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Um grande vazio de saúde: o desafio de atendimento médico em quilombo isolado no Pará

Expedição 'Rios de Saúde' da Afya atende mais de 200 pessoas em Piratuba, comunidade carente de especialistas assim como outras regiões amazônicas

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 8 de agosto de 2025 às 17h30.

Última atualização em 8 de agosto de 2025 às 20h24.

Abaetetuba

Uma reivindicação histórica, primeiro posto de saúde foi inaugurado em julho na comunidade (Sofia Schuck/Divulgação)

*De Abaetetuba, Pará 

A duas horas de carro de Belém do Pará, em uma zona rural do município de Abaetetuba, vive uma comunidade remota onde a saúde é escassa e os serviços básicos ainda não chegam o suficiente.

Com quase dois mil habitantes, o quilombo de Piratuba enfrenta uma série de desafios de acesso e um deles "clama por cura": a carência de médicos e de atendimento especializado.

Quem parte de Abaetetuba, precisa encarar uma estrada de chão batido por cerca de 20 minutos para chegar até as moradias locais e se depara com uma realidade bastante diferente de um centro urbano: ali, a rede elétrica não chega, os ônibus quase nunca passam, os principais meios de transporte são motos e bicicletas e a maioria dos moradores vive da agricultura familiar e pesca artesanal.

Entre eles, há algo que pulsa em comum: "um grande vazio" de saúde, em um contexto de falta de saneamento básico e de mudanças climáticas que agravam algumas doenças, como o Mal de Chagas.

Margarida dos Santos Souza é um retrato deste contexto desafiador: com 64 anos, consultou com um cardiologista pela primeira vez na vida e acabou descobrindo uma doença cardíaca que não imaginava.

"As pessoas aqui morrem por falta de atenção. A minha mãe viveu 99 anos e sempre fez remédios caseiros e chá de ervas para se curar, ela dizia que era o segredo da longevidade", contou à EXAME. 

Mãe de quatro filhos, Margarida assim como tantas outras mulheres, crianças e famílias foram buscar atendimento médico na expedição "Rios de Saúde", promovida pela Afya, hub de educação e tecnologia para a prática médica no Brasil. Desde 2023, a ação convoca pelo menos 10 profissionais para uma missão em áreas remotas da Amazônia. 

"Rios de Saúde" chega em Piratuba

Durante dois dias, moradores de Piratuba e região puderam consultar nas áreas de cardiologia, pediatria, clínica médica e infectologia, além de fazer exames renais, eletrocardiogramas e testes rápidos para doença de Chagas.

"É muito gratificante [e feliz] este dia. Não só para mim, mas para todos, principalmente pelas crianças e idosos que precisam de atendimento. Muitas vezes, recorremos ao SUS, marcamos uma consulta e não conseguimos nada", disse Margarida, mesmo com seu diagnóstico não tão animador, no momento em que esperava para falar com o psiquiatra. 

Em um espaço que abriga uma escola, o movimento foi intenso: foram mais de 200 pessoas atendidas e várias encaminhadas para os respectivos tratamentos. No geral, chegaram bem cedo da manhã, ansiosas pelos atendimentos. A fila era grande lá fora, e as expectativas iam aumentando com a primeira etapa de triagem.

Aquelas que não conseguiam se locomover até o local ou estavam acamadas, puderam escolher pelo visita domiciliar. 

Algumas, assim como Margarida, descobriram a condição médica na ocasião. Foi o caso de Marcos, de 13 anos, diagnosticado por um especialista com falta de audição no ouvido direito. Até então, ninguém havia sequer suspeitado do problema, embora a família já havia percebido que ele por vezes não escutava ou participava das conversas.

Havia também o Heitor (3 anos), a Gisela (1 ano e meio) e tantas outras crianças que nunca tinham consultado com um pediatra na vida.

