser um assunto menos controverso.
"A Cúpula estava lá para dar impulso político às coisas que estão muito encalhadas", explica, citando NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), combustíveis fósseis e desmatamento como prioridades que dominaram as discussões.
A adaptação, segundo o especialista, ficou registrada no chamado de Belém, reconhecendo a necessidade de triplicar os recursos destinados ao tema.
Ângelo acredita que o impacto de tragédias locais sobre as negociações internacionais é, em suas palavras, "imponderável".
E cita alguns precedentes históricos para avalizar sua percepção como quando, em 2022, o Paquistão foi devastado por enchentes, e em 2009, quando um grande tufão nas Filipinas matou centenas de pessoas e levou o negociador-chefe filipino a abrir sua fala em Copenhague em lágrimas.
"Mas esse tipo de evento extremo acaba contaminando positivamente. A partir da desgraça que geram, as delegações dos países afetados", observa.
No caso do Brasil, estar à frente da presidência da COP30 no momento em que enfrenta eventos extremos sucessivos pode intensificar a cobrança por ações concretas.
No entanto, Ângelo é cético quanto ao impacto real na sociedade brasileira: "Não furamos nenhuma bolha no Brasil, infelizmente. Muito menos no setor privado".
Ele destaca que, embora o governo tenha demonstrado preocupação em garantir espaço para a adaptação nas negociações multilaterais, "cada prefeito deste país deveria ter como preocupação número 1, número 2, número 3 adaptar a sociedade a eventos climáticos extremos".
Imagem aérea de Porto Alegre em 2024: Rio Grande do Sul viveu seu pior evento climático extremo no ano passado (Ricardo Stuckert/Presidência da República/Divulgação)
O exemplo mais contundente? De acordo com o coordenador do Observatório do Clima, é a cidade de Porto Alegre, que reelegeu o prefeito durante cujo mandato a cidade alagou. "Um enorme sinal de que não tem bolha furada não", conclui.
Já Natalie Unterstell reconhece progressos, ainda que pela via dolorosa. "Considero que avançamos, infelizmente pela dor, dado o que aconteceu no Rio Grande do Sul no ano passado", afirma.
Mas são muitos os desafios que permanecem: ondas de calor cada vez mais frequentes, cidades que precisam se tornar mais resilientes, infraestruturas inadequadas e uma pauta energética ainda frágil.
Apenas o Rio de Janeiro possui um protocolo de calor instalado, recentemente premiado. "E as outras cidades?", questiona Unterstell. Como Ângelo, ela acredita que o setor privado ainda "está engatinhando no Brasil" para apoiar a adaptação, apesar de iniciativas pontuais de startups e investimentos internacionais voltados à resiliência.
A adaptação diz respeito especialmente a como os países em desenvolvimento irão se adaptar aos efeitos mais severos das mudanças do clima e tornar as cidades mais resilientes frente à nova realidade.
Dos 1,1 bilhão de pessoas no mundo em situação de pobreza aguda, 887 milhões vivem em regiões que já enfrentam ao menos um grande risco climático, e 309 milhões enfrentam três ou mais riscos simultaneamente.
A carta da presidência da COP30 foi explícita ao cobrar uma ampliação substancial dos recursos destinados à adaptação.
Apesar de compromissos sucessivos, o financiamento para adaptação ainda representa menos de um terço do total do financiamento climático, muito aquém das necessidades frente aos eventos extremos.
Em coletiva de imprensa no final de outubro, Corrêa do Lago e Ana Toni, CEO da COP30, ressaltaram que enquanto o financiamento climático tem a meta de chegar a US$ 1,3 trilhão anuais voltados à mitigação, ainda não há a mesma clareza para as medidas de adaptação - o que torna o desafio ainda maior, mas não menos importante.
A presidência brasileira defende ainda que subsídios e empréstimos concessionais continuam fundamentais, especialmente para o desenvolvimento e a implementação dos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs).
No Brasil, como lembrou a diretora de programa da COP30 Alice Amorim em entrevista à EXAME, as enchentes e chuvas no Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024, evidenciaram a necessidade não apenas de recursos para reconstrução, mas a urgência de se caminhar paralelamente com ações de adaptação e mitigação.
"Existe toda uma economia da adaptação surgindo, que acontece de maneira até silenciosa e em muitos lugares descoordenada, mas como é que unimos tudo isso?", questionou na ocasião.
Amorim citou exemplos concretos que ilustram essa "economia da adaptação" ainda invisível: o trabalho da Embrapa com sementes resistentes ao calor, a retrofitagem de escolas em Belém pelo BID para reduzir temperaturas internas e melhorar o aprendizado, e as mudanças necessárias em compras públicas para incorporar critérios de resiliência.
O Banco Mundial estima que medidas robustas de adaptação podem gerar até quatro vezes o seu custo em benefícios econômicos.
No entanto, episódios como o do Paraná mostram que as lições aprendidas não foram necessariamente absorvidas e aplicadas na prática.