“É uma benção. Para nós, é muito difícil irmos de carro para a cidade mais próxima. Se não, vamos até a pista e pegamos um ônibus. Em Abaetetuba, é menos recurso e muita espera”, relatou a mãe de Gisela.

Álvaro Pinto, diretor da faculdade da Afya em Abatetuba, foi o grande idealizador do projeto e se define como "puramente inquieto".

O nome "Rios de Saúde", conta, foi dado porque as primeiras expedições foram em regiões ribeirinhas e de acesso apenas por barco, mas não se limita a estas áreas.

"A palavra Rio expressa algo perene, fluido, mas que também leva atendimento para estradas e áreas rurais", destacou.

Segundo ele, o quilombo é registrado e tem uma política e cuidados específicos. 

"Infelizmente, assim como outras populações vulneráveis na Amazônia, eles estão no vazio de saúde, onde não há especialistas e médicos. A UBS mais próxima fica na estrada", relatou.

Quando precisam de atendimento, a solução passa ser ir a um hospital ou UBS em Abaetetuba, Moju ou até para a capital Belém. Há menos de dois meses, o quilombo também não tinha um posto de saúde e a população era obrigada a se deslocar até a comunidade vizinha de Colônia velha.

"Esperamos que a partir destes encaminhamentos, possamos melhorar a qualidade de vida da população que já enfrenta muitos desafios", complementou Álvaro. 

Médicos, os grandes heróis

Um grupo de médicos foi selecionado a partir de um edital da Afya para atuar como voluntários da expedição, e alguns estudantes da faculdade também fizeram os acompanhamentos.

Ricardo Moraes, cardiologista e professor na Afya, foi um deles. Ele contou que havia acabado de voltar de outra missão voluntária no Sertão, onde o atendimento demorava 18 horas para chegar de barco.

"Para mim, é uma oportunidade de fazer a diferença, dar suporte e melhorar a saúde. É algo que eu acredito muito, tanto como profissional quanto como ser humano, porque a medicina é isso: um meio de fazer o bem e transformar vidas", disse à EXAME. 

Cássia de Barros Lopes, nefropediatra no Sistema Único de Saúde (SUS) e coordenadora do curso na faculdade, disse que o que mais chama a atenção é a forma como a população se comunica. 

"É sempre num lugar de 'eu preciso mostrar', eu nunca fui visto por um pediatra -- eles querem ser vistos. Isto nos impacta, é um serviço essencial que não chega. Aí se torna "um evento" e é disso que precisamos sair. Como vamos ter um adulto saudável se na infância a criança não for cuidada?", refletiu a médica que participou da ação pela primeira vez.

Com uma jornada de décadas na docência, Cássia destacou a importância de tirar o aluno da sala de aula e fazê-lo perceber que é preciso sair do consultório e ir de encontro as comunidades mais vulneráveis.

"Sem saúde, eu estou sempre carente. Precisamos mudar o conceito de que ser saudável é não estar doente. É muito além: é sobre caminhar, viver bem, conviver com a natureza e estar satisfeito com o ambiente", acrescentou. 

Fagner Carvalho e Brenda Carvalho, primos e médicos ribeirinhos em formação na psiquiatria, reforçam um olhar atento para a saúde mental dos pacientes, afetados pela extrema vulnerabilidade social, insegurança alimentar e isolamento geográfico.

Em Piratuba, ansiedade e a depressão são bastante comuns e "frequentemente negligenciados", contaram.

"Há um apelo por soluções alternativas, como pajés ou benzedeiras, que têm um grande impacto cultural. Isso impede que as doenças mentais sejam tratadas de forma adequada e pode haver uma piora do quadro", disseram. 

Existem também outros fatores agravantes, como a violência doméstica e o isolamento social. Além disso, a falta de alimentos adequados impacta diretamente o bem-estar da população.

Fagner também coordena o Serviço Especializado em Doenças de Chagas de Abaetetuba, da Secretaria Municipal de Saúde, e contou que a medicina "é uma vitória pessoal e também profissional".

Ambos pagaram a universidade de Belém com muito esforço. Os pais trabalham com açaí, assim como muitas famílias da região, em um processo bastante "desgastante" e que não dá muito retorno financeiro, além de depender da safra. 

Posto de saúde, um novo capítulo

Dias antes da expedição, Piratuba conquistou uma reivindicação histórica: a inauguração do primeiro posto de saúde na comunidade. pequeno em espaço físico, mas grandioso para a população", disse Rosa Carvalho, secretária de saúde do município, à EXAME. 

Uma iniciativa da secretaria, Rosa reforça que "saúde não é só sobre não ter doenças, é sobre prevenção", e por isso a unidade marca "um novo capítulo na história da população", que antes precisava ir até o postinho de Colônia Velha. 

Elisandra da Costa Souza, técnica de enfermagem responsável pelos atendimentos no posto, também nos recebeu com alegria e entusiasmo. 

"A chegada do posto é maravilhosa, havia uma decadência e uma dificuldade muito grande de acesso a saúde na comunidade. Agora, muitas ocorrências serão evitadas", disse.

No local, serão realizados procedimentos mais simples: neonatal, vacinação, orientações e encaminhamentos.

Região Norte lidera falta de médicos

Segundo o Conselho Federal de Medicina, a Região Norte do Brasil lidera a falta de médicos e o Pará tem a segunda pior distribuição destes profissionais. Com 1,38 profissional em atuação para cada mil habitantes, o estado só fica atrás do Maranhão. 

Os dados evidenciam a grande concentração de médicos nas regiões Sudeste e Sul e a tamanha carência que também assola Piratuba. 

Em 2013, o programa Mais Médicos do governo federal surgiu para amenizar o problema e atuou em duas frentes: suprir a falta de profissionais ao trazer médicos de outros países e levar a "formação" para estas regiões carentes. No Norte, o número de profissionais dobrou: passou de 15.624 em 2011 para 30.549 em 2024.

Em 2022, a Afya inaugurou a faculdade, transformando Abaetetuba em um polo universitário e de inovação. Segundo Álvaro, o Mais Médicos trouxe muitas oportunidades, mas a falta de infraestrutura e a baixa remuneração ainda dificultam a permanência dos profissionais na cidade. 

Ambulatório é inaugurado em Abaetetuba

Em 9 de julho, Abaetetuba ganhou um novo ambulatório da Afya, fruto de um investimento de R$ 5 milhões. 

Em uma área cedida pela prefeitura em frente ao campus da faculdade, a clínica foi construída como contrapartida do Programa Mais Médicos e oferece consultas gratuitas, exames e procedimentos com tecnologia de ponta.

O objetivo é desafogar o SUS e ajudar no acesso de populações que vivem distantes dos centros urbanos, como comunidades ribeirinhas e quilombolas do nordeste do Pará, a exemplo de Piratuba.

Durante a expedição, aqueles pacientes que precisaram de outras especialidades além das disponíveis, foram encaminhados para lá, se tornando os primeiros a desfrutarem do serviço. 

Esta é a primeira unidade da região a operar de forma totalmente digital, do agendamento de consultas e exames até os encaminhamentos, receitas e prontuários. "Desde o primeiro dia, tudo será digitalizado, sem papel", celebrou Álvaro.

Segundo Elisandra, do postinho de Piratuba, a chegada do ambulatório "será uma benção maior ainda", visto que será possível encaminhar a comunidade para atendimentos especializados.  

Já a secretária de saúde destacou que a Afya tem trabalhado ativamente em parcerias e traz vários avanços para o município, na geração de renda e retenção de médicos no território.

Além dos atendimentos, o ambulatório também vai servir como espaço de prática para os alunos. Outra contrapartida da Afya para o município foi a reforma da UBS Maria Eunice Rodrigues Carvalho, no bairro Santa Rosa, ampliando os serviços especializados.

*A jornalista viajou a convite 

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